O que está por trás do desejo de China em expandir sua influência no Panamá

Esforços de Pequim para expandir seu alcance no país encontraram vários obstáculos, em parte por causa da pressão americana

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Por Vivian Wang (The New York Times)

Houve conversas sobre uma linha ferroviária de alta velocidade que a China construiria no Panamá. Uma nova linha de metrô na Cidade do Panamá. Um moderno porto de contêineres.

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A China vem trabalhando para construir relações e influência no Panamá há anos, parte de sua ambição mais ampla de expandir sua presença na América Latina. O esforço teve alguns sucessos, mas também muitos contratempos.

Em 2017, a China obteve uma grande vitória quando o Panamá cortou relações diplomáticas com Taiwan, a ilha autônoma que a China reivindica como seu território, e reconheceu Pequim. O Panamá era um dos poucos países no mundo a reconhecer Taiwan como um Estado soberano.

No ano seguinte, o Panamá se tornou o primeiro país latino-americano a assinar a Iniciativa Cinturão e Rota, o programa de infraestrutura global promovido pelo líder chinês Xi Jinping, que pretende ampliar o peso geopolítico da China e combater a influência dos Estados Unidos.

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Navio navega pelo Canal do Panamá na Cidade do Panamá. A China vem trabalhando para construir laços e influência no Panamá há anos, parte de sua ambição mais ampla de expandir sua presença na América Latina. Foto: Alejandro Cegarra/The New York Times

Promessas

Uma enxurrada de promessas ambiciosas se seguiu. A China propôs construir uma linha ferroviária de alta velocidade de 400 quilômetros entre a Cidade do Panamá, a capital, e a fronteira ocidental do país, com a Costa Rica. Pequim se ofereceu para ajudar a construir uma nova linha de metrô na Cidade do Panamá. Um consórcio de empresas chinesas, liderado pelo conglomerado Landbridge, começou a desenvolver um porto de contêineres que prometia ser o mais moderno do Panamá.

Uma estatal chinesa também obteve um contrato de US$ 1,4 bilhão para construir uma quarta ponte sobre o Canal do Panamá. Os dois países afirmaram, eventualmente, que negociariam um acordo de livre-comércio.

Pequim deixou claro que queria solidificar seu apoio na Cidade do Panamá. No início de 2018, uma autoridade chinesa em visita disse ao então presidente, Juan Carlos Varela, que “o estabelecimento de relações diplomáticas com o Panamá foi a conquista diplomática mais importante para a China em 2017”, de acordo com um comunicado à imprensa do governo panamenho. Posteriormente naquele ano, Xi se tornou o primeiro líder chinês a visitar o Panamá.

A China também intensificou seus esforços de poder brando, inaugurando um Instituto Confúcio no Panamá, para promover a cultura e a língua chinesa no país, e doando insumos médicos durante a pandemia de covid.

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Contratempos

À medida que a influência da China crescia, contudo, a cautela entre os panamenhos também cresceu, assim como a pressão dos Estados Unidos para que o Panamá se distanciasse de Pequim. Depois que Varela deixou a presidência, seu sucessor, Laurentino Cortizo, suspendeu o projeto ferroviário proposto. E as negociações comerciais estagnaram.

O governo panamenho revogou os direitos da Landbridge ao projeto do porto de contêineres em 2021, após uma auditoria descobrir que a empresa tinha violado os termos do contrato investindo menos dinheiro e empregando menos mão de obra local do que o prometido.

Ainda assim, a China também teve alguns sucessos. O novo presidente panamenho, José Raúl Mulino, ressuscitou a ideia da ferrovia, e diplomatas e empresas chinesas deixaram claro que querem participar. A construção da quarta ponte sobre o Canal do Panamá foi retomada, após uma pausa.

Em 2021, a empresa CK Hutchinson, de Hong Kong, obteve uma extensão de 25 anos de seu controle sobre dois portos nos acessos ao canal.

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O Panamá tem sido um foco de atenção especial da China em razão do Canal (foto) e das relações anteriores com Taiwan, além das ambições na América Latina. Foto: Alejandro Cegarra/NYT

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A CK Hutchison é um conglomerado de capital aberto, cujo maior proprietário é uma família de bilionários de Hong Kong, não uma estatal chinesa. Mas Pequim reforçou seu controle sobre Hong Kong nos últimos anos e tem o poder de obrigar empresas privadas a cumprir suas exigências em nome da segurança nacional.

O Panamá tem sido um foco de atenção especial da China em razão do canal e das relações anteriores com Taiwan, mas Pequim também tem trabalhado para expandir sua influência na América Latina mais amplamente. A China se posicionou como alternativa aos EUA na liderança global, se apresentando como um país em desenvolvimento mais atento às necessidades dessas nações.

Pequim também investiu pesadamente no Peru, onde abriu um novo porto financiado pelo governo chinês numa cidade 65 quilômetros ao norte de Lima em novembro. A China é a principal parceira comercial dos países da América do Sul e a segunda maior, depois dos EUA, na América Latina como um todo.

Seguindo adiante

Em resposta às acusações do presidente eleito Donald Trump, autoridades chinesas negaram ter qualquer interesse em infringir a soberania do Panamá ou fazer o país se curvar aos seus próprios interesses contra Washington. As fontes disseram que a China sempre respeitará o canal enquanto hidrovia internacional permanentemente neutra.

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Acadêmicos chineses denunciaram as preocupações americanas sobre a crescente presença de Pequim na América Latina qualificando-as como uma campanha de difamação.

O coronel aposentado do Exército de Libertação Popular da China Zhou Bo, hoje um membro sênior do Centro de Segurança e Estratégia Internacional da Universidade Tsinghua, em Pequim, disse que as recentes observações de Trump sobre uma suposta presença militar chinesa no Panamá são tão absurdas que “não merecem uma resposta específica” de Pequim.

“A China tem muitos investimentos ao redor do mundo. Eles não se limitam por região, ou por estar supostamente no ’quintal dos EUA’“, disse ele.

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Cui Shoujun, diretor do Centro de Pesquisa para Estudos Latino-Americanos da Universidade Renmin, em Pequim, afirmou estar confiante de que as relações da China com o Panamá continuarão crescendo, apesar dos esforços americanos para impedi-las.

Trump pode até fazer o Panamá se aproximar mais de Pequim, acrescentou Cui. “Temos um presidente americano extremamente dominador e um parceiro chinês pragmático”, afirmou. Diante dessa escolha, “a resposta é óbvia”./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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