Fazendeiros reduzem espaço de pastores na Nigéria

Com a escassez de terra fértil, diferentes modos de vida entram em confronto

PUBLICIDADE

Por Dionne Searcey

DAMINIYA, NIGÉRIA - Centenas de cabeças de gado regressavam ao acampamento depois de um longo dia pastando nos campos. Manu Baka foi até o meio da manada e acendeu uma pequena fogueira. As vacas começaram a se reunir ao redor do fogo. Esta é uma rotina que ele e outros pastores repetem desde sempre ao anoitecer, em suas andanças com os animais pela Nigéria em busca de campos com capim fresco para pastar.

Em todos estes anos como pastor, Baka enfrentou cobras venenosas, ladrões de gado e remédios veterinários falsificados. Agora, os pastores estão diante de uma grave ameaça ao seu modo de vida: a rápida expansão da população nigeriana implica que no aumento do número de pessoas que querem cultivar a terra usada há séculos pelos pastores.

As vacas chegam a custar US$ 600 nos mercados no estado de Gombe, mas os pastores dizem que as terras para pasto estão se reduzindo. Foto: Adriane Ohanesian para The New York Times

PUBLICIDADE

Em várias partes da Nigéria, irromperam conflitos entre fazendeiros e pastores em busca de terra. Nos primeiros seis meses do ano, estes conflitos deixaram, ao que se calcula, 1.300 mortos. Cerca de 300 mil pessoas foram obrigadas a abandonar suas casas por causa da violência entre fazendeiros e pastores, conflitos que frequentemente são exacerbados pela religião, a etnia e até mesmo pelo clima instável que acompanha a mudança climática.

Mali, Níger, Burkina Faso, Quênia e outros países do continente onde as populações estão crescendo também lutam com este problema. Na Nigéria, onde a população quadruplicou nos últimos 60 anos para cerca de 200 milhões de indivíduos, os enfrentamentos são tão violentos que o governo enviou o exército para conter algumas batalhas.

Publicidade

Numerosas entidades regionais prometeram proteger os direitos dos pastores, mas poucas providências foram tomadas. O governo federal da Nigéria propôs que lhes fossem reservadas terras, mas o país também está às voltas com um enorme desemprego. Isso leva um número maior de pessoas para a agricultura, aumentando as tensões.

Alguns estados proibiram completamente que o gado paste em espaços abertos. Leis locais que procuram solucionar os conflitos em grande parte não são aplicadas, principalmente nas áreas rurais onde o governo praticamente inexiste.

Como a maioria dos pastores, o presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari, é muçulmano fulani. E embora ele tenha feito pouco para conter a violência ou ajudar os pastores, frequentemente é considerado partidário dos fulani, que são um dos principais grupos étnicos do norte.

Em grande parte da Nigéria, principalmente no sul, majoritariamente cristão, os pastores fulani são considerados terroristas. Informes muitas vezes falam em morte de pastores sem mencionar os ataques fatais perpetrados por fazendeiros.

Publicidade

O estado de Gombe, para o qual Baka migrou com seu gado, é conhecido por seus espaços abertos e relações pacíficas entre fazendeiros e pastores. Muitos dos fazendeiros também são fulani, como os pastores, e as tensões étnicas são mínimas. Mas mesmo neste estado, os espaços abertos estão sendo reduzidos. A população das aldeias perto de Daminiya, o povoado mais próximo do campo de Baka, triplicou, para 7 mil habitantes, nos últimos 15 anos.

Baka e seus parentes, juntamente com o gado, ovelhas e alguns burros de carga, montaram um acampamento ali no início de setembro. Uma vaca pode valer US$ 600 no mercado.

Baka levou seu clã para o mesmo local no estado de Gombe no ano passado, deixando o gado pastar livremente por três meses. Mas, desta vez, um dia depois da chegada de Baka, o proprietário da terra disse que pretendia cultivar aquela área.

Saleh Abdu, um dos parentes de Baka, lembrou que, na sua juventude, era mais fácil pastorear o gado. Naqueles tempos, seu gado podia encher a barriga em uma hora ou duas com um capim gordo. Agora, demora o dia todo para alimentar-se de um capim seco, escasso. Às vezes, suas vacas ficam sem beber por dois dias antes de encontrar água potável. 

Publicidade

"Se eu pudesse, me mudaria para a cidade; ficaria sentado por lá, e desistiria deste tipo de vida", afirmou.

As aldeias próximas concordam. Estão repletas de antigos pastores que passaram a cultivar a terra ou entraram no lucrativo negócio da exploração madeireira.

"Com toda esta pressão, nunca pensei em me estabelecer e deixar para trás o que faço agora", disse Baka. "Esta é a coisa que mais amo na vida, estar com as minhas vacas e ir de um lugar para outro".

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.