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Entenda o que está por trás dos referendos em províncias da Ucrânia ocupadas pela Rússia

Votações podem preparar terreno para a anexação das áreas em uma forte escalada da guerra de quase sete meses

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Por Redação
Atualização:

Quatro regiões controladas por Moscou no leste e no sul da Ucrânia devem começar a votar na sexta-feira, 23, em referendos planejados pelo Kremlin para se tornar parte da Rússia, preparando o terreno para a anexação das área, em uma forte escalada da guerra de quase sete meses.

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As duas regiões separatistas do Donbas, Donetsk e Luhansk, junto com Kherson e Zaporizhzia, pretendem conduzir as votações ao longo de cinco dias em uma tentativa de impedir as investidas ucranianas para retomar essas áreas.

Na prática, caso a população aprove a anexação, Moscou passaria a considerar as quatro regiões como parte de seu próprio território, tornando uma agressão ucraniana a essas áreas um ataque à nação russa. Essa possibilidade preocupa o Ocidente, principalmente depois de o presidente russo, Vladimir Putin, ter ameaçado usar armas nucleares contra qualquer ataque ao território de seu país.

A Ucrânia e seus aliados ocidentais rejeitaram os referendos como ilegítimos - nem livres nem justos -, dizendo que não terão força obrigatória. Saiba mais sobre os referendos e suas potenciais implicações:

Por que os referendos estão acontecendo?

O Kremlin já usou essa tática antes. Em 2014, realizou um referendo convocado às pressas na região da Crimeia, na Ucrânia, que também foi denunciado pelo Ocidente como ilegal e ilegítimo. Moscou usou a votação como justificativa para anexar a península do Mar Negro em um movimento que não foi reconhecido pela maior parte do mundo.

A decisão de realizar os novos referendos enviaram sinais conflitantes de Moscou e autoridades separatistas se eles refletiam mudanças no campo de batalha.

Nos últimos meses, quando o Kremlin esperava uma rápida captura de toda a região de Donbas, as autoridades locais falaram sobre a organização das votações em setembro.

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Militar guarda estação de votação na República Popular de Donetsk, uma das regiões que terão referendo  Foto: AP - 22/09/2022

Tropas russas e forças separatistas locais assumiram o controle de praticamente toda a região de Luhansk, mas apenas cerca de 60% da região de Donetsk. O ritmo lento da ofensiva da Rússia no leste e a pressão ucraniana para recuperar áreas na região de Kherson fizeram as autoridades em Moscou falarem em adiar as votações até novembro.

Os planos do Kremlin mudaram novamente depois que uma contraofensiva ucraniana relâmpago este mês forçou as tropas russas a recuar de amplas faixas da região nordeste de Kharkiv e aumentou a perspectiva de mais ganhos pelas forças de Kiev.

Observadores dizem que, ao se mover rapidamente para absorver os territórios capturados, o Kremlin espera forçar a Ucrânia a interromper sua contraofensiva e aceitar as atuais áreas de ocupação ou enfrentar uma retaliação devastadora.

O que está acontecendo nas regiões onde a votação vai ocorrer?

A votação de 2014 na Crimeia foi realizada sob uma forte vigilância das tropas russas logo após terem ultrapassado a península, onde a maioria dos moradores era pró-Moscou. Separatistas que controlam grandes partes do Donbas desde 2014 há muito pressionam para se juntar à Rússia e mostram pouca tolerância à dissidência.

Quando a rebelião eclodiu lá, os separatistas rapidamente organizaram referendos nos quais a maioria votou pela adesão à Rússia, mas o Kremlin ignorou o resultado.

As duas regiões declararam sua independência da Ucrânia semanas após a anexação da Crimeia, desencadeando oito anos de combates que o presidente Putin usou como pretexto para lançar uma invasão em fevereiro para proteger seus moradores.

Nas regiões do sul, que foram ocupadas por tropas russas nos primeiros dias da invasão, o sentimento anti-Rússia é forte. Centenas de ativistas pró-Kiev foram presos, com muitos alegando que foram torturados. Outros foram deportados à força e dezenas de milhares fugiram.

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Desde que as forças russas invadiram a região de Kherson e parte da região de Zaporizhzia, as autoridades indicadas por Moscou cortaram as transmissões da TV ucraniana, substituindo-as por programação russa. Eles entregaram passaportes russos aos residentes, introduziram o rublo e até emitiram placas russas para preparar o caminho para sua incorporação na Rússia.

As administrações indicadas por Moscou têm sofrido ataques frequentes de membros do movimento de resistência ucraniano, que matou autoridades locais, bombardeou assembleias de voto e outros prédios do governo e ajudou os militares ucranianos a atacar infraestruturas importantes.

O que se diz sobre a legitimidade do voto?

O processo de votação de cinco dias ocorrerá na ausência de monitores independentes e oferece amplo espaço para manipulação do resultado. Quando os referendos foram anunciados no início desta semana, o Ocidente imediatamente questionou sua legitimidade. O presidente dos EUA, Joe Biden, e o chanceler alemão, Olaf Scholz, se referiram a eles como farsas, e o presidente francês, Emmanuel Macron, disse que não teriam “nenhuma consequência legal”. O presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, também os chamou de “ruído” para distrair o público.

Em um comunicado divulgado nesta quinta-feira, 22, a Otan afirmou que não reconhecerá a “anexação ilegal e ilegítima” das regiões. “Os falsos referendos em Donetsk, Luhansk, Zaporizhzia e Kherson, regiões da Ucrânia, não têm legitimidade e serão uma violação flagrante da Carta das Nações Unidas. Os aliados da Otan não reconhecerão sua anexação ilegal e ilegítima. Essas terras são Ucrânia.”

Como os referendos estão relacionados com a mobilização militar da Rússia?

Um dia depois que os referendos foram anunciados, Putin ordenou uma mobilização parcial de reservistas para reforçar suas forças na Ucrânia, e também declarou que estava pronto para usar armas nucleares para afastar qualquer ataque ao território russo.

O Ministério da Defesa disse que a mobilização - a primeira da Rússia desde a 2ª Guerra - pretende convocar cerca de 300 mil reservistas com experiência militar anterior. Observadores apontam, no entanto, que o decreto de Putin é amplo o suficiente para permitir que os militares aumentem os números, se necessário. Alguns relatórios sugerem que o objetivo do Kremlin é reunir 1 milhão de homens, em uma parte secreta do decreto.

Veículos passam por painéis com slogans pró-Rússia em Luhansk  Foto: Alexander Ermochenko/Reuters - 20/09/2022

O Kremlin há muito evita tomar uma medida tão impopular, receoso de fomentar o descontentamento e corroer o apoio a Putin. A última contraofensiva ucraniana expôs a incapacidade da Rússia de controlar a linha de frente de 1 mil km com sua atual força limitada de voluntários. Especialistas militares dizem que levará meses para que os novos reservistas convocados fiquem prontos para o combate.

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Como a ameaça nuclear de Putin está relacionada aos referendos?

Enquanto Putin luta por maneiras de evitar novas derrotas humilhantes, ele sinalizou sua disposição, na quarta-feira, de usar armas nucleares para proteger o território do país - um aviso contundente para a Ucrânia parar de pressionar sua ofensiva nas regiões que agora devem se tornar parte da Rússia.

Observadores viram a ameaça de Putin como um ultimato eficaz para a Ucrânia e seus apoiadores ocidentais para congelar o conflito ou enfrentar uma potencial escalada até um embate nuclear. Enquanto a doutrina militar russa prevê o uso de armas atômicas em resposta a um ataque nuclear ou agressão envolvendo armas convencionais que “ameaçam a própria existência do Estado”, a declaração de Putin reduziu ainda mais o limite para seu uso.

Dmitri Medvedev, subchefe do Conselho de Segurança da Rússia presidido por Putin, ampliou a ameaça do presidente na quinta-feira, dizendo que depois de absorver as quatro regiões ucranianas, Moscou poderia usar “qualquer arma russa, incluindo armas nucleares estratégicas” para defendê-las.

A menção de forças nucleares estratégicas, que incluem mísseis balísticos intercontinentais e bombardeiros de longo alcance, enviou um aviso de que a Rússia poderia atingir não apenas a Ucrânia, mas também os EUA e seus aliados com armas nucleares em caso de uma escalada.

Zelenski afastou a ameaça nuclear se referindo a ela como uma fanfarronice e prometeu libertar todos os territórios ocupados./AP

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