O que está por trás do desejo de Trump de controlar a Groenlândia e o Canal do Panamá

Presidente eleito tem defendido controle dos EUA sobre territórios mostrando que sua filosofia ‘América em Primeiro Lugar’ tem uma dimensão expansionista

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Por David E. Sanger (The New York Times) e Lisa Friedman (The New York Times)

Nos últimos dois dias, o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, deixou claro que ele tem planos para a expansão territorial americana, declarando que os Estados Unidos têm tanto preocupações de segurança quanto interesses comerciais que podem ser melhor resolvidos colocando o Canal do Panamá e a Groenlândia sob controle americano ou propriedade total.

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O tom de republicano não tem nada da brincadeira provocadora que marcou suas várias sugestões nas últimas semanas de que o Canadá deveria se tornar o “51º Estado” dos Estados Unidos, incluindo suas referências nas redes sociais ao primeiro-ministro do país como “governador Justin Trudeau”.

Em vez disso, ao nomear um novo embaixador na Dinamarca — que controla os assuntos estrangeiros e de defesa da Groenlândia —, Trump deixou claro no domingo, 22, que sua oferta de compra do território feita no primeiro mandato pode, no próximo, se tornar uma oferta que os dinamarqueses não podem recusar.

A localização estratégica da Groenlândia, em um momento em que o derretimento do gelo do Ártico está abrindo novas competições comerciais e navais, e as reservas de minerais de terras raras, necessárias para tecnologia avançada, parecem ser os motivadores da cobiça do presidente eleito.

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“Para fins de Segurança Nacional e Liberdade em todo o Mundo”, escreveu Trump nas redes sociais, “os Estados Unidos da América sentem que a propriedade e o controle da Groenlândia são uma necessidade absoluta”.

No último sábado, 23, ele acusou o Panamá de cobrar preços abusivos em navios americanos que cruzavam o canal e sugeriu que, a menos que isso mudasse, ele abandonaria o tratado da era Jimmy Carter que devolveu todo o controle da zona do canal ao Panamá.

“As taxas cobradas pelo Panamá são ridículas”, escreveu, tendo em vista um aumento nas taxas programado para 1º de janeiro. “Esse ‘roubo’ completo do nosso país vai parar imediatamente.”

Ele continuou expressando preocupação de que o canal pudesse cair em “mãos erradas”, uma aparente referência à China, o segundo país que mais usa o canal. Uma empresa com sede em Hong Kong controla dois portos próximos ao canal, mas a China não tem controle sobre o canal em si.

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Sem surpresas, o governo da Groenlândia rejeitou imediatamente as exigências de Trump, assim como fez em 2019, quando o republicano lançou a ideia pela primeira vez. “A Groenlândia é nossa”, disse o primeiro-ministro Mute B. Egede em uma declaração. “Não estamos à venda e nunca estaremos à venda. Não devemos perder nossa longa luta pela liberdade.”

O gabinete do primeiro-ministro dinamarquês foi mais cauteloso, afirmando em um comunicado que o governo está “ansioso para trabalhar com a nova administração” e não fez mais comentários sobre as declarações de Trump.

Depois que Trump mencionou novamente o Canal do Panamá em um discurso no domingo, 22, o presidente do Panamá, José Raúl Mulino, declarou em um vídeo: “Cada metro quadrado do Canal do Panamá e suas zonas adjacentes são parte do Panamá e continuarão sendo.” Ele acrescentou: “A soberania e a independência do nosso país não são negociáveis.”

Navios cruzando Canal do Panamá. Nos últimos dias, Trump fez novas declarações sobre o controle dos EUA sobre o Canal do Panamá e a Groenlândia Foto: Federico Rios/The New York Times

Mas as declarações do presidente eleito — e as ameaças nem tão sutis por trás delas — foram outro lembrete de que sua versão de “América em Primeiro Lugar” não é uma crença isolacionista.

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Sua interpretação agressiva da frase evoca o expansionismo, ou colonialismo, do presidente Theodore Roosevelt, que assumiu o controle das Filipinas após a Guerra Hispano-Americana. E reflete os instintos de um incorporador imobiliário que, de repente, tem o poder do maior exército do mundo para respaldar sua estratégia de negociação.

Trump sugeriu várias vezes que ele nem sempre vê a soberania das fronteiras de outras nações como sagradas. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, sua primeira resposta não foi uma condenação da flagrante apropriação de terras, mas sim a observação de que o movimento do presidente russo Vladimir Putin foi um ato de “genialidade”.

Mesmo agora, enquanto o presidente eleito vislumbra acordo para acabar com a guerra na Ucrânia, ele nunca disse que as fronteiras do país devem ser restauradas, uma demanda fundamental dos Estados Unidos e da Otan — ele apenas prometeu um “acordo” para acabar com os combates.

Nos casos da Groenlândia e do Panamá, estão em jogo interesses comerciais e de segurança nacional.

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O desejo de Trump pela Groenlândia ficou explícito no primeiro mandato, quando um amigo rico de Nova York, Ronald S. Lauder, o herdeiro dos cosméticos de Nova York, plantou a ideia em sua cabeça.

Na Casa Branca de Trump, em 2019, o Conselho de Segurança Nacional começou a analisar detalhadamente como os Estados Unidos poderiam realizar uma aquisição de terras daquele tamanho. Trump continuava insistindo na ideia com a Dinamarca, que a rejeitava consistentemente.

Trump não foi o primeiro presidente a propor tal aquisição: Harry S. Truman quis comprar a Groenlândia após a Segunda Guerra Mundial, como parte de uma estratégia da Guerra Fria para impedir a presença soviética. Trump pode fazer um argumento paralelo, especialmente em um momento em que Rússia, China e Estados Unidos disputam o controle de rotas no Ártico para transporte comercial e ativos navais.

Especialistas no Ártico não descartaram a candidatura de Trump à Groenlândia como uma piada. “Não há muitas pessoas rindo disso agora”, disse Marc Jacobsen, professor associado do Royal Danish Defense College, na Dinamarca, que se concentra na segurança do Ártico.

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Jacobsen observou que a reação na Dinamarca à nova investida de Trump foi de indignação (um político dinamarquês chamou a proposta de “uma maneira incomumente estranha de ser um aliado”). No entanto, ele afirmou que os groenlandeses — que há muito tempo buscam a independência — podem tentar usar o interesse de Trump como uma oportunidade para fortalecer ainda mais os laços econômicos com os Estados Unidos.

Desde 2009, a Groenlândia tem o direito de declarar sua independência, mas o vasto território de cerca de 56 mil pessoas ainda depende fortemente da Dinamarca e nunca optou por seguir esse caminho. O interesse de Trump pode abrir espaço para mais investimentos dos EUA na Groenlândia, incluindo no turismo ou na mineração de terras raras.

Um iceberg em Narsaq, Groenlândia. Território é cobiçado por Trump por sua localização estratégica e reservas de minerais de terras raras necessárias para tecnologia avançada.  Foto: Carsten Snejbjerg/The New York Times)

“Foi loucura quando os EUA adquiriram o Alasca? Foi loucura quando os EUA construíram o Canal do Panamá?”, perguntou Sherri Goodman, uma ex-oficial do Pentágono e membro sênior do Wilson Center Polar Institute, um think tank sediado em Washington.

Sherri Goodman, cujo livro Threat Multiplier: Climate, Military Leadership, and the Fight for Global Security (Multiplicador de Ameaças: Clima, Liderança Militar e a Luta pela Segurança Global, em tradução livre) centra-se em parte no Ártico, disse que os Estados Unidos têm um forte interesse em garantir que a China, em particular, não construa uma forte presença na Groenlândia.

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As ambições de Pequim no Ártico cresceram e, em 2018, o país de Xi Jinping apresentou planos para construir infraestrutura e desenvolver rotas de navegação abertas pelas mudanças climáticas. Goodman disse que os Estados Unidos devem continuar impedindo que a China ganhe uma posição na porta da América do Norte, mas defendeu que os groenlandeses devem decidir seu próprio destino.

“Queremos ter todos esses territórios próximos ao nosso próprio território continental para nos proteger e também para evitar que um adversário os use para nossa desvantagem estratégica”, disse Goodman. “Por outro lado, há lei internacional, ordem e soberania internacionais, e a Groenlândia ainda é parte da Dinamarca.”

Quando se trata do Panamá, Trump também pode guardar um rancor pessoal distante. Em 2018, policiais panamenhos despejaram a Trump Organization do Trump International Hotel na Cidade do Panamá após uma batalha judicial prolongada entre a família do presidente eleito e o proprietário da propriedade. O nome Trump foi posteriormente mencionado. A empresa tinha um contrato para administrar a propriedade.

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