O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, está enfrentando problemas graves e numerosos demais para se enumerar aqui. As coisas já estavam indo mal antes de os preços mundiais do petróleo despencarem, de modo que agora elas estão muito piores. O governo Maduro vem dilapidando suas reservas em moeda estrangeira e afundando ainda mais em dívidas, embora não em velocidade suficiente para manter os supermercados abastecidos. A inflação anual é a mais alta do mundo e a cédula de maior valor no país, 100 "bolívares fortes", hoje vale apenas US$ 0,17 no câmbio paralelo. Em breve, o país poderá ficar sem cerveja. Portanto, é surpreendente observar que a preocupação mais urgente do presidente venezuelano nos últimos dias não é a escassez de leite, de suprimentos cirúrgicos ou de contraceptivos. É uma vigorosa e ruidosa campanha para assumir o controle de uma ampla faixa de savana e selva sul-americana, conhecida como Essequibo, que pertence à vizinha Guiana. Nos últimos dias, Maduro vem assegurando aos venezuelanos, muitos dos quais ocupados em filas por gêneros de primeira necessidade, que seu governo está trabalhando para alcançar uma "grande vitória" e assumir o controle do disputado Essequibo, uma área igual a dois terços do território da Guiana. A posse do Essequibo - assim batizado em razão do grande rio que corta a selva no território - foi concedida à Guiana, então uma colônia britânica, por uma arbitragem em 1899. A Venezuela questionou a decisão como injusta, em 1962, e a disputa vem cozinhando em fogo brando desde então. "Vamos retomar o que nossos avós deixaram para nós", disse Maduro aos venezuelanos, na semana passada. Ele pediu ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que realize uma nova rodada de arbitragem internacional, enquanto prometia "uma grande vitória" sobre a Guiana "por meios pacíficos". Maduro encarregou um coronel do Exército da reserva, Pompeyo Torrealba, de chefiar uma recém-formada agência do governo, o Escritório de Resgate de Essequibo, cujos planos incluem emitir 200 mil documentos de identidade venezuelanos para os guianeses que vivem na área. Torrealba disse que criaria uma campanha publicitária para as famílias guianesas para "aproximá-las, conhecê-las e conquistar seu amor". Deixando de lado por um momento a questão das prioridades políticas e econômicas, a tentativa de assumir o controle de dois terços da Guiana é um tanto estranha à luz da reputação duramente conquistada pelo mentor político de Maduro, o ex-presidente Hugo Chávez, de defensor incansável e magnânimo dos pobres do mundo. Afinal, a pequena Guiana é um dos países mais pobres da América do Sul, ao passo que a Venezuela está montada nas maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo. A Guiana, aparentemente, pretendia reduzir essa distância petrolífera e capitalizar sua geografia quando assinou um acordo de perfuração offshore com a Exxon Mobil. Em maio, a companhia anunciou uma "descoberta significativa" a 192 quilômetros da costa guianesa adjacente ao disputado Essequibo. O governo venezuelano, que havia feito objeções à operação da companhia na área, pediu a saída da Exxon Mobil. Maduro emitiu, então, um decreto reivindicando o controle sobre as águas ao longo da costa do Essequibo e um bom pedaço além delas. O decreto deixou pouco mais de uma pequena fatia de mar para a Guiana. A disputa agravou as tensões entre os dois países a seu ponto mais alto em décadas, particularmente porque Maduro ataca a "agressão" guianesa e acusa o presidente David Granger, que assumiu o cargo em maio, de "provocar" seu país, qualificando-o de um lacaio de companhias petrolíferas estrangeiras e do imperialismo americano. Não ajuda o fato de a Venezuela travar uma prolongada disputa também com a Exxon Mobil decorrente da nacionalização, por Chávez, das propriedades da empresa, em 2007. Outras multinacionais americanas, como a Chevron, continuam a trabalhar em parceria com o governo de Maduro. Durante os 14 anos da presidência de Chávez, as pretensões sobre o Essequibo foram em grande parte atenuadas por generosos subsídios ao petróleo para a Guiana por meio do programa de ajuda da Petrocaribe da Venezuela. A eleição de Granger, porém, encerrou duas décadas de governo do partido de esquerda que era próximo do chavismo. Na cúpula de Estados caribenhos, Caricom, no começo do mês, Granger disse que "qualquer Estado que sistemática, cínica e assiduamente procure repudiar acordos internacionais e solapar a segurança e soberania de outro Estado deve ser condenado". O Caricom, que inclui alguns dos maiores beneficiários da generosidade petrolífera venezuelana, se alinhou à Guiana. Eles insistiram para a Venezuela retirar suas pretensões marítimas. No entanto, Maduro não parece ter incentivos para recuar do nacionalismo. Com um índice de aprovação pouco acima de 20% e eleições parlamentares programadas para dezembro, ele pode ter encontrado uma distração para as intermináveis más notícias econômicas. E a oposição também não está apoiando a Guiana. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK * É JORNALISTA
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