O que a reinvenção do Partido Trabalhista revela sobre provável novo premiê do Reino Unido

Keir Starmer tirou a legenda das mãos da esquerda radical e o levou para o centro; agora é favorito na eleição de 4 de julho

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Por The Economist

Para os que questionam sua disposição de se tornar primeiro-ministro, sir Keir Starmer tem uma mensagem: olhem para a maneira que ele comandou a oposição. “Eu transformei este Partido Trabalhista, o trouxe de volta ao serviço, e farei exatamente o mesmo por Westminster”, disse ele em um comício no começo da campanha para a eleição-geral do Reino Unido. É verdade que as melhores pistas para entender seu modus operandi são encontradas na maneira pela qual seu partido foi gradualmente reformulado. Mas como esse método funcionará se Starmer liderar os trabalhistas para a vitória em 4 de julho é menos evidente.

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A transformação do partido sob Starmer foi notável. Na última eleição, em 2019, sob o esquerdista Jeremy Corbyn, os trabalhistas conquistaram 202 assentos, seu montante mais baixo desde 1935. No ano seguinte, com Starmer instalado como novo líder do partido, um relatório do movimento Labour Together, pró-Starmer, alertou que uma infiltração a longo prazo do apoio da classe trabalhadora poderia lhe custar outras dezenas de assentos. Fundos de campanha eram consumidos por investigações sobre alegações de antissemitismo e falhas em proteção de dados, assim como litígios de ex-funcionários. Os tentáculos da extrema esquerda estavam agarrados firmemente ao partido.

Para o círculo de Starmer, o trabalho de reivindicar o partido para a centro-esquerda começou com uma crítica cultural. Corbyn, segundo sua visão, era meramente um sintoma de um partido cujas prioridades se distorceram — a legenda tinha colocado as vontades de seus membros acima dos anseios do público. Um partido fundado como um “instrumento do poder” para as classes trabalhadoras tinha virado uma “expressão de virtude” para ativistas progressistas, mais uma camiseta que um partido de governo.

FILE - Britain's Shadow Brexit Secretary Keir Starmer speaks during the Labour Party Conference at the Brighton Centre in Brighton, England, Monday, Sept. 23, 2019. (AP Photo/Kirsty Wigglesworth, File) Foto: Kirsty Wigglesworth/AP

Uma mudança profunda

Ser sério em relação a reconquistar o poder teria várias exigências. O Partido Trabalhista tinha de tentar retornar ao gabinete em um único mandato parlamentar: quem afirmava que levaria uma década estava evitando escolhas difíceis. A legenda tinha que abandonar o fatalismo das vozes afirmando que as antigas bases dos trabalhistas no norte da Inglaterra e na Escócia tinham se perdido para os conservadores e o Partido Nacional Escocês. E Starmer precisaria infringir as normas dos trabalhistas sobre priorizar a unidade do partido.

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Para entender como ele lidou com essa tarefa, temos de ter em conta sua carreira anterior à política. Starmer entrou no Parlamento somente em 2015, com mais de 50 anos. Antes, como um advogado de defesa que trabalhava nas fronteiras do direito humanitário, atuou em áreas como pena de morte, que, ele pensava, ocasionariam mudanças sistêmicas. E como como chefe da Promotoria pública do Reino Unido ele se definiu como um administrador reformista, que melhorou o serviço em uma era de cortes de gastos.

Um político convencional, afirma Tom Baldwin, ex-autoridade trabalhista e autor de “Keir Starmer: a Biografia”, define uma visão grandiosa e então abre concessões à realidade à medida que os obstáculos emergem. Starmer, em contraste, tende a começar com os mecanismos mais óbvios e torna-se sucessivamente mais radical conforme a necessidade. Trata-se, afirma Baldwin, de uma abordagem do “direito comum, (…) uma série de juízos com base em valores que gradualmente formam jurisprudência, não um código napoleônico derivado de alguns grandes princípios”.

A reformulação do Partido Trabalhista operou-se por meio de um mecanismo. “Ele não é iconoclasta e não sai por aí dizendo que vai ‘arrebentar com tudo’”, sentencia uma autoridade do partido. “Ele sempre diz, ‘Temos de dar a todos o benefício da dúvida, liderá-los propriamente, instalar sistemas’.” Somente após uma derrota numa eleição especial, em Hartlepool, em maio de 2021, Starmer se convenceu de que os trabalhistas precisavam de um medicamento mais forte.

O exemplo de Tony Blair

O processo é estranhamente não relatado. Quando estava na oposição, sir Tony Blair jogou bem ao apresentar suas reformas majoritariamente simbólicas à “Cláusula IV” do regimento do Partido Trabalhista, que punha fim ao comprometimento constitucional do partido com a nacionalização. Vejamos as mudanças mais importantes que Starmer operou na cartilha trabalhista em 2021, que enfraqueceram a influência dos membros do partido. Essas reformas foram apresentadas sem alarde na conferência do partido e, quando foram aprovadas, ele não fez questão de mencioná-las em seu discursos posteriores. Seus oponentes, como rãs inconscientes, fritaram lentamente. A liderança de Starmer começou com o trabalhismo de esquerda no gabinete paralelo; que desde então testemunhou a expulsão de Corbyn e um expurgo de última hora de candidatos incendiários em favor dos apoiadores de Starmer.

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Starmer carrega pouca bagagem ideológica. O elemento mais consistente tem sido seu desejo confesso de levar os trabalhistas ao poder. Como candidato para liderar o partido, em 2020, Starmer cortejou o eleitorado trabalhista em um tom brando à la Corbyn (“Defender direitos dos migrantes”; “Chega de guerras ilegais”). Mas, quando assumiu a função, mudou o foco para conquistar eleitores indecisos no interior do país. Uma autoridade trabalhista usa outra analogia jurídica: de um advogado de defesa que veste diferentes camisas segundo os diferentes clientes e tribunais. Seus apoiadores argumentam que sua flexibilidade é uma virtude: enquanto Corbyn adotava posições rígidas sobre tudo, Starmer é deliberativo. “Não importa a cor da máquina nem quão inspiradora ela é, nem se ela é moderna ou velha. O importante é ela funcionar”, afirma Baldwin.

Em alguns aspectos, Starmer poderá aplicar esse modelo ao governo. Da mesma forma que em relação à reforma no partido, uma análise cultural serve como ponto de partida. Os problemas do Reino Unido, na narrativa de Starmer, decorrem de uma classe governante que passou a servir seus interesses próprios e ficou inerte. Sob os trabalhistas, haveria uma ênfase austera sobre a ética. Outra mudança de foco seria necessária, dessa vez de eleitores indecisos no país como um todo. As engrenagens também seriam necessárias. Há disparidades no manifesto trabalhista entre suas cinco “missões” a longo prazo, como entre alcançar o crescimento em produtividade mais elevado no G-7 e as medidas mais insignificantes que o partido identifica como seus “primeiros passos”. Novamente, Starmer terá de se tornar mais radical.

Um bom governo?

A grande dúvida é a medida em que o projeto para salvar o Partido Trabalhista seria capaz de se traduzir em bom governo. Muitas de suas posições — linha-dura contra déficits fiscais e o crime — tratam muito mais de solucionar lacunas do apelo trabalhista do que fornecer axiomas para orientar o governo. A falta de um projeto bem compreendido foi o motivo pelo qual as disputas internas do partido — sobre direitos dos trabalhadores, por exemplo, ou a respeito da escala do programa de subsídios verdes — foram resolvidas com uma lentidão dolorosa. No governo, Starmer são poderá se permitir tamanha lerdeza.

Similarmente, não há problema com a ausência de uma narrativa na luta pelo controle interno de um partido; mas isso vira problema quando se tenta conduzir um governo composto de centenas de membros do Parlamento e milhares de funcionários públicos. Starmer transformou sucessivamente seu partido por meio de uma mistura entre pragmatismo e implacabilidade. Reformular um país inteiro será muito mais difícil. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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