O que o ‘hat-trick’ de Trump, levando Presidência, Senado e Câmara, representa para os EUA?

O Congresso provavelmente limitará pouco o poder do presidente

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Por The Economist
Atualização:

Quando Donald Trump declarou vitória nas primeiras horas de 6 de novembro diante de uma multidão bajuladora no Centro de Convenções do Condado de Palm Beach, ele não teve uma única palavra injuriosa a dizer. Não se queixou e não fez críticas diretas à sua rival derrotada, Kamala Harris, nem ao chefe dela, o presidente em exercício, Joe Biden. Foi-se o candidato raivoso, rude e vingativo das últimas semanas da campanha. Em vez disso, Trump prometeu unir uma nação dividida — assim como fez com surpreendente graça em 2016, antes de dar início a quatro anos de caos.

Desta vez, a vitória de Trump foi ainda mais retumbante, embora menos surpreendente. Pela primeira vez em suas três campanhas recentes para presidente, ele ganhou o voto popular. Parece pronto para vencer todos os sete Estados-pêndulo, dando a ele uma margem ainda maior no colégio eleitoral do que em 2016. Todos os 50 Estados mudaram para a direita. E tudo isso apesar de ter sofrido dois processos de impeachment, ser derrotado na eleição de 2020, ser processado quatro vezes, condenado por vários crimes e considerado responsável por abuso sexual, sem mencionar ter sido baleado na campanha eleitoral. É sem dúvida a volta por cima mais notável da história política americana. “Se você quer tornar alguém icônico, tente jogá-lo na cadeia, tente levá-lo à falência... Todas essas coisas falharam. Elas apenas o tornaram maior e mais poderoso enquanto força política”, exultou Roger Stone, um agente republicano.

Encalhados na areia

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Foi exatamente esse resultado que Biden prometeu evitar quando anunciou que concorreria a um segundo mandato em abril do ano passado. A decisão dele e de seus assessores de esconder seu declínio do público americano e seguir em frente agora parece indizivelmente egoísta. Quando seu partido finalmente o forçou a renunciar em julho após um desempenho desastroso no debate, havia pouco tempo ou apetite para uma primária competitiva. Isso permitiu que ele ungisse Kamala, entregando a nomeação democrata a uma mulher cuja campanha anterior para presidente, em 2020, havia fracassado rapidamente.

A estratégia de Kamala era renunciar a posições progressistas passadas, assumindo novas, mais moderadas, e evitar entrevistas difíceis para não ter que se explicar. Quando perguntada em que ela diferia do impopular Biden, ela disse: “Não há nada que me venha à mente”. Essa estratégia excessivamente cautelosa poderia ter funcionado se ela tivesse sido a favorita esmagadora, mas, para um eleitorado frustrado com a imigração ilegal e a inflação, ela não parece ter representado uma mudança significativa.

Pela primeira vez em suas três campanhas recentes para presidente, Trump ganhou o voto popular, em uma das maiores viradas históricas da política americana. Foto: AP Foto/Evan Vucci

Kamala teve desempenho inferior a Biden em todo o mapa. Em vez de virar a mesa no Texas, um antigo sonho democrata, Kamala perdeu por 14 pontos. Em vários Estados onde se esperava dela um excelente desempenho, ela venceu por menos de dez pontos, incluindo Illinois, Nova Jersey e Virgínia. Sua vitória de 11 pontos em Nova York foi o pior desempenho dos democratas no Estado desde 1988.

Kamala parece ter sofrido uma hemorragia de apoio entre os homens hispânicos, em particular, uma lesão grave para a coalizão democrata. Em 2016, os democratas ganharam 64% dos votos no Condado de Miami-Dade, na Flórida; em 2020, sua votação caiu para 53%; este ano, eles conseguiram apenas 44%. Embora Kamala tenha se saído melhor em áreas mais brancas, particularmente aquelas com muitos eleitores com ensino superior, ela também perdeu terreno nas cidades, que normalmente são bastiões de apoio aos democratas.

Trump ganhou mais terreno em lugares com alta desigualdade, aumento nos custos de moradia e grandes populações de nascidos no estrangeiro. Para cada ponto percentual de residentes estrangeiros acima da média nacional em um determinado condado, a participação dos democratas nos votos dos dois principais partidos diminuiu em 0,17 ponto percentual entre 2020 e 2024.

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Nos dias que antecederam a eleição, quando ficou claro que os números de Kamala nas pesquisas estavam desconfortavelmente apertados, os agentes democratas se acalmaram insistindo que as eleitoras a empurrariam para a vitória, talvez desafiando seus maridos, por sua fúria com a anulação do direito constitucional ao aborto pela Suprema Corte em 2022. O descontentamento com essa decisão foi de fato sentido: eleitores no Arizona, Missouri, Montana e Nevada aprovaram com margens confortáveis referendos consagrando o direito ao aborto. Mas isso não impediu que muitos deles votassem contra candidatos democratas ao mesmo tempo. Na Flórida, um referendo para proteger o direito ao aborto até o ponto de viabilidade fetal quase atingiu o limite necessário de 60%, embora o Estado como um todo tenha elegido Trump por diferença de 13 pontos.

Alguns democratas estão se consolando com o argumento de que os partidos no poder em todo o mundo foram repreendidos por eleitores economicamente descontentes, incluindo os conservadores no Reino Unido, o Renaissance de Emmanuel Macron na França e o LDP no Japão. A diferença, no entanto, é que a economia cresceu rapidamente nos Estados Unidos e os salários reais estão aumentando. O Federal Reserve conteve a inflação em geral e começou a cortar as taxas de juros. Embora Kamala tenha falhado em grande parte em se diferenciar de seu chefe, ela pelo menos pareceu demonstrar empatia em relação ao aumento dos custos e ofereceu soluções (equivocadas), como proibir a especulação de preços. No entanto, o descontentamento permaneceu alto.

Os democratas tentados a explicar a derrota de Kamala como parte de uma onda global contrária aos governantes atuais talvez estejam perdendo de vista algo mais fundamental. Em 2016, quando Trump derrotou Hillary Clinton, os democratas rejeitaram o resultado como uma aberração do colégio eleitoral alimentada em parte por racismo, sexismo e desinformação russa. Mas este ano, com Trump vencendo o voto popular com o apoio de uma coalizão multirracial da classe trabalhadora, tais argumentos são mais difíceis de sustentar. Também é difícil provar que Kamala sofreu de sexismo, dado o quão pouco ela enfatizou seu gênero durante a eleição, diz John Sides, da Universidade Vanderbilt.

“As pessoas ficam coçando a cabeça e pensando, ‘Oh, esses homens latinos, esses homens negros, por que eles estão mudando seu voto para Trump?’ E a resposta é que eles são conservadores”, diz Lynn Vavreck da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. A virada democrata nos anos mais recentes na direção da política identitária de esquerda, com debates envolvendo a descriminalização da imigração ilegal, a redução do financiamento da polícia e a defesa da teoria racial crítica, não os tornou queridos pelas minorias, como pretendido. Embora democratas como Kamala tenham se retratado em relação a tais visões e começado a imitar a abordagem de Trump para o crime, o comércio e a imigração, eles falharam em estancar suas perdas entre homens negros e hispânicos e trabalhadores sindicalizados.

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Os democratas também acreditavam, erroneamente, que eleitores vacilantes rejeitariam Trump por causa de sua conduta em 6 de janeiro de 2021, quando uma multidão de seus apoiadores invadiu o Capitólio para anular sua derrota na então recente eleição presidencial. O que os políticos chamam de partidarismo negativo, ou desprezo pelo outro lado, é especialmente potente no sistema bipartidário dos Estados Unidos. “O ciclo da desgraça é real e está piorando. Foi uma eleição extremamente desagradável e feia... mas as pessoas votaram em Trump principalmente porque ele era o republicano”, diz Lee Drutman da New America Foundation, um centro de estudos estratégicos de esquerda. O único candidato que os eleitores efetivamente desqualificaram para a presidência foi Biden — por causa de sua idade, não de sua conduta. Um Trump triunfante (que tem 78 anos e às vezes fica cambaleante) agora retornará ao Salão Oval em menos de 75 dias.

O advento do vingador

Ao reconhecer o resultado da eleição em 6 de novembro, Kamala ordenou aos democratas que nutrissem “otimismo” e “fé”, mesmo que sentissem que os EUA estão “entrando em um momento sombrio”. Trump fará o juramento de posse na escadaria do Capitólio em 20 de janeiro de 2025, retornando ao poder democraticamente no local onde, quatro anos atrás, seus apoiadores tentaram instalá-lo à força. Ele prometeu demitir “em dois segundos” Jack Smith, o procurador especial que o acusou de crimes por seu manuseio de documentos confidenciais e sua tentativa de subverter a eleição de 2020 (Smith, reconhecendo o inevitável, já está cancelando os processos). Trump certa vez refletiu que poderia se comportar como um ditador em seu primeiro dia. “Vamos fechar a fronteira e vamos perfurar, perfurar, perfurar. Depois disso, não serei mais um ditador”, disse ele.

Ditador ou não, Trump deve ser capaz de governar relativamente desimpedido. Os democratas perderam o controle do Senado, perdendo assentos em Ohio, Montana e Virgínia Ocidental. Os republicanos manterão pelo menos 52 assentos na câmara de 100 assentos. Isso deve permitir que os indicados judiciais de Trump sejam confirmados, incluindo aqueles para preencher eventuais vagas na Suprema Corte. Também dará a Trump uma mão relativamente livre para escolher quem ele quiser em seu gabinete e outros cargos do alto escalão.

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Trump deve ser capaz de governar relativamente desimpedido. Os democratas perderam o controle do Senado; Os republicanos manterão pelo menos 52 assentos na câmara de 100 assentos. Foto: Evan Vucci/AP

Embora senadores republicanos moderados como Susan Collins, do Maine, ou Lisa Murkowski, do Alasca, possam se opor a indicados judiciais ou executivos totalmente desqualificados, eles terão que escolher suas batalhas. Espera-se que a liderança dos republicanos no Senado seja igualmente circunspecta. Pior para os democratas, suas chances de recuperar a câmara em 2026 também parecem distantes, já que haverá poucos assentos para eleição naquele ano que os democratas possam plausivelmente virar. Trump pode acabar nomeando a maioria dos nove membros da Suprema Corte, tendo já escolhido três juízes em seu mandato anterior.

Para aprovar muitas leis, Trump precisará que os republicanos controlem também a Câmara dos Representantes. Isso ainda pode acontecer. O controle da câmara ficará em dúvida por mais alguns dias, enquanto eleições muito apertadas em Estados de contagem lenta, como a Califórnia, são resolvidas. Seria bastante incomum, no entanto, que um novo presidente ganhasse o cargo sem que seu partido ganhasse a Câmara. Os mercados de apostas, de qualquer forma, estão extremamente confiantes de que os republicanos acabarão no controle do Congresso, bem como da presidência.

Durante seu primeiro mandato, Trump desperdiçou grande parte de seu capital legislativo em uma tentativa fracassada de revogar o Obamacare. Sua principal proposta de legislação, a Ata de Empregos e Cortes nos Impostos (Tax Cuts and Jobs Act, TCJA), foi amplamente delegada às lideranças republicanos da época, Paul Ryan e Mitch McConnell, nenhum deles do movimento MAGA. Desta vez, Trump provavelmente estará lidando com uma liderança mais complacente. O Congresso vai querer elaborar uma extensão para os cortes de impostos pessoais da TCJA, muitos dos quais expiram no ano que vem. A julgar pela prática recente, esse projeto de lei provavelmente se tornará um veículo para as prioridades fiscais de Trump, o que pode incluir uma recuperação de alguns dos subsídios verdes de Biden e autorização do Congresso para algumas tarifas ferozes para pagar pelos muitos cortes de impostos adicionais que Trump prometeu durante a campanha.

Claro, Trump não estava interessado anteriormente no processo legislativo desgastante, e era mais atraído pelos poderes exaltados da presidência imperial. Ele exerceria sua autoridade com efeito imediato. Tendo prometido deportações em massa dos cerca de 12 milhões de imigrantes ilegais no país, Trump faria questão de seguir adiante, apesar dos enormes obstáculos logísticos e legais. Da mesma forma, Trump se sentirá compelido a começar a aumentar as tarifas sobre a maioria dos produtos importados, e especialmente sobre as importações da China. Isso levaria a desafios legais imediatos nos EUA e talvez a tarifas retaliatórias no exterior. Ele usará seu poder de perdão para exonerar não apenas a si mesmo dos vários crimes federais dos quais foi acusado, mas também aqueles condenados por crimes violentos em 6 de janeiro.

A neutralização do estado profundo que Trump prometeu no primeiro mandato também começaria com muito mais determinação desta vez. A comunidade de inteligência está se preparando para o impacto, assim como os altos funcionários públicos em funções de formulação de políticas. Trump gostaria de tornar muito mais fácil a demissão deles. A ansiedade entre diplomatas estrangeiros também aumentará. Os aliados americanos na Europa estão contemplando nervosamente o que poderia acontecer se Trump cortar o apoio à Ucrânia abruptamente ou prejudicar seriamente a aliança de segurança da Otan. A China o observará com cautela. Os aliados na Ásia que Biden passou anos cortejando se perguntarão se seu namoro com os EUA acabou.

Muito dependerá de quem Trump nomear para grandes cargos. Há muitas razões para preocupação. A maioria dos republicanos talentosos se recusou a servir no primeiro governo dele e muitos dos que achavam que poderiam suportá-lo acabaram se retirando. O motim de 6 de janeiro levou a uma redução ainda maior dessas fileiras. Ainda há alguns adultos competindo para estar na sala, incluindo Scott Bessent, um investidor bilionário que aspira ser secretário do Tesouro, e senadores como Bill Hagerty, do Tennessee, ou Tom Cotton, do Arkansas, que são considerados candidatos a secretário de Estado e defesa, respectivamente. Mas o círculo interno de Trump é composto principalmente de bajuladores e oportunistas. Uma caquistocracia é uma sociedade governada pelos piores e menos qualificados. Pode ser uma palavra útil de conhecer nos próximos quatro anos.

Protetores sem princípios

O secretário de segurança interna de Trump, seja ele quem for, enfrentará a difícil tarefa de realizar uma caça em massa aos imigrantes ilegais, provavelmente diante da resistência pública generalizada. Ainda mais importante será a escolha de Trump para procurador-geral. Embora os democratas tenham atacado Jeff Sessions e Bill Barr, procuradores-gerais em seu primeiro mandato, por ignorar a lei e ceder às preferências de Trump, ambos acabaram tendo mais coragem do que Trump, pelo menos, considerou apropriado. É provável que ele escolha um candidato mais flexível desta vez.

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O presidente eleito tem planos abrangentes para o Departamento de Justiça: ele quer abolir sua independência e transformá-lo em um exército jurídico pessoal para realizar processos seletivos contra seus inimigos políticos. Ele vê isso como vingança pelos processos que teve de suportar. Embora os juízes federais provavelmente ponham fim ao pior dos impulsos de Trump, suas intervenções também se tornarão menos frequentes conforme as nomeações do presidente mudarem gradualmente a composição do judiciário.

J.D. Vance, o vice-presidente eleito, é um acólito ávido do trumpismo que é o aparente herdeiro do movimento quando o tempo de Trump no poder terminar, em 2029. Foto: AP Photo/Evan Vucci

Trump se estabeleceu claramente como uma figura transformadora na política americana. Ele remodelou completamente o conservadorismo americano, convertendo-o à força em nativismo, mercantilismo, estatismo de bem-estar social e isolacionismo. A velha elite republicana, cujos membros se recusaram a apoiá-lo ou até mesmo endossaram Kamala, foi jogada para fora. Ao contrário de Mike Pence, J.D. Vance, o vice-presidente eleito, é um acólito ávido do trumpismo que é o aparente herdeiro do movimento quando o tempo de Trump no poder terminar, em 2029.

A revolução trumpista não apenas capturou o controle do Partido Republicano e da Casa Branca (de novo), mas também está estimulando uma reforma na maneira como os partidos de direita em todo o mundo concebem o conservadorismo. O populismo trumpista está em marcha. Os democratas, como a derrota de Kamala ilustra vividamente, ainda precisam encontrar uma fórmula para interromper seu progresso. Pior, muitos deles também parecem estar em negação quanto à extensão do problema. A constituição dos Estados Unidos pode limitar Trump a apenas mais um mandato no cargo, mas não fornece nenhuma restrição à disseminação de suas ideias./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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