De Bruxelas a Berlim, líderes em toda a União Europeia estão se preparando para gastar centenas de bilhões para reerguer seus Exércitos. Os gastos, dizem eles, são necessários para preparar a Europa para os perigos de um mundo em que os Estados Unidos não garantem mais sua segurança.
Mas muitos também esperam que o aumento nesse montante tenha outro efeito importante: revitalizar o setor industrial do continente em declínio e abrir uma nova frente para o crescimento econômico.
Essa conexão entre investimento em defesa e competitividade é um dos temas que os líderes europeus provavelmente discutirão quando se reunirem em Bruxelas nesta quinta-feira, após a Comissão Europeia publicar um documento muito aguardado a respeito do futuro da defesa europeia, na quarta-feira.
“A força econômica e o plano da Europa de se rearmar são dois lados da mesma moeda”, disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em um discurso recente, classificando os investimentos potenciais como um “poderoso vento favorável para indústrias importantes”.

Mas isso está longe de ser uma certeza, e os desafios para a Europa realmente fazer a coisa acontecer são enormes.
Embora haja um consenso crescente em relação à hipótese de que os novos gastos militares provavelmente darão certo impulso às economias europeias no curto prazo, seu sucesso dependerá de como esse dinheiro for gasto e onde.
Dependência americana
A maioria das economias europeias tem indústrias de defesa relativamente modestas, embora a França e a Alemanha em particular estejam buscando aumentar as suas. Por décadas, a Europa dependeu significativamente de importações de armamentos e equipamentos americanos, particularmente em relação a armas mais sofisticadas. Isso faz com que o continente não seja particularmente adequado para absorver novos gastos militares imediatamente.
Mas os líderes europeus estão ávidos para mudar essa situação, com objetivo de manter um controle mais rígido sobre sua própria segurança e aproveitar melhor o impacto econômico desse investimento.
O presidente francês, Emmanuel Macron, está pressionando aliados, incluindo a Alemanha, a comprar sistemas de defesa antimísseis franceses em vez de americanos. O ministro da Defesa de Portugal declarou na semana passada que seu país poderá substituir caças de combate antigos por aeronaves europeias, em vez dos F-35 de fabricação americana, citando preocupações sobre o apoio à Rússia por parte do governo Trump.
Mas desenvolver as modestas indústrias militares da Europa levará tempo.
Investimentos de longo prazo
O provável novo chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, discorreu sobre os desafios aos legisladores de seu país na terça-feira, antes de a Câmara Baixa do Parlamento votar sobre um afrouxamento dos limites constitucionais da dívida para permitir mais bilhões em gastos destinados à renovação das Forças Armadas alemãs. As medidas devem agora ser aprovadas pela Câmara Alta e sobreviver a desafios jurídicos para se tornar lei.
“Precisamos reconstruir as capacidades de defesa agora, em parte do zero, com uma estratégia de defesa e aquisição orientada por tecnologia, com sistemas automatizados, vigilância independente por satélites europeus, drones armados e muitos sistemas de defesa modernos. E, acima de tudo, com encomendas confiáveis e previsíveis que devem chegar aos fabricantes europeus sempre que possível”, disse Merz.
As nações europeias aumentaram os gastos com defesa em quase um terço desde 2021. Mesmo combinados, porém, seus orçamentos militares anuais permanecem menores do que a metade do gasto americano no setor. As indústrias de defesa empregaram quase 600 mil europeus no ano passado. Em comparação, os fabricantes de automóveis empregaram mais de 3 milhões.
Em alguns casos, como na fabricação de tanques e sistemas de mísseis, a Europa precisará ampliar as indústrias existentes ou redirecionar outras linhas de produção industrial. Em outros — incluindo tecnologia de drones e algumas das armas e equipamentos de suporte militar mais avançados — a Europa precisará construir rapidamente suas próprias fábricas para competir com os americanos. Autoridades de defesa alertam que pode levar anos para isso ocorrer, talvez até uma década.
E há o risco de que, quando tenham de comprar na região, as nações europeias prefiram comprar domesticamente em vez de gastar na Alemanha ou na França — o que duplicará esforços em todo o bloco. A Europa já tem alguns problemas de redundância na indústria da defesa. A Ucrânia, por exemplo, recebeu pelo menos 17 modelos diferentes de obuses, mas nem todos usam o mesmo tipo de projétil.
Se os novos gastos da Europa forem redundantes, benefícios econômicos e estratégicos podem ser silenciados.
É por isso que alguns economistas alertam que o impulso econômico, embora provável, poderá não ser suficiente para proteger os governos europeus contra a reação populista que eles enfrentaram nos anos recentes.
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Impulso econômico
Mas se a União Europeia for capaz de erguer novas indústrias com compras e investimentos coordenados, os efeitos do crescimento podem ser significativos — poderão até ser suficientes para ajudar os países europeus envelhecidos a brecar uma espiral descendente de força de trabalho em declínio e investimentos em queda, estimulando novas tecnologias que se espalhariam para os setores civis e proporcionariam um benefício mais duradouro.
Muito dependerá da maneira que os novos planos de gastos se desdobrarão.
A filosofia, neste momento, parece começar com grandes gastos — e nas proximidades. Em Bruxelas, autoridades da UE deixaram claro que querem desenvolver habilidades de produção de equipamentos de defesa em seu bloco de 27 membros. Para catalisar o investimento, a UE lançará um programa de empréstimos de 150 bilhões de euros.
As autoridades da UE também propuseram afrouxar as regras fiscais europeias para que as nações possam gastar mais individualmente, o que, estima-se, poderia liberar até 650 bilhões de euros, mais de US$ 710 bilhões, em gastos adicionais. A concretização de um gasto dessa magnitude dependerá de os governos nacionais estarem dispostos a assumir mais dívidas para financiar gastos militares.
Mesmo com os desafios de se abastecer localmente, muitos economistas acham que o crescimento da Europa como um todo verá algum benefício do aumento no gasto em defesa. O banco Goldman Sachs estimou um modesto aumento na zona do euro nos próximos três anos, com o maior benefício em 2027.
Os economistas do Goldman Sachs atualizaram suas estimativas de crescimento em parte por causa do plano alemão de aliviar limites da dívida. Mas outros moderaram expectativas.
O plano de gastos militares da Alemanha “trata realmente de segurança”, disse o economista Clemens Fuest, presidente do Instituto ifo, em Munique, um dos conselheiros de Merz.
“É bom para o país porque queremos evitar a guerra na Europa”, disse Fuest em entrevista. Mas, acrescentou ele, “não é bom em termos de ‘criar mais crescimento’ ou algo assim”.
Esforço de guerra
Mas em um momento em que as empresas automotivas alemãs e seus fornecedores eliminaram cerca de 46 mil empregos desde 2019 alguns alemães imaginam se pode ser hora de transformar montadoras ociosas em fábricas de ponta para produzir tanques ou drones.
A fabricante alemã de armas Rheinmetall já assumiu um papel de liderança na ampliação das capacidades de produção de armamentos do país. A empresa criou novos empregos para dezenas de trabalhadores de um dos fornecedores de automóveis em dificuldades da Alemanha, a Continental AG. E também está em negociações com a Volkswagen sobre a possibilidade de assumir uma fábrica de baixo desempenho próximo a Osnabrück.
“Se o dinheiro do contribuinte alemão está sendo gasto, então precisamos criar empregos na Alemanha”, disse o presidente-executivo da Rheinmetall, Armin Papperger, a repórteres na semana passada, acrescentando que esperava que sua empresa adicione 10 mil empregos à Alemanha nos próximos dois anos.
Esse crescimento pode ser sentido também fora da Alemanha. Desde o início da guerra na Ucrânia, a Rheinmetall construiu novas fábricas na Espanha, na Lituânia e na Romênia, tornando-se uma das maiores produtoras de munições no Ocidente.
Cada nova fábrica cria de 500 a mil novos empregos diretamente, e vários milhares a mais no entorno, disse Papperger.
E embora tenha um espaço limitado para tomar empréstimos destinados a aumentar seus próprios gastos, a França também pode se beneficiar de gastos militares maiores no restante da região, segundo os economistas do Goldman Sachs. A França possui o maior Exército da UE e é uma grande exportadora de armas.
A consultora econômica Vicky Redwood, da Capital Economics, publicou uma análise em 13 de março observando que, em geral, elevar os gastos militares em 1% do PIB aumentaria o crescimento em cerca de 0,5%. Fora da Alemanha, escreveu ela, uma estimativa “razoável” é que as nações europeias aumentarão seus gastos militares entre 0,5% e 1,5% enquanto parcela da produção.
Segundo Redwood, porém, vários fatores podem influenciar a medida em que os gastos militares impulsionam o crescimento. Isso inclui quanto desse dinheiro é destinado a pesquisa e desenvolvimento, assim como a eficiência com que os gastos são efetuados. Nada é certo.
Exceto pela Reinmetall, “os outros são jogadores bem menores”, disse o presidente do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica, Marcel Fratzscher. “Tenho dúvidas sobre este panorama, mudando da produção de carros para a produção de tanques, ser o futuro da vantagem comparativa da Alemanha.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO