Opinião | O que a vitória de Trump significa para a América Latina

Após uma vitória inesperadamente ampla, analistas examinam o provável impacto na região

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Por Brian Winter (Americas Quarterly), Lucía Dammert, Viri Rios e Mauricio Cárdenas

Donald Trump conquistou uma vitória maior do que a esperada na terça-feira, o que sinaliza uma grande mudança nas políticas dos Estados Unidos, incluindo para a América Latina. Durante a campanha, Trump enfatizou promessas de um combate sem precedentes à imigração, incluindo deportações em massa, e sugeriu que poderá impor tarifas sobre o comércio transfronteiriço com o México.

Os republicanos também capturaram a maioria no Senado, mas o controle da Câmara dos Deputados não tinha sido decidido até o momento que esta edição foi publicada.

A AQ pediu para analistas compartilharem suas reações sobre o que um segundo mandato de Trump na presidência significa para a América Latina e o mundo.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, acena para apoiadores em Palm Beach, Flórida  Foto: Evan Vucci/AP

Lucía Dammert

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A vitória de Donald Trump não apenas lhe garante a Casa Branca, mas também entrega aos republicanos o controle do Senado e, possivelmente, uma maioria na Câmara dos Deputados. Eles já dominam a Suprema Corte. Esse controle quase total apresenta desafios enormes para os EUA e o mundo. Ainda assim, o resultado da votação foi decisivo: o povo americano o escolheu, apesar dos julgamentos, de seu comportamento agressivo e da profunda polarização. Mesmo que ainda não seja o momento de dissecar os problemas internos da campanha democrata ou a influência de Elon Musk e outros jogadores importantes no lado republicano, esses tópicos sem dúvida merecem análises detalhadas.

A vitória de Trump redefine a relação dos EUA com vários governos latino-americanos. Terá um significado particular para a recém-eleita presidente mexicana, Claudia Sheinbaum. Controle da fronteira, política imigratória, a guerra às drogas, deslocalização próxima e a relação com o Brasil, a maior economia da América Latina, figuram bem abaixo na lista de prioridades, o que poderia acelerar a formação de alianças globais alternativas. A Venezuela provavelmente permanecerá um ponto de discussão com pouca expectativa de ações para fortalecer desfechos democráticos. Para líderes como Javier Milei e Nayib Bukele, ainda que a narrativa de Trump possa reverberar, resta ver se esse alinhamento se traduzirá em ações políticas específicas.

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O então candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de um comício em Mint Hill, Carolina do Norte  Foto: Evan Vucci/AP

Não obstante, a eleição de Trump poderia apresentar à América Latina uma oportunidade única. Confrontados por desafios econômicos, por instabilidade política, pela mudança climática e pela posição intermediária em relação às potências globais, os líderes da região deveriam buscar mecanismos colaborativos para criar uma voz unificada.

Para além das diferenças políticas, essa liderança coletiva poderia forjar estratégias para solucionar a crise venezuelana, definir respostas aos graves impactos da mudança climática, coordenar-se contra a disseminação do crime organizado e construir mercados e estratégias comerciais comuns como um bloco regional. Em um mundo que parece cada vez mais polarizado e dividido, a região deve entender que uma abordagem fragmentada e combativa não melhorará a qualidade de vida dos latino-americanos. O desafio é construir um bloco verdadeiro e unido. Esperemos que os líderes latino-americanos reconheçam isso. No ambiente global em transformação, um caminho comum adiante não é apenas possível, é necessário.

Brian Winter

Foi uma eleição como tantas outras que vimos na América Latina: insatisfação com o status quo, indignação contra a desigualdade e uma elite distante que só se ocupa de si mesma. Essas mensagens costumavam ser esquerdistas, mas agora a direita com frequência as canaliza melhor. Tanto na América Latina quanto nos EUA.

Quanto às consequências para a região… considero que o México é a grande história. Hoje o país é o maior parceiro comercial dos EUA, mas nas semanas finais da campanha Trump fez ameaças cada vez maiores a respeito de impor novas tarifas a não ser que o México colabore em relação à migração. É verdade que ele não cumpriu o que prometeu em seu primeiro mandato — mas desta vez influências moderadoras como Jared Kushner e John Kelly não estarão na Casa Branca. Sua autoridade para controlar a fronteira é muito maior agora. Acho que as pessoas não estão levando isso a sério o suficiente: poderíamos ver a relação EUA-México tornar-se hostil. É hora de ouvir e repensar.

O então candidato presidencial republicano, Donald Trump, conversa com Paul Perez, presidente do Conselho Nacional das Patrulhas de Fronteira, durante um tour pela fronteira dos EUA com o México  Foto: Evan Vucci/AP

Em outras partes, a vitória de Trump é boa notícia para companheiros de viagem como Javier Milei e Nayib Bukele, apesar de não estar claro o que isso significaria em termos de benefícios tangíveis. Isso definitivamente dá um novo alento ao movimento de Jair Bolsonaro e suas esperanças de que ele também seja capaz de um retorno improvável — e transpor as decisões judiciais que o proíbem de concorrer em 2026. O Brasil é um ponto de interrogação: há bolsonaristas com influência no mundo de Trump tentando propagar a ideia de que Luiz Inácio Lula da Silva é antidemocrático e anti-Ocidente e que o Brasil deveria ser sancionado. Logo veremos se isso ganhará tração.

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No geral, acredito que a América Latina ficará mais em evidência durante a presidência de Trump do que muitos preveem. A região é importante em relação a grandes problemas na cabeça de Trump, incluindo imigração, narcotráfico e a formação de uma frente ampla contra ameaças socialistas — tanto percebidos quanto reais. Alguns na região gostarão da atenção intensificada, outros não.

Viri Rios

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Não há dúvida de que a recente vitória de Trump apresenta desafios para o México; contudo, não há motivo para tanto alarme. Ao contrário de 2016, neste momento os EUA dependem muito mais do México do que jamais dependeram — uma realidade que Trump dificilmente reconhecerá publicamente, apesar de sua importância.

Aspectos críticos da plataforma de Trump, como conter fluxos imigratórios vindos do sul, reduzir a inflação por meio de uma manufatura de baixo custo e afastar da China relações comerciais primárias, dependem de uma relação mutuamente sustentável com o México. Além disso, o México se beneficia neste momento de uma presidente e uma equipe diplomática habilidosas, cujo alinhamento a temas trabalhistas pode criar vias construtivas para o diálogo.

Enquanto isso, o Partido Democrata tem muito a que responder. Seu fracasso em elaborar uma mensagem envolvente e criativa para a classe trabalhadora produz sérias repercussões globais, que todos nós sentiremos inevitavelmente.

A presidente do México, Claudia Sheinbaum, participa de um evento ao lado do ex-presidente mexicano Andrés Manuel Lopez Obrador, na Cidade do México, México  Foto: Fernando Llano/AP

Mauricio Cárdenas

A vitória de Donald Trump tem implicações significativas para o mundo e a América Latina. Comecemos pelo cenário macroeconômico: cortes de impostos e um gasto maior provavelmente ocasionarão um déficit fiscal mais elevado nos EUA; o que implica em inflação mais alta, em taxas de juros mais altas e no dólar mais forte. Na América Latina, isso significa menos fluxos de capital para a região, juros mais altos por mais tempo e taxas de juros mais altas. Tudo isso sinaliza um panorama de menos crescimento econômico, além do cenário já sombrio. O crescimento na região não deverá superar 3% nos próximos anos, conforme projetado pelo FMI.

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Mas essa não é a implicação mais marcante do triunfo de Trump. A região pode esperar uma transição de um período de negligência, até indiferença, dos EUA para uma fase de envolvimento muito maior — mas não necessariamente por razões positivas.

O México será um campo de combate a dois tópicos cruciais na agenda de Trump: imigração e China. Trump foi o arquiteto do Acordo EUA-México-Canadá firmado em seu primeiro mandato, e é improvável ele buscar miná-lo agora. Mas Trump usará o comércio para pressionar por suas posições nas negociações com o México sobre imigração ilegal e poderá buscar mudanças sobre temas específicos relacionados a aspectos do acordo que permitiu ao IDE da China no México contornar as tarifas mais altas sobre os produtos chineses que entram no mercado americano. O Peru, lar do novo Porto de Chancay, construído com investimento chinês, também poderia virar um palco de relações comerciais conflitantes.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, participa de seu comício de vitória ao lado do vice-presidente eleito dos Estados Unidos, JD Vance, em Palm Beach, Flórida  Foto: Evan Vucci/AP

Trump deverá pressionar a Colômbia em razão de um aumento na produção de cocaína e da política de “paz total” de Petro, ocasionando um aumento na tensão das relações entre Washington e Bogotá, uma possível redução na ajuda militar e até a ameaça de sanções econômicas.

Finalmente, há a questão da Venezuela. Se for capaz de uma abordagem pragmática, Trump poderia intermediar um acordo com Maduro para facilitar uma transição, em troca de alguma forma de imunidade legal nos EUA para Maduro e seus asseclas. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por Brian Winter

editor-chefe da Americas Quarterly, analista político

Lucía Dammert

professora de relações internacionais da Universidade de Santiago do Chile

Viri Rios

acadêmica mexicana e autora especializada em desigualdade e políticas sociais

Mauricio Cárdenas

professor de prática profissional e diretor do MPA em liderança global da SIPA, da Universidade Columbia

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