CABUL - Quatro dias após a vitória do Taleban, milhares de afegãos continuam buscando formas de deixar o país. Presa na periferia do aeroporto internacional Hamid Karzai, na capital afegã, a estudante da Universidade de Cabul Aisha Ahmad, de 22 anos, perdia nesta quarta-feira, 18, as esperanças de conseguir embarcar. “Recebi ameaças de morte e minha vida está em risco”, disse ao Estadão. “O mundo está ignorando as mulheres afegãs.”
Ahmad tem ido ao aeroporto todos os dias desde o último domingo, 15, na esperança de deixar o país. Nesta quarta-feira, relatou, poucas mulheres estavam na região. Veículos escoltados pelo Taleban levavam pessoas para dentro do local, e forças de segurança dispararam várias vezes nas proximidades.
“Eu ainda não consigo acreditar. É como um sonho. Eu estou em estado de negação”, contou a estudante. “Minha mãe sempre falava sobre o Taleban e aquilo me deixava em choque.”
Quando tomou o poder pela primeira vez, em 1996, o Taleban governou o país sob uma rígida interpretação da sharia, a lei islâmica. Em uma tentativa de se distanciar de sua própria história, o grupo afirmou à agência Reuters que mulheres poderão sair de casa sozinhas e terão acesso à educação e ao trabalho. Outras declarações, no entanto, indicam que o regime não será moderado: porta-vozes falaram em uso obrigatório de hijab e niqab e volta de punições como chicotadas, apedrejamentos e amputações.
Como milhares de mulheres afegãs, além de temer por sua segurança, Ahmad teme por seus direitos. “A primeira coisa que pensei, quando o Taleban assumiu, foi na minha universidade. ‘Eu vou poder ir de novo? Eu vou poder terminar meu curso’?”, conta. “Baseado no que eu via na TV, sim, mas como faria isso, eu não tenho a menor ideia.”
Ahmad conta que, em algumas províncias, mulheres foram impedidas de comparecer ao trabalho. “Nós não sabemos se isso é temporário”, diz. “Eu não acredito no que o Taleban diz (sobre respeitar os direitos das mulheres). Eles precisam agir e provar.”
Rotas
Até esta quarta-feira, Estados Unidos e outros países operavam voos militares para retirar pessoas do Afeganistão. Embora tenha se comprometido, publicamente e com os EUA, a permitir “passagem segura” a civis que desejam deixar o país, o Taleban ergueu postos de controle em toda a capital e perto da entrada do aeroporto, espancando alguns afegãos que tentavam cruzar e intimidando outros, relatou o The Washington Post.
Em uma entrevista coletiva, a vice-secretária de Estado Wendy Sherman disse que o grupo insurgente parecia estar trabalhando para atrapalhar os esforços americanos. Ela afirmou que as autoridades americanas estavam contatando os insurgentes para pressioná-los.
O aeroporto da capital foi tomado pelo caos ainda no domingo, quando milhares se deslocaram para lá. “Uma amiga me ligou dos Estados Unidos e disse que eles estavam pegando pessoas no aeroporto com aviões militares, eu não acreditei, mas então eu recebi outra ligação que confirmou o que ela disse”, conta Ahmad. No caminho para o aeroporto, diz, tudo parecia calmo, “exceto por alguns sons de tiros”. “A imensa maioria das lojas estavam fechadas, as pessoas estavam olhando para os lados, curiosas com a situação."
Uma vez no aeroporto, no entanto, o cenário mudou. “Era como se fosse o juízo final. Havia milhares de pessoas, algumas no chão, outras fugindo. Crianças, jovens, velhos, todos sem passaportes, tentavam passar pela segurança. A polícia empurrava a multidão para trás, pessoas se machucaram”, conta Ahmad, que feriu pés, mãos e joelhos na confusão. “Em um momento, senti que aquele era o fim e que eu ia morrer.”
Cobrança
Ahmad afirma que ninguém se arrisca a prever o futuro. “Eu perdi minha esperança, e acho que não será um caminho fácil para as mulheres afegãs”, diz. “Eu sinto...não está completamente escuro, mas também não consigo ver nenhuma luz brilhante. E eu não sei quão grande é o túnel”.
Ela acredita que mulheres jovens serão as mais afetadas pelo novo regime. E cobra ação das autoridades. “Não consigo respirar”, diz, em referência à frase que marcou o movimento Black Lives Matter. “Ninguém ouviu minha voz – os líderes mundiais estão falando sobre as mulheres afegãs, mas onde está a ação?”
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