O que as escolhas de Trump indicam a respeito de como será sua presidência

Lealdade, competência e apetite pelo disruptivo estão entre as características que ele está procurando

PUBLICIDADE

Por The Economist

Depois que Donald Trump venceu a eleição presidencial em 2016 — quando era um ex-astro da televisão em vez de um ex-presidente — ele administrou a transição da Casa Branca como se estivesse encenando seu reality show, “O Aprendiz”. Aspirantes a membros do gabinete chegaram à torre que leva seu nome em Nova York e passaram pelas câmeras de TV. Essa série foi prolongada, com a participação de celebridades, incluindo Kanye West. Desta vez, Trump está dirigindo um show mais intimista, deliberando em sua propriedade em Mar-a-Lago, longe das câmeras, e emitindo seus vereditos de contratação nas redes sociais em um ritmo muito mais rápido. Infelizmente, os resultados dificilmente são igualmente insensatos.

PUBLICIDADE

As escolhas mais alarmantes ocorreram em um período de 24 horas. Em 12 de novembro, Trump anunciou que Pete Hegseth, uma personalidade da Fox News que serviu na Guarda Nacional, seria secretário de defesa. Hegseth é um dos poucos que defendeu a declaração de Trump de que havia “pessoas boas em ambos os lados” dos protestos contra um comício de supremacistas brancos em Charlottesville, Virgínia, em 2017. Ele está preocupado com o flagelo da lacração no exército, mas não tem experiência no governo.

Trump também anunciou que a diretora de inteligência nacional seria Tulsi Gabbard, uma democrata que se tornou republicana e é ligada em conspirações, um espírito tão livre que conheceu Bashar al-Assad, o ditador assassino da Síria, e o declarou “não inimigo dos Estados Unidos”. Pior, ele decidiu que Matt Gaetz, um congressista extravagante da Flórida, seria seu procurador-geral. O FBI, sobre o qual o procurador-geral tem controle de supervisão, investigou alegações de que Gaetz traficava sexualmente uma menor. Não foram apresentadas acusações, mas Gaetz mais tarde enfrentou uma investigação pelo Comitê de Ética da Câmara (ele nega qualquer irregularidade). Ele é ultraleal e, no ano passado, prometeu que, se o FBI e outras agências “não se curvassem”, elas deveriam ser abolidas ou perder seu financiamento.

O então candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de um evento no Clube Econômico de Detroit, em Detroit, Michigan  Foto: Julia Demaree Nikhinson/AP

Todos esses são cargos importantes pelos quais Trump sentiu que havia sido traído anteriormente. Seus antigos procuradores-gerais agiram com muita independência e muito pouco como seu consigliere; altos funcionários da inteligência atraíram a fúria dele por investigar suas ligações com a Rússia; seus antigos secretários de defesa e generais do alto escalão rejeitaram suas ideias. Com essas seleções, Trump indica que não planeja tolerar tal dissidência desta vez. Aqueles suspeitos de deslealdade (ou neoconservadorismo disfarçado) não são bem-vindos. Escolhas tão bizarras podem enfrentar dificuldade para serem confirmadas pelo Senado, mesmo com uma maioria republicana. Talvez seja esse o ponto. Quatro senadores republicanos desertores seriam suficientes para rejeitá-los, mas bloquear todas as três escolhas seria um gesto atipicamente desafiador.

As outras nomeações de Trump — em departamentos pelos quais ele talvez não se sinta pessoalmente injustiçado — são mais convencionais. Marco Rubio, um senador da Flórida, é sua escolha para ser secretário de Estado. Esta seria uma escolha encorajadora para os aliados dos EUA: Rubio copatrocinou um projeto de lei para dificultar que o presidente retire os Estados Unidos da Otan. Como o Partido Republicano se moveu em uma direção diferente, ele também o fez, abraçando o trumpismo e mantendo alguns de seus antigos instintos. Ele fez declarações de apoio à Ucrânia (mas votou contra o projeto de lei mais recente para armá-la, citando a necessidade de priorizar a segurança da fronteira). Rubio, filho de imigrantes cubanos, tem um anticomunismo hereditário que foi redirecionado para a China.

Publicidade

O então ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump abraça o senador Marco Rubio, da Flórida, em um comício em Miami, Flórida  Foto: Rebecca Blackwell/AP

Outras nomeações de política externa têm visões e credenciais semelhantes. Mike Waltz, um ex-congressista da Flórida, será conselheiro de segurança nacional. Como Rubio, ele fica do lado dos “priorizadores” na Magalândia, como J.D. Vance, o novo vice-presidente, que argumenta que levar a ameaça chinesa a sério requer reduzir os compromissos com a segurança europeia e com a Ucrânia. Elise Stefanik, a escolha para ser embaixadora nas Nações Unidas (a sexta mulher consecutiva a ocupar esse cargo), é uma congressista de Nova York que se destacou como uma das fãs mais entusiasmadas de Trump na Câmara. Ela é mais conhecida por obliterar presidentes de faculdades em audiências envolvendo casos de antissemitismo nos campi. Este parece ser um currículo sólido para alguém representar no fórum multilateral de maior destaque do mundo um governo que desconfia do multilateralismo.

E então há as nomeações mais estranhas — para departamentos que ainda não existem. Trump anunciou que escolheria Elon Musk, o homem mais rico do mundo, para comandar uma nova comissão com Vivek Ramaswamy, um empreendedor e ex-adversário republicano nas primárias, para reduzir o desperdício governamental e cortar a burocracia. Este é um objetivo digno, mas, como acontece frequentemente com Musk, é difícil saber se devemos levá-lo ao pé da letra. Trump o está chamando de Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), em homenagem à sua criptomoeda preferida, que começou como uma piada. No entanto, seus objetivos são grandiosos: Musk pediu US$ 2 trilhões em cortes nos gastos federais (quase um terço do orçamento), o que é impossível de conciliar com a promessa de campanha de Trump de não tocar na Previdência Social ou no Medicare nem aumentar a idade de aposentadoria.

Mesmo antes do Congresso aplicar seus freios e contrapesos, está claro que este gabinete será muito diferente do anterior de Trump. Em Trump Um, Mike Pence, o ex-vice-presidente, ajudou a preencher o primeiro gabinete com republicanos reaganistas. Eles disputavam influência com acólitos do movimento Maga, que zombavam da fé conservadora no governo limitado, internacionalismo robusto e livre comércio. As frentes dessa luta frequentemente se confundiam, e cada lado reivindicava algumas vitórias. Um ex-assessor de Trump disse que o presidente eleito era um moderado em seu próprio movimento Maga. Desta vez, os crentes mais zelosos estão em vantagem. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.