Opinião | O que Lula e a diplomacia do Brasil podem aprender com a visita de Modi à Ucrânia?

Apesar de também ser criticada pela postura neutra em relação à guerra, Índia evita ruídos e consegue se manter relevante geopoliticamente ao adotar pragmatismo

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Foto do author Daniel Buarque
Por Daniel Buarque (Interesse Nacional)

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, visitou a Ucrânia e a Rússia nas últimas semanas, se encontrou com Vladimir Putin e com Volodimir Zelenski e fez um apelo pelo fim da guerra entre os dois países. Sem muito efeito prático para uma resolução do conflito, as viagens tiveram um forte simbolismo para a guerra e para a tentativa de projeção de um protagonismo indiano no mundo, mas serve também para entender aspectos de interesses globais sobre o confronto e pode até mesmo ajudar o Brasil a repensar sua estratégia de política externa.

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Depois de ser criticado por sua visita a Moscou, quando foi fotografado abraçado a Putin, Modi chegou a Kiev com uma mensagem de paz e pediu diálogo entre a Rússia e a Ucrânia o mais rápido possível. Ele alegou que apoia a integridade territorial e a soberania da Ucrânia e negou que o país tenha sido neutro em relação à guerra: “Tomamos partido e somos, decididamente, a favor da paz”, disse Modi.

Sem muito conteúdo além da defesa de uma paz que parece distante, o posicionamento não pareceu muito diferente dos discursos de Luiz Inácio Lula da Silva. Os dois líderes de países do chamado Sul Global têm sido criticados pela equidistância adotada desde o princípio do conflito. Eles chegam a ser acusados pelo Ocidente de estarem alinhados à Rússia, por mais que não tenha havido declarações abertas de nenhum dos dois países neste sentido.

O presidente da Índia, Narendra Modi, cumprimenta o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, no Palácio Mariinski em Kiev em 23 de agosto Foto: Presidência da Ucrânia via AFP

Assim como o Brasil (tanto sob Lula quanto durante o governo de Jair Bolsonaro), o governo Modi tem uma postura ambígua em relação ao confronto. A Índia tem falado em cessar-fogo e paz na Ucrânia, mas se absteve de condenar a invasão da Rússia e mantém relações com Moscou, parceiro essencial no equilíbrio da sua relação com a vizinha gigante China. Assim como o Brasil, a Índia continuou a manter relações comerciais com a Rússia, apesar das sanções americanas, e chegou a aumentar as compras de petróleo do país, o que ajudou Putin a evitar o isolamento.

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Ainda assim, a viagem de Modi a Kiev e o encontro com Zelenski parecem indicar que a Índia conseguiu manter uma postura mais relevante numa possível tentativa de negociação de paz no conflito do que o Brasil. A viagem pode não representar uma nova postura da Índia, mas aponta para uma atuação mais pragmática do país. E isso pode indicar caminhos para a política externa brasileira.

Uma das principais lições das viagens de Modi é o pragmatismo com que a Índia tem lidado com suas relações internacionais. Ainda que tenha sido criticado pela proximidade com Putin, Modi conseguiu manter canais abertos tanto com a Rússia quanto com a Ucrânia, mesmo em meio à guerra, equilibrando cuidadosamente os interesses indianos. Essa postura pragmática demonstra que a manutenção de uma política externa baseada em interesses nacionais claros e definidos pode ser mais eficaz do que alinhar-se cegamente a blocos ou ideologias específicas.

Lula tem consistentemente defendido a importância do diálogo e do multilateralismo na resolução do conflito na Ucrânia. Em discursos em fóruns internacionais, como na Assembleia Geral das Nações Unidas, Lula enfatizou que a guerra não será resolvida por meio de armas, mas sim por negociações diplomáticas.

Entretanto, suas declarações públicas têm desviado a atenção da postura mais equilibrada e burocrática da diplomacia brasileira, diferenciando o país da Índia e enfraquecendo o pleito brasileiro por um lugar na negociação pela paz.

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Isso ficou evidente quando, pouco depois de se reunir com Modi, Zelenski criticou publicamente Lula, que segundo ele, “vive as narrativas da União Soviética”, e questionou o porquê de o Brasil “estar junto” da China e do Irã.

A percepção da Ucrânia é baseada nessas declarações problemáticas de Lula, que mais de uma vez expressou a visão de que tanto a Rússia quanto a Ucrânia (e o Ocidente) compartilham responsabilidade pelo conflito. Esse posicionamento acaba arriscando fechar portas para o Brasil e deixar o país de fora das negociações sobre o fim do conflito. Apesar de o brasileiro já ter se reunido com o ucraniano, o governo Lula é visto como um país que apoia a agressão russa.

Sem atravessar a rua para escorregar em declarações que têm impacto internacional, Modi tem demonstrado a importância de manter uma diplomacia que tem a capacidade de dialogar e manter relações positivas com diferentes atores globais, mesmo em situações de conflito. Suas visitas à Rússia e à Ucrânia, apesar das tensões entre os dois países, destacam a habilidade de equilibrar interesses conflitantes e atuar como uma ponte entre diferentes lados.

Para o Brasil, essa abordagem pode ser inspiradora ao lidar não só com a guerra, mas também com questões globais complexas, como mudanças climáticas, segurança alimentar e instabilidade geopolítica. Segundo a tradição da diplomacia nacional, manter diálogos abertos com todos os lados, sem tomar partido e sem dar margem para que declarações sejam interpretadas como alinhamento, pode fortalecer a posição do Brasil como mediador e facilitador de negociações internacionais. Essa abordagem pode ser particularmente útil na resolução de crises regionais e na promoção de uma governança global mais inclusiva e equilibrada.

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Modi mostrou a importância de uma comunicação eficaz ao articular claramente a posição da Índia em relação à guerra na Ucrânia e ao expressar preocupações humanitárias sem alienar seus aliados. Essa clareza de mensagem ajuda a evitar mal-entendidos e a manter a confiança de todos os lados.

Para a política externa brasileira, a lição aqui é a importância de uma comunicação clara, transparente e consistente. Ao abordar questões sensíveis, o Brasil deve articular suas posições de maneira que reafirme seus princípios de paz, cooperação e desenvolvimento, sem alienar parceiros estratégicos. Uma comunicação eficaz não só fortalece a imagem do Brasil no cenário internacional, mas também facilita a construção de coalizões em questões de interesse comum. E, mais importante, é preciso haver um alinhamento permanente entre a postura oficial do país e as declarações do presidente a fim de evitar ruídos e percepção de alinhamento.

Opinião por Daniel Buarque

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista, doutor em Relações Internacionais do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power, Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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