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O que aconteceu depois de a principal cidade da Venezuela perder 25% de seus habitantes?

Cerca de um quarto dos moradores da segunda maior cidade do país, Maracaibo, foi embora — e logo mais cidadãos deverão seguir o mesmo caminho após a controversa vitória de Maduro

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Por Frances Robles (The New York Times)

No passado uma metrópole pujante no centro da região produtora de petróleo na Venezuela, aquela Maracaibo deixou de existir. Hoje a cidade é repleta de casas abandonadas — algumas parecem ter sido alvo de bombardeios, porque os proprietários arrancaram janelas e telhas para vender como entulho reciclável antes de partir em jornadas para a Colômbia, o Chile e os Estados Unidos. Jardins com o mato crescido diante das casas dos bairros de classe média estão cheios de cartazes de venda.

Menos carros circulam nas ruas, e menos criminosos espreitam para assaltá-los. Jantares de Natal, antes lotados de parentes ruidosos, viraram eventos solitários diante de webcams.

Cerca de 8 milhões de venezuelanos — mais de um quarto da população de seu país — emigraram nos anos recentes, expulsos pela miséria econômica e a repressão política.

Uma rua em Maracaibo, Venezuela, em 24 de julho, onde muitas casas foram abandonadas. Cerca de um quarto dos moradores foram embora. Foto: Marian Carrasquero/The New York Times

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Em nenhuma outra região da Venezuela esse êxodo foi tão impressionantemente acentuado quando em Maracaibo, que foi esvaziada pela perda de aproximadamente 500 mil de seus 2,2 milhões de habitantes — muitos deles jovens ou adultos com menos de 40 anos. (O índice populacional tem como base pesquisas, já que o governo não realiza um censo oficial há mais de uma década.)

“O primeiro golpe que sentimos é a solidão”, afirmou o prefeito de Maracaibo, Rafael Ramírez. “É devastador. Isso nos afeta emocionalmente.”

Localizada no oeste da Venezuela, Maracaibo segue sendo a segunda maior cidade do país e tem sido agredida por uma economia em colapso, apagões rotineiros e persistentes faltas de gasolina e água.

Muitos adultos economicamente ativos partiram em busca de trabalho em outras partes e deixaram os filhos em casa até que consigam se estabelecer com mais firmeza, entregando para os avós a responsabilidade de criá-los.

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“Neste momento, somos um país de velhos”, afirmou Antonio Sierra, de 72 anos, sentado na poltrona de sua sala de estar e olhando através de uma janela de onde se vê muitas casas vazias em seu quarteirão.

Os três filhos adultos de Sierra foram embora. Um deles deixou para trás um bebê, Rafael, hoje com 7 anos. Em 2023, até os professores do menino partiram. Sierra e outros avós fizeram vaquinha para pagar US$ 2 por semana para um professor substituto assumir o 1.º ano.

Maracaibo prepara-se agora para outra onda de emigração, que deve ocorrer nos próximos meses, após o país mergulhar na instabilidade que se seguiu à eleição nacional, em julho, que o autocrático presidente venezuelano, Nicolás Maduro, declarou ter vencido apesar das atas de votação comprovarem que ele perdeu decisivamente.

Seu governo lançou uma campanha brutal contra qualquer um que conteste os resultados eleitorais. E com os EUA entre os muitos países que rejeitaram a declaração de vitória de Maduro, as sanções econômicas de Washington que aprofundaram o sofrimento econômico na Venezuela não deverão ser aliviadas tão cedo.

Antonio Sierra com seu neto, Rafael, em sua casa em Maracaibo. O pai do menino se mudou para os Estados Unidos anos atrás. Foto: Marian Carrasquero/The New York Times

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Uma emigração massiva de médicos, enfermeiros, agentes sanitários e motoristas de ônibus — profissionais cada vez mais em falta na Venezuela — seria ainda mais brutal em Maracaibo, de onde tantos venezuelanos que trabalhavam nessas áreas já partiram.

Ramírez tem saudade do tempo em que empresas organizavam conferências em Maracaibo e a estatal petroleira da Venezuela produzia tanto em um lago próximo à cidade que seus trabalhadores desfrutavam de um padrão de vida confortável.

“Era uma cidade petroleira, uma cidade que tinha um centro de convenções para todas as indústrias, pessoas e a indústria petroleira virem para cá”, afirmou Ramírez. “Aquela cidade não vai voltar, mas tem de ser reinventada.”

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A acentuada elevação na emigração de Maracaibo, afirmou o prefeito, começou por volta de uma década atrás. Seguiu-se ao colapso da estatal petroleira, causado por corrupção, falta de investimento e expurgos políticos de funcionários capacitados — e exacerbado pelas sanções dos EUA.

Um enorme apagão que atingiu todo o país em 2019 desencadeou dias de saques em Maracaibo e provocou ainda mais instabilidade. O Estado de Zulia, onde fica Maracaibo, faz fronteira com a Colômbia, facilitando para pessoas que não conseguem pagar por passagens aéreas partir a pé. (A luz acabou novamente na última sexta-feira, 30, quando um grande apagão cortou o fornecimento de eletricidade em todo o país.)

Casa abandonada em Maracaibo. Uma pesquisa mostrou que aproximadamente 70% das famílias entrevistadas na cidade têm algum parente vivendo no exterior. Foto: Marian Carrasquero/The New York Times

Uma pesquisa recente, encomendada pela Câmara de Comércio em Zulia, mostrou que aproximadamente 70% das famílias entrevistadas têm algum parente vivendo no exterior.

Pelo menos metade dos entrevistados em outra sondagem, encomendada pelo prefeito de Maracaibo, afirmou que pretende partir, um número consideravelmente mais alto do que o índice genérico no país, de 30% de entrevistados que expressaram desejo de ir embora, afirmou o consultor político Efraín Rincón, que conduziu as pesquisas.

“Diante desta nova realidade, nós vemos que a proporção de idosos está aumentando, mas não organicamente — não porque há mais pessoas velhas”, afirmou Rincón. “Isso ocorre porque há menos jovens.”

Muito estava em jogo na eleição de 28 de julho, quando Maduro enfrentou Edmundo González, um diplomata aposentado que assumiu o lugar da candidata mais popular da oposição, que foi impedida pelo governo de concorrer.

Atas impressas por máquinas de votação e coletadas por observadores eleitorais mostraram que González venceu com ampla vantagem. O governo diz o contrário. Contudo, mais de um mês depois da eleição, as autoridades venezuelanas ainda não revelaram os resultados em níveis distritais.

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Algumas casas parecem ter sido alvo de bombardeios, porque os proprietários arrancaram janelas e telhas para vender como entulho reciclável antes de partir em jornadas para a Colômbia, o Chile e os Estados Unidos. Foto: Marian Carrasquero/The New York Times

Muita gente, até antigos apoiadores do mentor de Maduro, o ex-presidente Hugo Chávez, contava com um triunfo da oposição que começasse a mudar o destino do país e atrair de volta pessoas amadas que partiram.

María Corina Machado, a líder opositora que foi impedida de concorrer, fez desse argumento a principal plataforma da campanha de González.

Mas o governo intensificou a repressão rapidamente sobre protestos ocorridos nos dias que se seguiram à eleição — prendendo cerca de 2 mil manifestantes, ativistas, jornalistas e políticos.

Diante da ausência de qualquer intenção do governo Maduro em negociar uma solução para a crise eleitoral, os níveis de emigração neste ano “serão dramáticos”, afirmou a cientista social Mirla Pérez, professora e pesquisadora da Universidade Central da Venezuela. “Neste momento, as pessoas estão planejando como irão embora.”

Pérez disse que os migrantes normalmente deixam seus filhos para trás e mandam buscá-los quando se estabilizam financeiramente. Em certos casos, também mandam buscar seus pais.

Maracaibo é a segunda maior cidade da Venezuela, logo após a capital Caracas. Foto: Marian Carrasquero/The New York Times

Numa recente visita ao aeroporto de Maracaibo, a reportagem encontrou várias pessoas, incluindo muitos idosos indo se juntar a filhos adultos, partindo para a Espanha e a Argentina. Motoristas de táxi que transportam passageiros com frequência ao longo do caminho de três horas até a fronteira colombiana relataram longas filas de venezuelanos deixando a Venezuela a pé.

Em Maracaibo, centenas de milhares de idosos vivem em condições precárias, de acordo com a ONG Convite, ganhando cerca de US$ 3 por mês de aposentadoria (R$ 16,85 na cotação atual). A maioria recebe algum dinheiro de parentes no exterior, uma pesquisa de Rincón mostrou que essas quantias não ultrapassam US$ 25 mensais (R$ 140).

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O governo Maduro, aparentemente reconhecendo o problema, criou um Ministério para o Adulto Idoso, com objetivo de garantir aos cidadãos dessa faixa etária acesso a assistência médica, alimentos e serviços públicos.

A mulher de Sierra, Marlenis Miranda, de 68 anos, afirmou que cuida de sua casa em função da disponibilidade de eletricidade e água.

Há eletricidade talvez um dia por semana, às vezes a cada duas semanas. Quando há água nas torneiras, um dia por semana, mais ou menos, ela enche quatro barris grandes para usar ao longo da semana e reusa a água do banho para dar descarga nas privadas.

Marlenis Miranda em sua casa em Maracaibo. Todos os seus três filhos adultos deixaram a Venezuela. Foto: Marian Carrasquero/The New York Times

Um de seus filhos, ex-policial, virou motorista de aplicativo no Texas, e sua filha trabalha em uma escola de enfermagem em Vermont. Outro filho, que em 2013 foi o primeiro da família a partir, é designer gráfico em Barcelona.

“Às vezes a gente olha para fora no sábado e diz, ‘Nossa, como está vazio’”, afirmou Marlenis. “Tão vazio.”

Dois filhos de Edith Luzardo partiram de Maracaibo para os EUA e deixaram a mãe para trás, criando dois netos. Quando a reportagem do New York Times a visitou, em julho, ela se lamentou, porque, das 24 pessoas que viviam em sua casa, só restaram cinco.

Ela ponderou se deveria aguardar ter a entrada nos EUA aprovada sob um programa especial de imigração do governo Biden, mas em agosto o mecanismo foi suspenso brevemente.

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Dois dias depois do anúncio da suspensão, Luzardo decidiu percorrer a mesma rota perigosa que muitos venezuelanos seguiram, pelo estreito de Darién, que atravessa uma selva que conecta as Américas Central e do Sul.

“Não tenho medo”, afirmou Luzardo, de 66 anos. “Eu sou forte.”

Xiomara Ortega, de 68 anos, disse que acha que ficará sozinha em seu bairro em Maracaibo após a reeleição de Maduro. Foto: Marian Carrasquero/The New York Times

Com pouco dinheiro, Luzardo, um de seus filhos e os dois netos que ela criava ficaram alguns dias retidos na Costa Rica antes de finalmente conseguir chegar ao México, de acordo com seu filho.

Xiomara Ortega, de 68 anos, disse que tanta gente planejava partir se Maduro vencesse que ela acha que ficará sozinha em seu bairro em Maracaibo. Duas filhas de Ortega estão na Colômbia, ela está criando seis netos. Na maioria dos dias, não há água — nem dinheiro para comprar. Ela varre os pátios dos vizinhos para conseguir mais renda e rouba eletricidade de um poste público nas imediações. Olhando em volta, no esvaziado bairro empobrecido, ela contou três casas vazias. “Não sobrou ninguém”, afirmou Ortega. “Eu vou ficar.”/ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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