Quando se trata de entretenimento político, nada é melhor do que a época de eleição presidencial nos EUA. Observadores estrangeiros acompanham a corrida eleitoral para determinar quem está mais habilitado para liderar o país e, até certo ponto, o mundo, na direção de um futuro mais estável, seguro e próspero. Mas, nos EUA, o entretenimento reina e os americanos tendem a se concentrar na excitação acima de tudo. Quem tem melhor aparência, quem tem frases de efeito que chamam mais a atenção, quem parece mais “autêntico” e por aí vai, chegando geralmente às raias do absurdo.
Essa não é uma abordagem nova, obviamente. Edward Bernays, o pai das relações públicas modernas, relatou em 1928 em seu livro Propaganda que “a política foi o primeiro grande negócio nos EUA” e as campanhas políticas são “todas shows secundários sobre honra, notícias bombásticas, gliter e discursos”. A chave para a vitória é a manipulação da opinião pública e isso é conquistado mais efetivamente apelando-se para os “clichês mentais e hábitos emocionais do público”.
Um presidente, em outras palavras, nada mais é do que um produto a ser vendido. E, como qualquer marqueteiro sabe, a qualidade do produto não é necessariamente o que leva ao seu sucesso. Se fosse, Donald Trump não seria considerado um sério candidato para a indicação do Partido Republicano.
Duelo. Na atual campanha, a candidata mais complexa, Hillary Clinton, sofre bastante como resultado – sejamos honestos – de questões de personalidade. Ela fez importantes contribuições políticas como secretária de Estado no primeiro mandato de Barack Obama e apresentou o que é, muito provavelmente, a mais completa visão econômica expressa por um candidato presidencial. Ainda assim, é desafiada por Bernie Sanders, que se descreve como um senador socialista, na corrida pela indicação democrata.
A popularidade de Sanders origina-se em parte da imagem que ele projeta de si mesmo, como um “professor aloprado” estereotipado, adorável e vindo de outro mundo. Seus gestos enérgicos e audaciosos o fazem parecer impetuoso e genuíno, embora suas promessas políticas, como educação superior gratuita e assistência médica universal, se assemelhem ao slogan de Trump de “fazer os EUA grandiosos novamente”, no sentido de que estabelecem objetivos vagos.
Segundo Bernays, o desejo do povo pela simplicidade se estende a outra área da política eleitoral: “as máquinas partidárias devem reduzir o campo de escolha a dois candidatos ou, no máximo, três ou quatro”. Aqui, os republicanos se perderam.
Após começar o período eleitoral com 17 candidatos, eles conseguiram reduzir apenas alguns, chegando a 12. Jeb Bush, ex-governador da Flórida e irmão mais jovem de George W. Bush, era inicialmente considerado um candidato sério. Mas Trump está certo, o que é raro, em sua observação de que Bush é uma pessoa “de pouca energia”. Ele é o Charlie Brown da eleição, de quem cada passe no futebol é frustrado por seus colegas mais experientes.
Outro político da Flórida, o senador Marco Rubio, é uma alternativa mais enérgica do establishment. Mas sua campanha, como sua aparência, carece de definição e assertividade, sem contar de boas frases de efeito.
Com suas expressões faciais exageradas, propensão para o uso de insultos e amor pelos superlativos, Trump parece ter a experiência e o conhecimento certos para o estilo Bernays de manipulação do público. Mas ele tem a vivência incorreta para ser presidente. Ele deve saber – assim como o Mágico de Oz sabia – que pode se apresentar como grande e poderoso, mas somente até precisar fazer milagres de verdade.
Preparado. Entre essas figuras unidimensionais, um candidato totalmente formado se apresenta: Ted Cruz. Homem que já foi considerado um campeão nacional dos debates, Cruz está em perfeito controle de sua persona. Nem mesmo Trump com seus ataques frenéticos consegue irritá-lo.
Na verdade, é Cruz quem aborrece Trump. Durante o debate republicano da semana passada, Cruz acusou Trump de ter “valores nova-iorquinos”, chamando a cidade – excluindo explicitamente o Estado – de “socialmente liberal” e concentrada em “dinheiro e mídia”. Cruz conseguiu não apenas provocar a irritação de Trump como elevar seu poder de atração em relação aos eleitores conservadores do Meio-Oeste e do Sul, que veem a cidade como uma forma moderna de Sodoma e Gomorra.
Com sua aparência “plástica” apropriada, Cruz pode, quando necessário, agir de forma tão insensata quanto Sarah Palin, que acabou de declarar apoio a Trump. Mas Cruz, que estudou em Princeton e em Harvard, não é tolo. Ele está, como ensinou Bernays, tratando sua campanha como “um caminho para conquistar votos, assim como um anúncio da campanha do sabonete Ivory é um estímulo para as vendas”.
Trump é um showman que atraiu a atenção do público. Mas Cruz é um propagandista, que vende a seus eleitores uma história ostensivamente convincente de liderança verdadeira. Embora ele, como Hillary Clinton, não seja o mais simpático, pode ser um candidato digno numa eleição presidencial. A questão é se os americanos vão querer comprar o que eles estão vendendo. / TRADUÇÃO DE PRISCILA ARONE
NINA KHRUSHCHEVA É PROFESSORA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DA NEW SCHOOL DE NOVA YORK
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