O cruzador Moskva, navio-símbolo da frota russa do Mar Negro que afundou na última quinta-feira, 14, era uma embarcação altamente simbólica que participou de numerosas operações militares e também serviu de ferramenta da diplomacia russa. Sua perda é um significativo revés para a capacidade de fogo da Rússia no mar.
O motivo do naufrágio se tornou alvo de uma guerra de narrativas entre Rússia e Ucrânia. Moscou diz que o navio ficou danificado após um incêndio causado pela explosão de uma munição. Kiev, por outro lado, disse ter abatido a embarcação com um míssil Netuno.
Nesta sexta-feira, 15, os EUA corroboraram a versão ucraniana ao afirmar que dois mísseis Netuno afundaram o navio. A informação representa uma derrota simbólica para a Rússia, não só pela perda do navio, como pelo uso de uma nova munição na guerra que daria mais capacidade à Ucrânia de mirar alvos no mar.
Abaixo, tudo o que se sabe até o momento sobre o Moskva, o que diz cada lado e quais as consequências do naufrágio:
O que é o Moskva?
Moskva é a pronúncia russa do nome da capital, Moscou. Ele é um cruzador de mísseis guiados e foi originalmente construído para destruir porta-aviões dos Estados Unidos. De acordo com a agência de notícias russa Tass, o Moskva entrou em serviço em 1983 e carregava uma relíquia cristã reverenciada, um pedaço da Vera Cruz, sobre a qual alguns acreditam que Jesus foi crucificado.
Com mais de 180 metros de comprimento e pesando 12.500 toneladas, de acordo com agências de notícias russas, o Moskva era um dos maiores navios da Marinha Russa e o carro-chefe de sua frota no Mar Negro. Esse corpo de água, cujo litoral é compartilhado com vários outros países, incluindo Ucrânia, Geórgia e Turquia, tem importância estratégica para a Rússia há séculos.
Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro, o Moskva – armado com 16 lançadores de mísseis Vulkan com um alcance de ataque de mais de 600 Km, segundo a mídia estatal russa – e o resto da frota do Mar Negro lançaram mísseis na Ucrânia várias vezes. Os navios também cortaram o acesso da Ucrânia ao mar e a salvação econômica que ele fornecia.
Por que ele afundou?
Uma explosão ocorreu na noite de quarta-feira, 13, quando o navio estava a cerca de 120 quilômetros do porto ucraniano de Odessa, no Mar Negro, disse um alto funcionário da defesa dos EUA ao The Washington Post. A embarcação sofreu danos graves e afundou no caminho de volta ao porto na quinta-feira, 14.
As causas da explosão, no entanto, foram alvo de controvérsias. A Ucrânia disse que suas forças dispararam mísseis antinavio Netuno contra o Moskva, causando uma grande explosão que acabou derrubando o navio durante uma tempestade.
A Rússia disse que um incêndio a bordo causou a detonação dos estoques de munição, forçando a evacuação da maioria de sua tripulação de 500 pessoas. Enquanto o Moskva estava sendo rebocado para o porto, afundou por causa de uma “tempestade forte”, disse o Ministério da Defesa russo. Não ficou claro se algum membro da tripulação morreu.
Os EUA já diziam deste quinta que a versão ucraniana era a mais crível. No início da tarde de sexta, um funcionário do Pentágono falando sob condição de anonimato disse dois mísseis ucranianos Netuno atingiram o navio principal da Rússia. Segundo ele, houve várias baixas entre a tripulação, mas não forneceu números.
O que significa a perda do Moskva na guerra?
Embora analistas militares tenham dito que a perda do Moskva provavelmente não alteraria o curso da guerra, foi uma vergonha para os militares russos, que gastaram bilhões de dólares para modernizar seu armamento.
O navio tinha a capacidade de causar “danos significativos” no Mar Negro, disse Gary Roughead, almirante aposentado e ex-chefe de operações navais dos Estados Unidos. Ele acrescentou que, com o fim da Moskva, a Rússia provavelmente perdeu uma importante plataforma de comunicações e controles.
Segundo estimativas da Forbes Ucrânia, a perda do Moskva foi estimada em US$ 750 milhões à Rússia, a perda militar mais cara na guerra até o momento.
A embarcação também era um símbolo de orgulho nacional. Seu nome anterior era Slava (Glória, em português) quando foi colocada em serviço pela primeira vez para a Marinha Soviética no início dos anos 80. Foi renomeado em homenagem à capital russa em 1996, de acordo com a mídia estatal russa.
“Imagine o porta-aviões USS George Washington indo para o fundo do Oceano Pacífico”, disse James Stavridis, almirante aposentado da Marinha dos EUA e ex-comandante supremo aliado da Otan, sobre o simbolismo do navio.
“É um golpe significativo para o prestígio deles perder algo assim”, disse o almirante Roughead, acrescentando: “Isso põe em dúvida a prontidão da frota”.
Onde ele já atuou?
O primeiro conflito em que participou foi o da Geórgia em agosto de 2008. A Rússia não informou quais foram suas missões, mas um alto responsável militar georgiano indicou que a embarcação entrou no porto de Ochamchire para bombardear as forças georgianas, que acabaram perdendo na época a única região que estava sob o seu controle no território dos separatistas.
Depois, em setembro de 2015, o Moskva foi enviado para ajudar o regime de Bashar Assad na guerra na Síria, no Mediterrâneo oriental, para assegurar, segundo o Ministério da Defesa russo, a proteção da base russa de Hmeymim. Pouco depois, Vladimir Putin entregou para toda a tripulação a ordem Nakhimov em reconhecimento por sua “coragem e determinação”.
A partir da cidade de Sevastopol, que abriga a base da frota russa que está no Mar Negro, na península da Crimeia, anexada por Moscou em 2014, o Moskva participa da ofensiva lançada em 24 de fevereiro por Vladimir Putin contra a Ucrânia.
Em uma troca de mensagens de rádio que viralizou no início do conflito, os guardas fronteiriços ucranianos da pequena ilha das Serpentes responderam com palavrões ao ultimato feito pelos russos para que se rendessem. Pouco depois, o Moskva e outra embarcação bombardearam a ilha e tomaram como prisioneiros os militares ucranianos.
O navio também participou de missões diplomáticas. Quando ainda levava o nome Slava, participou da Cúpula de Malta que reuniu o dirigente soviético Mikhail Gorbachev com o presidente americano George Bush, que ocorreu no navio Maxim Gorky em dezembro de 1989, pouco depois da queda do muro de Berlim. O navio também participou da conferência para o desarmamento de Yalta, em agosto de 1990.
Várias autoridades estrangeiras subiram a bordo da embarcação. Em agosto de 2014, Putin recebeu com honras militares o presidente egípcio Abdel Fattah al Sissi e, em uma visita à Itália, recebeu o então chefe de governo Silvio Berlusconi.
Como funciona um míssil Netuno, que a Ucrânia usou?
O Netuno é um míssil antinavio que a Ucrânia começou a desenvolver em 2013 como um impedimento contra o poder marítimo russo em sua costa sudeste.
Ele é baseado em um modelo russo mais antigo, o KH-35, que a Ucrânia também estava envolvida na produção. Disparado de um lançador montado em um caminhão, o míssil tem um alcance máximo de 278 Km a 300 Km.
Segundo o Kyiv Post, a primeira versão do Netuno chegou à Ucrânia em março do ano passado e tem a capacidade de destruir embarcações de até 5.000 toneladas. Ele é projetado para voar perto da superfície do mar, o que dificulta a detecção.
Esta seria a primeira vez que a Ucrânia teria utilizado o armamento na guerra e também o primeiro ataque ucraniano bem-sucedido a um grande navio de guerra russo no mar e não no porto./AFP, NYT e W.POST
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