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O que esperar da convenção do Partido Democrata que oficializa Kamala Harris como candidata?

A candidatura de Kamala Harris resgatou a animação da base democrata e o otimismo em torno do nome da vice-presidente dos EUA deve ditar o tom do evento; grandes protestos contra o apoio americano a guerra em Gaza podem estragar a festa

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Foto do author Daniel Gateno

Depois de meses de campanha e uma mudança de candidato presidencial, a Convenção Nacional do Partido Democrata começa nesta segunda-feira, 19, em Chicago. Se antes da desistência de Joe Biden o clima era de apreensão e pessimismo, a entrada da vice-presidente Kamala Harris mudou a disputa, injetou animação e otimismo na base democrata e equilibrou o jogo nas pesquisas. Apesar do novo momento democrata, o evento também deve ser marcado por fortes protestos contra o apoio dos Estados Unidos a Israel em relação à guerra na Faixa de Gaza.

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A convenção vai de segunda-feira até quinta-feira, 22, e ainda não divulgou a lista completa de políticos que vão discursar, mas segundo a emissora americana ABC News, figuras importantes do Partido Democrata devem ter um espaço no evento, como o presidente Joe Biden, os ex-presidentes Barack Obama e Bill Clinton e a ex-secretária de Estado e candidata presidencial Hillary Clinton.

O candidato a vice e governador de Minnesota, Tim Walz, vai discursar e aceitar a nomeação do Partido Democrata, assim como Kamala Harris, que vai aceitar a candidatura à presidência e realizar um discurso que encerra o evento. Durante cada ciclo de eleições presidenciais, os dois principais partidos políticos dos EUA, os democratas e os republicanos, realizam uma convenção para nomear oficialmente os seus candidatos.

A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, discursa em Jacksonville, Flórida  Foto: John Raoux/AP

Momento positivo

A vice-presidente Kamala Harris deve encontrar uma base energizada e animada com a possibilidade de vitória na convenção democrata. A disputa presidencial americana mudou completamente no último mês, com a desistência de Biden, a tentativa de assassinato contra o ex-presidente Donald Trump e uma convenção republicana que ressaltou a confiança dos apoiadores de Trump em relação a sua agenda e uma possível volta a Casa Branca.

“A convenção democrata ocorre em um clima muito diferente de um mês atrás, quando os republicanos fizeram uma convenção praticamente no estilo do ‘já ganhou’”, avalia Carlos Gustavo Poggio, professor do departamento de ciência política do Berea College.

O cenário fez com que a campanha de Harris arrecadasse altas cifras que podem fazer a diferença, principalmente nos swing states, Estados-pêndulo em português, definição dada aos Estados que não tem um comportamento eleitoral definido, podendo variar entre uma vitória democrata ou republicana, dependendo da eleição. A campanha de Harris anunciou no início de agosto que angariou 310 milhões de dólares no mês de julho.

A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, abraça o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em um evento em Raleigh, Carolina do Norte  Foto: Matt Kelley/AP

Para o especialista, a convenção deve evidenciar a organização partidária dos democratas, que iniciaram uma nova campanha com menos tempo e preparação do que de costume. “Nós vamos ver na convenção um Partido Democrata que rapidamente se organizou em torno de Kamala Harris e alguns políticos tiveram que sacrificar as próprias ambições pessoais para que isso ocorresse, a legenda entendeu o momento e ninguém desafiou a candidatura”.

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A nomeação de Harris como candidata democrata foi rápida, principalmente por conta do apoio do presidente Joe Biden, e o entendimento coletivo de que um processo de primárias seria prejudicial ao Partido Democrata. Harris garantiu a nomeação em uma votação online no início deste mês após assegurar o número de delegados necessários.

A convenção também pode melhorar ainda mais os números de Kamala Harris nas pesquisas de opinião, segundo Poggio. “Normalmente depois de uma convenção partidária os candidatos tendem a ter uma melhora nos seus números de aprovação e Harris tem números muito melhores do que os de Biden”.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de evento em Las Vegas, Nevada  Foto: Susan Walsh/AP

Joe Biden

O presidente americano Joe Biden deve comparecer à convenção democrata e discursar nesta segunda-feira, o primeiro dia do evento. Após a sua desistência do pleito, o democrata foi aclamado pelos seus colegas de partido por colocar o país como prioridade e acima de suas ambições políticas. Muitos políticos da legenda também sinalizaram que Trump, que é o candidato republicano à presidência desde 2016, nunca tomaria a mesma decisão de Biden.

“A candidatura da Kamala Harris se deve em grande medida à forma rápida que Biden a apoiou depois que desistiu de concorrer”, aponta Poggio. “Se o Biden dissesse apenas que estava desistindo da reeleição sem apoiar ninguém, talvez tivéssemos alguma disputa entre Harris e outro candidato”.

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Na quinta-feira, 15, Biden e Harris participaram de um evento juntos pela primeira vez desde que o presidente democrata desistiu da candidatura. O evento celebrou o acordo recém-anunciado pelo governo Biden para reduzir o custo de 10 medicamentos. “Eu tenho uma parceira incrível em todo este progresso que fizemos. Ela vai ser uma ótima presidente”, destacou Biden.

Discursos

A convenção também é marcada por discursos de figuras importantes do partido, como ex-presidentes, governadores e membros do Congresso americano. Maridos e esposas de candidatos também discursam ou fazem uma aparição. Além disso, americanos que possivelmente nem são do Partido Democrata podem discursar sobre experiências pessoais que buscam enfatizar as políticas que o partido quer mostrar ou criticar a outra legenda.

Políticos com pouca projeção nacional podem ter a oportunidade de discursar, como foi o caso de Barack Obama na convenção do Partido Democrata de 2004. Na época, Obama era apenas um senador estadual de Illinois, mas seria eleito presidente dos Estados Unidos quatro anos depois.

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A programação oficial ainda não foi divulgada, mas segundo informações da ABC News a ex-secretária de Estado e candidata presidencial Hillary Clinton deve discursar nesta segunda-feira. O ex-presidente Barack Obama vai discursar na terça-feira, 20, o ex-mandatário Bill Clinton deve realizar seu discurso na quarta-feira, 21, assim como o candidato a vice-presidente dos EUA e governador de Minnesota, Tim Walz. Kamala Harris vai aceitar a nomeação democrata e encerrar a convenção com seu discurso na quinta-feira, 22.

A convenção também serve para que os delegados eleitorais da legenda finalizem a plataforma política do partido, descrevendo as posições dos democratas para a eleição.

Protestos

Apesar do clima positivo, uma grande quantidade de protestos contrários ao apoio americano a Israel na guerra contra o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza devem acontecer.

Em dez meses de guerra, o governo Biden alternou entre momentos de apoio incondicional a Israel e críticas a forma que as forças de Tel-Aviv estavam atuando na guerra em Gaza, que começou no dia 7 de outubro do ano passado, quando terroristas do Hamas invadiram o sul de Israel, mataram 1,2 mil pessoas e sequestraram 250. Em resposta aos ataques, as Forças de Defesa de Israel (FDI) iniciaram uma ofensiva no enclave palestino que deixou mais de 40 mil mortos, segundo o ministério da Saúde de Gaza, que é controlado pelo Hamas.

Em maio, milhares de estudantes protestaram em universidades ao redor dos Estados Unidos por um cessar-fogo em Gaza. Os protestos prejudicaram a popularidade de Biden e tendem a respingar em Harris. Organizadores das manifestações agendadas para Chicago apontam que milhares de pessoas devem comparecer, o que pode ofuscar a convenção.

Manifestante ergue uma bandeira da Palestina na Universidade de Columbia, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Ted Shaffrey/AP

O possível clima hostil das manifestações aumentou os temores de que a Convenção democrata de 2024 seja similar a uma convenção democrata que ocorreu 56 anos antes e na mesma cidade: a famosa convenção de 1968, marcada por protestos envolvendo milhares de pessoas contrárias a atuação dos EUA na Guerra do Vietnã (1955-1975), violência e conflitos com a polícia.

Existem algumas semelhanças entre o momento político de 1968 e o atual. Naquele ano, o então presidente americano Lyndon Johnson anunciou que não iria concorrer à reeleição, da mesma forma que Biden fez. O aumento do envolvimento americano na Guerra do Vietnã e o número de mortes de soldados americanos no conflito tornaram o democrata muito impopular. Assim como em 2024, os democratas nomearam como candidato à Casa Branca o então vice de Johnson, Hubert Humphrey, que tentou se distanciar da impopularidade de seu chefe devido à guerra, mas não conseguiu.

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Além disso, os Estados Unidos estavam divididos em 1968 da mesma forma que estão agora. A morte do reverendo e líder do movimento dos direitos civis Martin Luther King em abril de 1968 iniciou uma série de protestos violentos em centros urbanos pelo país. A Lei dos Direitos Civis havia sido sancionada apenas quatro anos antes, em 1964, e muitos americanos ainda queriam a volta das leis discriminatórias de Jim Crow, que determinavam a segregação racial no sul dos EUA, e vigoraram de 1877 a 1964.

Policial arrasta manifestante durante um protesto na Convenção Nacional do Partido Democrata em Chicago, em 1968  Foto: Barton Silverman/NYT

O resultado desta ebulição política foi ruim para os democratas. Humphrey piorou nas pesquisas depois da convenção e perdeu a presidência para o republicano Richard Nixon.

Para os manifestantes que estarão nas ruas de Chicago a partir desta segunda-feira, a saída de Joe Biden da chapa democrata não muda a situação dos palestinos em Gaza ou os protestos.

“Sejamos honestos”, aponta Hatem Abudayyeh, porta-voz da Coligação para Marcha sobre a Convenção Nacional Democrata. “Kamala Harris não é progressista. Nenhum de nós está disposto a ouvi-la falar da boca para fora sobre a situação dos palestinos”, disse o porta-voz em um comunicado.

Abudayyeh afirmou que está confiante de que não haverá violência desta vez, como em 1968, mas que tem certeza de que os democratas não irão atender as exigências dos manifestantes.

O apoio a Israel nos Estados Unidos segue sendo bipartidário, apesar de críticas cada vez mais fortes de membros da ala progressista da legenda. O governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, que é judeu, era um dos candidatos a ser companheiro de chapa de Harris, mas seu nome foi muito criticado pelos progressistas por suas posições pró-Israel. Em um aceno a esta ala, Harris escolheu o favorito dos progressistas, Tim Walz, como companheiro de chapa./com The Economist e W.Post

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