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O acesso à ajuda humanitária em Gaza já era ruim, e acaba de piorar

Ajuda tem sido insuficiente para sustentar a população do enclave, e a maioria não consegue chegar às zonas central e sul, onde muitos foram obrigados a se deslocar por causa da guerra

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Por Amy Schoenfeld Walker (The New York Times) e Elena Shao (The New York Times)

A entrada de caminhões de ajuda humanitária atravessando as fronteiras do sul de Gaza, por onde chegou a maior parte dessa ajuda desde o início da guerra, quase parou desde que Israel expandiu seus combates na cidade de Rafah, no sul do território. No norte de Gaza, novos pontos de entrada permitiram que pequenas quantidades de ajuda humanitária essencial chegassem às pessoas mais vulneráveis à fome nos meses mais recentes. Mas essa ajuda é insuficiente para sustentar a população de Gaza, e a maioria não consegue chegar às zonas central e sul, onde muitos foram recentemente obrigados a se deslocar por causa da guerra.

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Uma decisão emitida pela Corte Internacional de Justiça (CIJ) na sexta feira, 24, parecia ordenar a Israel que suspendesse a ofensiva militar em Rafah, embora pelo menos alguns dos juízes do tribunal tenham dito que operações limitadas poderiam prosseguir apesar da decisão. Essa decisão fez menção explícita à “propagação da fome e da inanição” em Gaza e enfatizou a necessidade do “fornecimento livre e em grande escala, por parte de todos os envolvidos, de serviços básicos e assistência humanitária urgentemente necessários”.

No mês passado, Israel se comprometeu a aumentar a ajuda humanitária permitida em Gaza, depois do assassinato de sete trabalhadores da World Central Kitchen em um ataque das forças israelenses que causou indignação internacional. Os controles rigorosos de Israel sobre a ajuda e o desafio da sua distribuição dentro do enclave já tinham criado níveis catastróficos de fome.

Sob pressão de Joe Biden, as autoridades israelenses começaram a trazer ajuda humanitária adicional através do porto de Ashdod e abriram a passagem de Erez, no norte, que Israel havia fechado após os ataques do Hamas em 7 de outubro. Coordenando seus esforços com Israel, os Estados Unidos construíram um cais temporário para trazer ajuda por via marítima, complementando as principais rotas terrestres no sul.

Mas, no início de maio, Israel expandiu sua operação militar no sul de Gaza depois de um ataque com foguetes do Hamas ter matado quatro soldados perto de uma passagem em Kerem Shalom. Israel fechou essa passagem, bem como a passagem de Rafah, por onde chegava a maior parte da ajuda. Quase 300 caminhões de ajuda humanitária tinham passado por ali em um único dia antes dessa incursão.

“Foi um recorde para nós desde o início da guerra”, disse Georgios Petropoulos, chefe do escritório de ajuda humanitária da ONU em Rafah. “Estávamos dizendo: ‘OK, talvez estejamos perto de onde precisamos chegar’. E então, de repente, tudo desapareceu.”

Palestinos fazem fila para uma refeição em Rafah, no sul da Faixa de Gaza, onde a ONU suspendeu a distribuição de alimentos no dia 21 de maio devido à falta de suprimentos e insegurança. Foto: AP Photo/ Fátima Shbair, Arquivo

Biden e o presidente Abdel Fattah al-Sisi, do Egito, concordaram na última sexta feira em enviar ajuda e combustível para Kerem Shalom até que a passagem da fronteira de Rafah pudesse ser reaberta. No domingo, 26, 126 caminhões transportando alimentos e outros tipos de ajuda do Egito chegaram a essa passagem, de acordo com um comunicado dos militares israelenses. Os caminhões de distribuição da ONU que chegaram a Kerem Shalom para recolher a ajuda egípcia foram forçados a sair da travessia por causa de uma questão de segurança, disse Sam Rose, porta-voz da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina, ou UNRWA. Autoridades, incluindo Rose, disseram que a ajuda humanitária não havia cruzado a passagem até domingo.

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Scott Anderson, um funcionário do alto escalão da UNRWA, e Petropoulos afirmaram que a área de travessia ainda é uma zona militar ativa e que os desafios logísticos e de segurança podem atrasar a ajuda que chega à travessia e impedir que seja imediatamente recolhida e distribuída. Um ataque aéreo israelense a um acampamento improvisado em Rafah matou pelo menos 45 pessoas na noite de domingo, segundo o Ministério da Saúde de Gaza. Os militares israelenses disseram que o ataque tinha como alvo um complexo do Hamas.

Caminhões vazios vindos de dentro de Gaza a caminho de Kerem Shalom para trazer novas cargas de ajuda humanitária frequentemente ficam esperando horas atrás de caminhões comerciais que transportam mercadorias para vender em Gaza, que as autoridades dizem ser mais de 100 ou 200 por dia. Embora os grupos humanitários digam que a chegada de cargas comerciais é bem-vinda, a maioria das pessoas dentro de Gaza não tem condições de pagar por esses produtos, e os carregamentos podem não incluir produtos de primeira necessidade.

Fazer chegar ajuda humanitária às pessoas em Gaza também é difícil porque a expansão das operações de Israel no sul e no norte forçaram quase um milhão de pessoas a fugir para áreas com pouco abrigo, comida ou água no litoral ou entre os escombros nas regiões mais centrais.

Um caminhão transporta ajuda humanitária pelo Píer Trident, um cais temporário para entrega de ajuda, ao largo da Faixa de Gaza. Foto: Central do Exército dos EUA via REUTERS

Antes da operação em Rafah, a maioria das pessoas estava abrigada nas áreas onde a maior parte da ajuda humanitária chegava. Mas, agora, os novos pontos de entrada no norte – o cais dos EUA e uma nova passagem chamada Erez Oeste – estão repletos de problemas: trazem muito pouca ajuda para sustentar a todos e estão localizados longe dos maiores aglomerados populacionais.

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A distribuição da ajuda que passa por cada travessia também traz desafios significativos. As recentes ordens de retirada de Israel em partes de Rafah e do norte de Gaza tornaram inacessíveis muitos armazéns das agências humanitárias, e tornaram as viagens mais perigosas. A UNRWA anunciou em 21 de maio que suspendeu a distribuição em Rafah, alegando questões de segurança, escassez de abastecimento e impossibilidade de acesso ao seu armazém.

Sem entregas de ajuda consistentes e previsíveis, muitos caminhões não conseguem chegar longe no meio de multidões desesperadas. Por exemplo, em 18 de maio, o Programa Alimentar Mundial informou que 11 de 16 caminhões foram saqueados depois de saírem do cais dos EUA.

Uma estrada militar israelense e um posto de controle no norte, que corta o enclave e impediu a fácil circulação da ajuda do sul para o norte no início da guerra, provavelmente criará um problema semelhante para a ajuda se deslocando na direção oposta, de acordo com Petropoulos.

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Aviões também foram acionados como uma alternativa para fazer com que a ajuda humanitária chegue em Khan Yunis. Foto: Eyad Baba/AFP

A COGAT, agência militar israelense que coordena a entrega da ajuda humanitária, afirmou que aumentar a quantidade de ajuda destinada a Gaza continua a ser uma prioridade. Informa diariamente que inspecionou centenas de caminhões e coordenou a sua transferência para postos de fronteira, embora os números sejam frequentemente superiores aos relatados por organizações de ajuda humanitária, que monitoram o número de caminhões que recolheram mercadorias para entrada em Gaza e excluem caminhões que transportam mercadorias e bens comerciais.

Nenhum dos conjuntos de números contabiliza as dificuldades na distribuição que podem impedir que a ajuda chegue aos civis de Gaza. Israel afirma que ajuda humanitária suficiente está entrando em Gaza e culpou os grupos de ajuda por não a distribuírem mais rapidamente aos civis – uma caracterização que os grupos de ajuda contestam, dizendo que as forças israelenses tornaram a distribuição extremamente difícil.

Palestinos se reúnem na esperança de obter ajuda entregue a Gaza através de um cais construído pelos EUA. Foto: REUTERS/Ramadan Abed/Arquivo Foto

As organizações humanitárias também alertaram que não conseguirão entregar mantimentos a ninguém se ficarem sem combustível e que a quantidade de água potável, já inadequada, desaparecerá. São necessários pelo menos 200 mil litros de combustível diariamente, de acordo com Anderson, da UNRWA. Mas apenas um quarto disso está chegando, em média, todos os dias desde o fechamento da passagem de Rafah, de acordo com dados da ONU.

“A limitação de combustível significa que muitas vezes temos que escolher: vamos manter funcionando os geradores no hospital, na padaria ou na estação de tratamento de esgoto?” disse Anderson./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL.

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