As próximas grandes eleições nacionais nos Estados Unidos ocorrem nesta terça-feira, 8. O presidente Joe Biden não estará nas cédulas, mas os indivíduos eleitos para o Congresso e para cargos estaduais e locais surtirão um grande impacto sobre o que ele será capaz de fazer no restante de seu primeiro mandato — e sobre a vida dos americanos ao longo dos dois próximos anos.
Essas eleições são chamadas de “midterms” (pois ocorrem exatamente na metade dos mandatos presidenciais). Veja o que você precisa saber para entender as notícias sobre elas.
O que está em disputa?
Grande parte do Congresso. A cada dois anos, todos os assentos da Câmara dos Deputados são renovados por meio do voto popular. No Senado, a coisa é um pouco diferente. Cerca de um terço dos assentos do Senado — de cem membros — está em jogo, porque os senadores cumprem mandatos de seis anos.
Muitos Estados alinham suas eleições a esse cronograma, o que significa que 36 cargos de governador, assim como postos de autoridade estadual eleitoral e milhares de assentos de legislador estadual, além de outras posições em nível ainda mais local, estão em disputa. Acrescente a isso vários referendos sobre projetos de lei para mudanças de políticas estaduais — como em relação ao aborto — e uma única temporada eleitoral tem capacidade de transformar o país.
Quando são as eleições de meio de mandato?
O dia da votação é 8 de novembro. Quem está registrado para votar poderá escolher pelo menos um deputado federal para representar a região em que vive (exceto se você viver no Distrito de Colúmbia ou nos territórios dos EUA)
Os democratas poderiam perder o controle do Congresso?
Sim. Esta é uma das grandes interrogações desta eleição: Biden terá um Congresso controlado pelos democratas no restante de seu primeiro mandato? Ou os republicanos assumirão o controle de uma ou ambas as Câmaras do Congresso, o que lhes conferirá poder para bloquear a agenda de Biden?
De fato, uma das tendências mais certeiras na política americana é que o partido que ocupa a Casa Branca perde assentos nas eleições de meio de mandato. Por décadas, “a expectativa costumeira para o partido no poder é um toque de alerta” nas eleições de meio de mandato, afirmou a historiadora presidencial Laura Smith, da Universidade de Oxford. “Os americanos tendem a votar em governo dividido nas eleições de meio de mandato, como uma maneira de dar um tapa na cara do presidente incumbente.”
De acordo com a média de pesquisas FiveThirtyEight, Biden é amplamente impopular, e cerca de 54% dos americanos desaprovam seu governo.
Mas os democratas obtiveram um impulso inesperado de dois acontecimentos: o fim das proteções nacionais ao aborto nos EUA e a ascensão de republicanos negacionistas de eleições em disputas cruciais.
Como está a batalha pela Câmara dos Deputados?
Os republicanos precisam conquistar apenas cinco assentos a mais dos que possuem para reassumir a maioria da Câmara. Historicamente, a impopularidade de um presidente se traduz em perdas de dezenas de assentos de deputado nas eleições de meio de mandato.
Além disso, os republicanos podem já ter assegurado sua maioria por meio de alterações em circunscrições eleitorais. A cada dez anos, os Estados devem redesenhar seus distritos de representação no Congresso e nos Legislativos estaduais com base em novos dados do censo. O objetivo é refletir mudanças demográficas, mas muitos políticos estaduais usam a oportunidade para afirmar o controle de seu partido em distritos de representação no Congresso e nos Legislativos estaduais (um processo conhecido como gerrymandering).
Republicanos tendem a ser mais agressivos do que democratas nessas manobras, então eles devem ter redesenhado distritos para se colocar no poder ou se aproximar disso, de acordo com um rastreador de redesenhos distritais dos analistas eleitorais da iniciativa apartidária Cook Political Report.
Como está a batalha pelo Senado?
A maioria dos democratas no Senado é ainda mais precária do que na Câmara — pelo menos no papel. Os republicanos precisam tomar apenas um assento dos democratas para reassumir o controle do Senado pelos próximos dois anos.
Mas algumas das disputas mais competitivas pelo Senado são em Estados nos quais Biden venceu em 2020, e os eleitores republicanos, pode-se argumentar, indicaram candidatos mais extremos. O Post consultou candidatos para 19 disputas para governos e o Senado, e 12 republicanos se recusaram a responder se aceitariam os resultados das eleições. Outros estão tendo de recuar de seu apoio estrito a banimentos ao aborto, que são amplamente impopulares entre os eleitores.
O que poderia acontecer se os republicanos assumirem o controle do Congresso?
Os republicanos têm sinalizado intenções de que se antagonizarão ativamente à agenda de Biden e do Partido Democrata caso conquistem alguma maioria. Eles têm ameaçado retaliar contra os democratas em razão da investigação sobre o ataque de 6 de janeiro de 2021 contra o Capitólio dos EUA ou por censurar congressistas republicanos controvertidos; eles também ameaçam investigar o governo Biden e o filho do presidente, Hunter.
Nas semanas recentes, o líder da minoria na Câmara, Kevin McCarthy (republicano da Califórnia) conversou com o Punchbowl News sobre os planos do Partido Republicano caso assuma o controle da Casa. Ele afirmou que o partido usaria uma luta futura sobre o aumento do teto de endividamento como mobilização, para forçar o governo a cortar gastos. Ele também sugeriu que poderá haver limites sobre ajudas adicionais à Ucrânia.
Os republicanos ainda não formalizaram uma agenda política para a eventualidade de reconquistar o controle do Senado. (O líder da minoria no Senado, Mitch McConnell (republicano do Kentucky), afirmou que vai esperar até que os republicanos realmente reconquistem o Senado, mas outros líderes republicanos estão impulsionando debates a respeito de o Congresso ser forçado a renovar programas de seguridade social, como Social Security e Medicare). O Senado tem capacidade de bloquear nomeações de Biden para cargos políticos e no Judiciário — incluindo na possibilidade de haver alguma abertura inesperada na Suprema Corte. E alguns republicanos se uniriam em torno da perspectiva de aprovar uma lei nacional de banimento ao aborto, apesar de líderes do partido parecerem rejeitar essa manobra neste instante.
O que poderia acontecer se os democratas mantiverem o controle do Congresso?
Eles avançariam com prioridades progressistas, como expansão da rede se seguridade social. Outra prioridade seria limitar o que o ex-presidente Donald Trump seja capaz de fazer. Alguns deputados democratas já propuseram um projeto de lei que dificultaria para um presidente extirpar funcionários do governo que não concordem como ele e fortalecer proteções para delatores que trabalham no governo federal. Mas assim como a maioria dos projetos mais controvertidos no Congresso, os republicanos poderiam facilmente bloquear essa proposta no Senado com o mecanismo de obstrução.
É possível — apesar de improvável — que os democratas ampliem sua maioria no Senado e conquistem votos suficientes para contornar obstruções em assuntos importantes para seu partido, como direitos eleitorais e controle de armas de fogo. Eles também poderiam se mobilizar para codificar o direito ao aborto e o casamento entre pessoas do mesmo em leis federais.
“Se vocês me derem dois senadores a mais no Senado dos Estados Unidos”, afirmou Biden recentemente, “eu lhes prometo, eu lhes prometo que vamos codificar Roe e tornar Roe novamente a regra no país”.
E as disputas pelos governos e legislaturas estaduais?
Elas são tão importantes quanto as eleições para o Congresso, porque grande parte do que incendeia nosso debate nacional neste momento — aborto, democracia, manipulação de distritos eleitorais — é em última instância decidido nos Estados.
Algumas das maiores corridas para o governo ocorrem em Estados divididos na eleição presidencial, noticiam Dan Balz e Marianna Sotomayor, do Post. Se os republicanos conquistarem as sedes de governo em Wisconsin, Michigan e Pensilvânia, eles poderão controlar completamente as máquinas públicas desses Estados.
Republicanos dominam legislaturas estaduais, como têm controlado há uma década. Eles esperam agora tomar dos democratas o controle das Câmaras de Colorado, Nevada e Maine. “Os democratas estão jogando mais na defensiva este ano”, afirmou a estrategista democrata Carolyn Fiddler, que tem foco em disputas de legislaturas estaduais.
Também há as disputas para secretário estadual, a principal eleição regional em muitos Estados. Em Arizona, Nevada e outros Estados, os republicanos indicaram negacionistas de eleições, que caso assumam teriam capacidade de questionar resultados legítimos de votações.
Quais os temas mais importantes para os eleitores?
Economia, aborto e inflação — nesta ordem, segundo pesquisa Post-ABC.
Os democratas não tinham certeza sobre o que falariam para motivar os eleitores nestas eleições, até que uma Suprema Corte conservadora anulou a decisão em Roe versus Wade, colocando fim a 50 anos de proteções federais ao direito ao aborto. Os democratas estão do lado da maioria da opinião pública, conforme sublinhado este verão no conservador Kansas, que rejeitou uma proposta que abria a porta para o banimento do aborto.
Os republicanos tentam levar a discussão das campanhas para onde consideram os democratas mais fracos: os preços da gasolina e dos alimentos; e as preocupações de alguns eleitores com criminalidade e imigração ilegal. Sua estratégia implica em algum risco: democratas acusam republicanos de usar linguagem racista codificada em relação a criminalidade, e a pesquisa Post-ABC constata que nenhum partido lidera na questão da imigração.
E apesar da inflação continuar alta, a pesquisa mostra que os eleitores estão divididos a respeito da magnitude do problema que ela representa para eles. A confiança do eleitor na economia está voltando em certa medida, enquanto pelo menos o preço da gasolina baixa.
Em sua campanha para as eleições de meio de mandato, Biden liderou seu partido na caracterização de alguns setores do Partido Republicano como antidemocráticos. “Republicanos MAGA (trumpistas) não respeitam a Constituição. Eles não acreditam no estado de direito. Eles não reconhecem a vontade do povo”, afirmou Biden em um discurso recente. Mas suas palavras provavelmente ressoaram apenas na base democrata: a pesquisa mostra que, apesar de muitos eleitores classificarem “ameaças à democracia” como uma de suas maiores preocupações, seu conceito de “ameaça” pode variar vertiginosamente dependendo de seu partido.
Quem são os candidatos?
Nós podemos obter uma boa amostra das grandes narrativas nas eleições de meio de mandato de 2022 colocando o foco em quatro Estados divididos: Michigan, Wisconsin, Pensilvânia e Arizona.
Todos os quatro têm disputas acirradas para o governo e negacionistas de eleições concorrendo para cargos estaduais; a maioria tem grandes corridas para o Senado. Michigan também realizará um importante referendo sobre direitos ao aborto.
Apesar de sua natureza oscilante entre democratas e republicanos, todos esses quatro Estados também possuem legislaturas estaduais controladas pelos republicanos e circunscrições eleitorais pesadamente manipuladas — o que requereria dos democratas um esforço hercúleo para vencer.
O que acontece se negacionistas de eleições conquistarem posições importantes?
Em muitas primárias do Partido Republicano, entre a primavera e o verão, negar o resultado da eleição de 2020 foi o preço do ingresso. Isso significa que negacionistas de eleições deverão vencer disputas para o Congresso, virar senadores, talvez, e até governadores e secretários estaduais. E isso significa que, a partir do próximo ano, negacionistas de eleições podem estar incumbidos de supervisionar eleições em seus Estados, incluindo em Estados divididos politicamente cruciais para a eleição presidencial de 2024. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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