Sem aparecer publicamente desde 11 de abril e com a imprensa oficial em silêncio sobre seu paradeiro, os rumores sobre o estado de saúde do líder norte-coreano Kim Jong-un crescem. À medida que os dias passam e as notícias não chegam, surgem especulações até mesmo sobre o futuro do governo, liderado pela família Kim desde 1948.
Veja abaixo algumas perguntas respondidas pelo Estado com a ajuda de dois pesquisadores: o professor Pedro Brites, da FGV, que fez seu doutorado sobre a Coreia do Norte, e o pesquisador Sung-Yoon Lee, especialista em estudos coreanos da Fletcher School na Universidade de Tufts, dos Estados Unidos.
O que sabe sobre a saúde de Kim Jong-un?
Kim foi submetido a uma cirurgia cardíaca há algumas semanas e sofreu complicações. Dúvidas sobre seu estado de saúde aumentaram quando ele deixou de participar de um importante evento público. Kim tem 36 anos, está acima do peso e já foi visto fumando mais de uma vez. Sua família tem histórico de problemas no coração. Uma comitiva de médicos chineses foi enviada para o país no fim da semana. Houve relatos em sites internacionais e nas redes sociais de que ele estaria até mesmo em estado vegetativo ou com morte cerebral.
Nenhuma fonte oficial confirmou a informação. Nesta segunda, um conselheiro de segurança do presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, afirmou que Kim estaria "vivo e bem". O governo norte-coreano enviou uma mensagem de agradecimento a um grupo de trabalhadores, em um recado reproduzido pela propaganda estatal, mas Kim não foi visto.
Kim estaria em um resort?
Imagens de satélite mostraram um trem pertencente a Kim Jong-un no leste da Coreia do Norte no domingo. Ele tem um resort de férias na região de Wonsan. Os governos da Coreia do Sul e dos Estados Unidos demonstram ceticismo sobre problemas em seu estado de saúde e têm negado quaisquer suspeitas.
Por que não se fala em seu estado de saúde?
A Coreia do Norte é um dos regimes mais fechados do mundo. É difícil obter informações do país sem ser pela via oficial, fortemente controlada pelo governo. Observadores norte-coreanos afirmam que não seria a primeira vez que um líder do país fica sem aparecer publicamente por algumas semanas. Dados sobre a saúde do comandante do país são interesse de segurança nacional. "Caso tenha acontecido algo com ele, só ficaremos sabendo um tempo depois, quando a situação já tiver se estabilizado", explica Pedro Brites, professor de relações internacionais da FGV que fez doutorado sobre a política norte-coreana.
Como ficaria uma eventual sucessão?
A Coreia do Norte nunca divulgou oficialmente sua linha de sucessão. Kim tem três filhos, sendo o mais velho com 10 anos. Analistas avaliam que, no momento, quem tem mais chance de assumir o poder é sua irmã mais nova, Kim Yo-jong.
Quem é Kim Yo-jong, a irmã mais nova de Kim Jong-un?
Ela tem sido umas figuras mais presentes nas aparições públicas de Kim nos últimos dois anos. Oficialmente, ocupa o cargo de vice-diretora do comitê do partido que governa o país, mas na prática atua como chefe de gabinete de Kim. Ela também já foi responsável pela propaganda do governo. Kim Yo-jong fala inglês e francês fluente e estudou na Suíça durante um período de sua vida. "Ao que tudo indica, a irmã parece a sucessora provável porque já vinha assumindo papéis de destaque em decisões políticas", explica Brites.
Yo-jong, que nasceu entre 1988 ou 1989 (não se sabe ao certo) chefiou delegações importantes, como a histórica missão à Coreia do Sul e os encontros com o presidente Xi Jinping, da China, e com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. "Mas não dá para ter certeza de como as elites políticas e militares entendem esse processo - e se iriam legitimar uma transição de poder para ela. O próprio Kim foi contestado no começo de seu governo por sua idade (tinha 27 anos)".
Tio de Kim Jong-un
Outra pessoa citada é o tio de Kim Jong-un, irmão do antigo líder Kim Jong-il. Kim Pyong-il é diplomata e após mais de 30 anos atuando em países europeus, voltou para a Coreia do Norte recentemnte. Ele lembra fisicamente o pai e, em um país onde o culto à personalidade da família Kim é tão forte, esse é um ponto a se valorizar, dizem analistas.
Um novo governo seria tão fechado quanto este?
Tudo indica que sim. Isso porque o modelo de governo é o da repressão interna e o de "exportar insegurança", explica o professor Sung-Yoon Lee, pesquisador de estudos coreanos da Fletcher School na Universidade de Tufts, nos Estados Unidos. Ele avalia que as provocações estratégicas como os testes nucleares e os mísseis balísticos intercontinentais fazem a Coreia do Norte ter o respeito de vizinhos como a Coreia do Sul, China, Rússia e Estados Unidos.
"Ser 'bonzinho' só faria da nação atrasada ser um alvo a ser moldado e, depois, subjugado", explica Lee. "Enfrentar um estado sul-coreano muito mais rico e mais livre do outro lado da fronteira, que é um ímã para o povo norte-coreano, significa que tudo o que a Coreia do Norte tem para ganhar em relação a Seul e a Washington é maximizar o único índice de poder que lhe dá vantagem: a ameaça militar", diz Lee, que já foi pesquisador do tema na Universidade de Harvard e deu aulas na Universidade Nacional de Seul.
"Kim Yo-jong teria muito a provar: teria de agir com a firmeza no início de seu (eventual) governo, expurgando oficiais do alto escalão que saiam da linha - como fizeram seu irmão e pai antes. Apesar de ela trazer uma imagem feminina mais suave, não há razão para que ela seja mais gentil e tenha uma mente reformista. Isso iria contra sua longevidade ou um longo reinado".
Há chances de revoltas populares caso o governo mude?
"As partes interessadas sob o comando do novo líder terão fortes incentivos para proteger seus próprios interesses", responde o professor Lee. Segundo ele, o país tem um culto à personalidade muito forte, exigindo que seria necessário alguém da família Kim a governar o país.
"Não há indícios de que o país tenha mobilização social significativa, genuína e organizada para isso. Há o controle das mídias sociais que o governo estabelece. Não vejo possibilidade de ruptura da ordem social", afirma o professor Pedro Brites, da FGV.
Existe possibilidade de reunificação entre as duas Coreias?
Nesse momento, é pouco provável. A península coreana foi uma só unidade política por mais de mil anos - de 935 depois de Cristo até 1945 -, lembra o professor Sung-Yoon Lee. Ele explica que ela foi dividida em norte e sul pelos principais vencedores da Segunda Guerra Mundial - Estados Unidos e União Soviética. Com o tempo, a Coreia do Norte virou uma tirania retrógrada, enquanto a Coreia do Sul, uma democracia rica.
Ele explica que, pelos índices convencionais de medição do poder - militar, econômico, tamanho do território e da população, entre outros - a Coreia do Norte fica muito atrás, exceto no campo do poder militar. "A Coreia do Norte gasta cerca de um terço do seu PIB em defesa, de longe a mais alta porcentagem dentre todas as nações do mundo. O regime opta por não gastar sua riqueza em importações de alimentos. O povo está com fome e má nutrição não porque o regime de Kim é pobre, mas por suas prioridades perversas".
"A Coreia do Norte diz que a 'tarefa nacional suprema' é a reunificação da península. O regime de Kim é muito sério sobre isso. Por quê? Porque a Coreia do Sul é literalmente 50 vezes mais rica, incomensuravelmente mais livre e um ímã para o povo norte-coreano. Essa disparidade de renda, de longe a maior do mundo entre dois estados vizinhos, só aumentará com o tempo", explica Lee.
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