O que está acontecendo no Haiti? Entenda a crise que levou à renúncia de primeiro-ministro

País vive crise sem precedentes que forçou 15 mil moradores a deixarem suas casas devido à violência perpetrada pelas gangues na última semana

PUBLICIDADE

Por Widlore Mérancourt (Washington Post), Samantha Schmidt (Washington Post), Maham Javaid (Washington Post) e Adela Suliman (The Washington Post)
Atualização:

O pequeno país caribenho do Haiti está à beira do colapso. Gangues armadas, violência e saques tornaram a vida cotidiana punitiva na nação de 11 milhões de habitantes, com escassez de comidas e remédios. A crise política sem precedentes escalou com a resignação do primeiro-ministro Ariel Henry, na noite de segunda-feira, 11, mergulhando a nação ainda mais no caos.

Veja abaixo o que é preciso saber sobre a crise do país.

Por que o primeiro-ministro renunciou?

PUBLICIDADE

Ariel Henry, de 72 anos, um ex-neurocirurgião, tem atuado como primeiro-ministro não eleito do Haiti desde o assassinato ainda não solucionado do presidente Jovenel Moïse em 2021. Henry foi indicado por Moïse.

Em meio à pressão política crescente, bem como os apelos de líderes poderosos de gangues do país para renunciar, Henry concordou na segunda-feira em deixar o cargo assim que um conselho de transição presidencial for estabelecido e um líder interino for selecionado, ele disse em um vídeo direcionado à população.

Ele deixou o Haiti no mês passado para viajar ao Quênia e tentar apoio para uma força policial internacional com o apoio da ONU ser enviada ao Haiti. Ele deveria retornar para casa na última semana, mas a República Dominicana — que compartilha a ilha caribenha de Hispaniola com o Haiti — lhe negou permissão aérea para pousar. Em vez disso, ele foi para Porto Rico, um território dos Estados Unidos.

Henry disse em seu discurso em vídeo que ele iria renunciar “imediatamente depois da instalação do conselho”, cujos membros serão escolhidos por representantes de vários setores da sociedade haitiana. Seu governo continuará lidando com questões rotineiras até a indicação de um novo primeiro-ministro e um novo governo, acrescentou.

O que está por trás desta onda de violência?

Nesse mês, o Haiti foi colocado em estado de emergência depois que gangues lideraram uma fuga em massa de prisões na capital Porto Príncipe e reivindicaram a renúncia de Henry, enquanto ele estava fora do país.

Publicidade

As gangues então incendiaram uma delegacia perto do aeroporto, onde voos foram suspensos. O principal porto marítimo da capital também foi violado quando membros das gangues invadiram o terminal, saquearam containers, danificaram o sistema de segurança do porto e obrigaram o local a suspender suas operações de maneira indeterminada.

Membros da gangue G9, uma das diversas que assumiram o poder na capital Porto Príncipe, fazem guarda em uma região da capital na segunda-feira, 11. Foto: AP Photo/Odelyn Joseph

Comida, água e suprimentos médicos são escassos na capital e saques a supermercados e pequenos empreendimentos se espalharam por Porto Príncipe.

A violência confinou muitos moradores em suas casas e fechou alguns hospitais públicos. O bloqueio de estradas pelas gangues em todo o país tornou quase impossível chegar à capital por terra, e a fronteira do país com a Republica Dominicana está fechada.

Haiti, um dos países mais pobres do Hemisfério Ocidental, não tem representantes eleitos no poder e não realiza eleições há quase uma década.

A presidência permanece não ocupada e os mandados dos legisladores expiraram, o que alimentou a insatisfação pública com Henry e outros no poder. Serviços públicos ficaram limitados, incluindo coleta de lixo, e a cólera ressurgiu, enquanto gangues aterrorizaram a população com estupros sistemáticos, sequestro indiscriminado e assassinato em massa.

O líder mais poderoso de gangues, Jimmy Chérizier, um ex-policial que se tornou chefe de facções conhecido como Barbecue, apelou às facções criminosas em guerra do Haiti para se unirem para expulsar Henry e ameaçou uma guerra civil se o primeiro-ministro não saísse.

É seguro viajar ao Haiti?

Não. Os Estados Unidos emitiram um aviso de nível quatro, o mais alto da escala, instruindo a população americana a não viajar ao Haiti.

Publicidade

“A atual situação de segurança do Haiti é sem precedentes e perigosa”, disse o Departamento de Estado dos EUA, instando aos cidadãos americanos a deixarem o país, apesar das opções limitadas de opções. “A capacidade da Embaixada dos Estados Unidos de ajudar cidadãos americanos está severamente limitada”, acrescentou.

Para aqueles que estão no Haiti, o governo dos EUA aconselhou a evitar multidões, monitorar a imprensa local para atualizações, evitar sair à noite e estar preparados para se abrigar no local por um período prolongado.

Ariel Henry, de 72 anos, tem atuado como premiê não eleito do Haiti desde o assassinato ainda não solucionado do presidente Jovenel Moïse em 2021. Foto: AP Photo/Andrew Kasuku

Nesta terça-feira, 12, o Itamaraty anunciou que a Embaixada do Brasil em Porto Príncipe está com o atendimento presencial suspenso desde o dia 4 de março, com “o objetivo de minimizar os riscos à vida e segurança do público e dos funcionários da repartição”.

Na falta de um Estado funcional, as gangues assumiram controle de mais de 80% da capital Porto Príncipe, estima a ONU. Mais de 15 mil haitianos foram forçados a deixarem suas casas devido à violência perpetrada pelas gangues na última semana, disse a ONU na segunda-feira. Isto soma-se às cerca de 300 mil pessoas — mais de metade crianças — que já estavam deslocadas internamente, devido à violência.

Mas de 160 mil desalojados estão atualmente presos na região metropolitana de Porto Príncipe, que está cercada por grupos armados, disse a ONU

O que acontecerá agora?

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse em uma reunião na Jamaica, realizada para discutir a situação do Haiti na segunda-feira, que a crise política e a escalada da violência “criaram uma situação insustentável para o povo haitiano”. “Apoiamos o plano de criação de um colégio presidencial independente, inclusivo e de base ampla”, disse ele sobre o conselho de transição.

Ele também demonstrou apoio a uma Missão Multinacional de Apoio à Segurança com ajuda da ONU, que envolve vários países que contribuem com equipes, equipamentos e recursos financeiros e logísticos para o Haiti.

Publicidade

Espera-se que a missão seja implementada em breve, disse Blinken, para reforçar a Polícia Nacional Haitiana e “criar as condições de segurança necessárias para realizar eleições livres e justas, para permitir que a assistência humanitária chegue às pessoas que dela precisam e para ajudar a colocar o Haiti de volta ao caminho da oportunidade económica e do crescimento.”

Ele acrescentou que os Estados Unidos irá contribuir com US$ 300 milhões na missão e um acréscimo para ajuda humanitária de US$ 33 milhões.

Segundo a Reuters, o conselho de transição presidencial consistirá em dois observadores e sete membros votantes, incluindo representantes de coligações políticas, setor empresarial, sociedade civil e um líder religioso. O conselho irá indicar um primeiro-ministro. Membros do conselho não serão permitidos a concorrer nas próximas eleições.

“O Haiti quer paz. O Haiti quer estabilidade”, disse Henry enquanto anunciada sua renuncia. “Haiti precisa reconstruir as instituições democráticas.”

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.