THE WASHINGTON POST - Com mais um jovem branco sob custódia da polícia e sendo acusado de homicídio qualificado depois de um ataque a tiros – desta vez em um supermercado em Buffalo, no sábado –, a polícia e a sociedade civil estão mais uma vez perguntando: por quê?
As autoridades policiais foram rápidas em classificar o massacre, que deixou dez pessoas mortas, como um crime de ódio. Acredita-se que o suspeito, que se declarou inocente, tenha publicado um manifesto online expressando ódio fascista e ideias de extrema direita. Ele também, supostamente, dirigiu por mais de três horas para o bairro de maioria negra, onde cometeu o crime.
Isso tudo lembra de forma assustadora o tiroteio em massa de agosto de 2019 em El Paso, no qual o atirador postou um discurso com linguagem racista repleto de tópicos da supremacia branca nas redes sociais, depois dirigiu por mais de dez horas até uma comunidade na fronteira com sua cidade natal, perto de Dallas, para atirar em clientes dentro de um Walmart. A maioria das 23 vítimas era de origem latina. O atirador confessou que tinha como alvo “mexicanos”.
É fácil focar na ideologia de ódio como base para esses tiroteios. Mas nossa pesquisa mostrou que ódio e “terrorismo”, como são comumente interpretados esses atos, não são o que motivam a maioria dos atiradores em massa.
Esses criminosos não são especialistas em temas como política, ideologia ou religião. A compreensão deles da “causa” que motiva suas ações costuma ser superficial e contraditória, é apenas conveniente.
Nossas dezenas de entrevistas com os criminosos e as pessoas que os conheciam revelam, porém, que os atiradores geralmente têm a mesma motivação: causar o máximo de morte e destruição possível para um mundo que, do contrário, os ignoraria, e obrigá-lo a reparar neles e sentir sua angústia. Por isso, o atirador de Buffalo transmitiu suas ações ao vivo.
Nossa pesquisa revela que os atiradores em massa percorrem um caminho comum até a violência por meio de traumas na primeira infância. Se não conseguem conquistar o que foram ensinados pela sociedade a acreditar que é o destino deles – riqueza material, sucesso, poder, felicidade – conforme envelhecem, chegam a um ponto de crise existencial.
Quando não se sentem mais conectados com as pessoas e os lugares ao redor deles, isso se transforma em uma crise suicida – só que o pensamento de apenas tirar as próprias vidas não os deixa satisfeitos. Como a irmã de um criminoso nos disse, o irmão dela passou de perguntar: “O que há de errado comigo?”, para questionar: “O que há de errado com eles?”.
O ódio surge depois ao longo deste caminho. Em busca de respostas, homens irritados procuram por palavras e ações de outros homens irritados que os precederam, inclusive atiradores em massa do passado. Nos cantos mais sombrios da Internet, eles acabam encontrando alguém ou algo para pôr a culpa do desespero deles.
Os criminosos muitas vezes escolhem bodes expiatórios que representam as queixas deles ao mundo – pessoas na escola, no local de trabalho, um lugar de culto. No caso de Buffalo, foi um supermercado frequentado por negros.
Infelizmente, as motivações costumam se tornar rótulos usados para tentar explicar o problema dos tiroteios em massa. Um transtorno mental, por exemplo, não é um motivo. Se um atirador em massa tem um diagnóstico de transtorno mental, isso não significa que todas as suas ações estão relacionadas a esse diagnóstico ou que os sintomas dele o levaram a puxar o gatilho. Em nossa pesquisa, apenas cerca de 10% dos tiroteios em massa foram motivados de forma direta por alucinações e delírios psicóticos.
A busca pela motivação acaba sendo inútil. Em nosso vasto banco de dados de atiradores em massa dos últimos 50 anos, uma das motivações mais comuns é “desconhecida”. Tudo o que podemos dizer com algum grau de certeza é que ninguém com uma vida satisfatória comete um ataque a tiros. Esses tiroteios são planejados para ser o ato final dos criminosos, e esse talvez seja o ponto mais importante quando se trata de preveni-los.
A maioria dos atiradores em massa tem em mente o suicídio. Quer eles se matem, sejam mortos pela polícia, condenados à pena de morte ou passem o resto de suas vidas na prisão, eles não têm planos para o futuro.
É isso que diferencia os tiroteios em massa de outros crimes com armas de fogo, como roubos que terminam mal ou homicídios domésticos. É também por isso que as tradicionais medidas de dissuasão, como segurança armada ou sanções criminais severas, têm pouco efeito para evitá-los.
Isso não significa que tiroteios em massa não possam ser evitados. Pelo contrário, precisamos de uma abordagem diferente. Existem muitas estratégias para prevenir tiroteios em massa, nenhuma delas é perfeita por si só. Elas incluem melhorar o acesso a cuidados de saúde mental e apoio a crises em escolas e locais de trabalho, expandir programas de prevenção de suicídio, responsabilizar empresas de mídia e redes sociais pelo discurso de ódio em suas plataformas e limitar o acesso a armas de fogo para indivíduos de alto risco.
Podemos fazer algo. Em vez de procurar uma motivação [para os crimes], evitemos a próxima tragédia investindo em soluções que atinjam o próximo atirador em potencial antes de ele decidir que sua única opção é pegar uma arma.
*James Densley é professor de justiça criminal na Universidade Metropolitan State. Jillian Peterson é professora de criminologia na Universidade Hamline. Juntos, eles comandam o Violence Project (Projeto Violência) e são os autores do livro “The Violence Project: How to Stop a Mass Shooting Epidemic” (Projeto Violência: Como deter uma epidemia de tiroteios em massa, em tradução livre)./ TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA
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