A China indicou na segunda-feira que seu líder supremo, Xi Jinping, deverá faltar à cúpula do Grupo dos 20 em Nova Délhi neste fim de semana, num ato de desfeita à Índia, a nação anfitriã do evento, e levantando questionamentos a respeito do perfil de Xi enquanto estadista global.
A China enviará seu primeiro-ministro, Li Qiang, ao encontro, segundo informou a porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China, Mao Ning, em uma coletiva de imprensa. Mao não respondeu perguntas a respeito de Xi e se recusou a explicar o motivo da decisão, mas sem dúvida o movimento é incomum. Xi nunca faltou a uma cúpula do G-20, que reúne líderes de 19 países e da União Europeia, desde que assumiu o poder, em 2012.
O anúncio ocorre em meio a uma crescente fricção entre a China e vários membros do G-20 — especialmente Estados Unidos e Índia — em razão do contínuo apoio de Pequim à Rússia (no caso de Washington) e das reivindicações territoriais cada vez mais agressivas dos chineses na Ásia (no caso de Nova Délhi).
A opacidade política e a reticência de Pequim dificultam a constatação do motivo que faz Xi parecer ter escolhido não comparecer à cúpula. Analistas afirmam que isso poderia refletir a preferência de Xi por grupos nos quais a China seja mais dominante, como na cúpula recentemente concluída do Brics, que reúne nações emergentes, em Johannesburgo. Já que Xi perderá a oportunidade de encontrar-se com o presidente Joe Biden paralelamente à cúpula do G-20 caso não compareça, o movimento poderia significar que o líder chinês pretende aliviar as tensões com os EUA segundo seus próprios termos.
O encontro do G-20 também ocorre em um momento que a economia da China enfrenta um de seus períodos mais difíceis em anos em razão de uma crise imobiliária que se aprofunda e que poderia se tornar um dos principais desafios ao governo de Xi. A ausência do líder chinês poderia indicar uma necessidade de sua parte de estar em Pequim para lidar com problemas econômicos urgentes.
O estrito controle que Xi exerce sobre seu governo significa que os líderes dos outros países não terão certeza se Li detém autoridade para levar adiante qualquer decisão tomada na cúpula.
“O fato de haver tamanha especulação toda vez que há um ‘não comparecimento’ indica não apenas a incerteza que a opacidade cria, mas também o fato de tudo parecer depender de Xi, dada a centralização de sua autoridade”, afirmou Ian Chong, professor associado de ciência política da Universidade Nacional de Cingapura.
“Se a liderança externa depende tanto de um único indivíduo e isso vale também domesticamente, a situação fica bastante instável, não importa quão poderoso é este indivíduo”, acrescentou ele.
Com uma reunião em Nova Délhi aparentemente fora de cogitação, a oportunidade seguinte que Biden teria de se encontrar com Xi poderia ser em novembro, na cúpula do fórum Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, em San Francisco. Mas nada garante que Xi comparecerá a esse encontro, o que indica ainda mais que a China está se fazendo de difícil.
Em um post publicado na segunda-feira em sua conta no WeChat, o ministério chinês de Segurança de Estado afirmou que os EUA precisariam “mostrar sinceridade suficiente” para justificar o comparecimento de Xi a San Francisco.
O professor de relações internacionais Shi Yinhong, da Universidade Renmin, em Pequim, classificou o post no WeChat como altamente incomum. O ministério, afirmou ele, não tem “autoridade” para interferir nas relações China-EUA dessa maneira porque “não é responsável por diplomacia”.
Ainda assim, o post refletiu um profundo ceticismo na China a respeito das intenções dos EUA após uma série de conversas de alto nível entre autoridades americanas e chinesas ocorridas em Pequim ao longo dos últimos três meses. O governo chinês afirma que Washington não pode alegar que tem intenção de estabilizar as relações quando continua a se antagonizar com a China ampliando restrições comerciais, fortalecendo alianças de segurança com parceiros asiáticos e oferecendo apoio a Taiwan, a ilha autogovernada reivindicada por Pequim.
Na Índia, a ausência de Xi à cúpula do G-20 será amplamente considerada uma desfeita ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, que conta com o evento para lustrar suas próprias credenciais de líder global.
As tensões aumentaram entre Pequim e Nova Délhi, que se aproximou do Ocidente por meio de um grupo chamado Diálogo de Segurança Quadrilateral (Quad), que inclui EUA, Austrália e Japão.
China e Índia também estão profundamente aguerridas em razão da fronteira que compartilham, uma disputa que se inflamou na semana passada quando o ministério chinês de Recursos Naturais publicou um mapa que afirma jurisdição chinesa sobre todo o Estado de Arunachal Pradesh, no nordeste da Índia, e a região de Aksai Chin, um planalto de alta altitude reivindicado por ambos os países. O jornal Global Times, nacionalista, do Partido Comunista Chinês, publicou um post sobre o mapa na rede social X, anteriormente conhecida como Twitter.
A Índia disse que respondeu interpondo um forte protesto à China. O ministro indiano de Relações Exteriores, Subrahmanyam Jaishankar, chamou o mapa chinês de “absurdo” e criticou o governo da China pelo que qualificou como o “antigo hábito” de Pequim de lançar mapas que rebatizam territórios em disputa tentando afirmar suas reivindicações territoriais. Outros países, incluindo Malásia e Filipinas, expressaram reclamações similares. (A China descreveu o mapa como rotineiro e pediu aos países que “não tirem conclusões exageradas sobre o tema”.)
“Esses mapas são, essencialmente, manifestos políticos”, afirmou Collin Koh, pesquisador sênior da Escola S. Rajaratnam de Estudos Internacionais, em Cingapura. “Certos meios de comunicação chineses escolhem amplificar isso — e não o fariam sem sanção oficial.”
Uma cúpula do G-20 sem Xi poderá não ser totalmente ruim para Modi, afirmaram alguns analistas indianos. O primeiro-ministro foi criticado no passado por partidos de oposição que o acusavam de tentar cultivar relações com Xi apenas para que o esforço fracassasse após uma intensificação nos conflitos fronteiriços.
“A vinda de Xi teria significado uma normalização de relações sem a realização de nenhum esforço sincero de resolução da crise na fronteira”, afirmou o professor Brahma Chellaney, que leciona estudos estratégicos no Centro para Pesquisa em Políticas, de Nova Délhi.
O desacordo sobre o mapa levanta a dúvida de que progresso foi alcançado, se é que houve algum, anteriormente este mês quando Xi e Modi se reuniram paralelamente à cúpula dos Brics. Os países afirmaram que tinham discutido a disputa fronteiriça.
Aquela cúpula foi vista como uma grande vitória para Xi em razão da decisão tomada pelo grupo, que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, de convidar outros seis novos membros após Pequim fazer lobby pesado pela expansão.
Em meses recentes, Xi viajou apenas para países em que tem boas-vindas garantidas, como Arábia Saudita, Rússia e, mais recentemente, África do Sul. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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