A autobiografia do príncipe Harry, o Duque de Sussex, nem foi lançada ainda e já tem provocado um rebuliço na monarquia britânica. Chamado de Spare (O que sobra, em português), o livro traz detalhes sobre o relacionamento ruim de Harry com o irmão, William, príncipe de Gales, principalmente depois de seu casamento com Meghan Markle, além de bastidores da relação dele com o pai, o rei Charles III.
O livro terá lançamento mundial em 10 de janeiro. No entanto, alguns veículos de imprensa - como o jornal britânico The Guardian - tiveram acesso antecipado ao livro. Outros aproveitaram que por algumas horas o livro foi acidentalmente colocado à venda, na quinta-feira, 5, pela livraria espanhola Casa del Libro. Ao perceber o erro, o estabelecimento rapidamente o retirou de circulação.
Vias de fato com William
O jornal britânico The Guardian antecipou um trecho da biografia em que Harry afirma ter sido agredido fisicamente pelo irmão em 2019, quando a relação entre os dois já estava em frangalhos depois do casamento com Meghan.
A discussão teria começado na cozinha com William chamando a atriz americana de “difícil” e “rude”. A situação escalou e, segundo Harry, William o agarrou pelo colarinho, rasgando a gola da camisa e... o jogou no chão”.
“Caí na tigela do cachorro, que rachou nas minhas costas, os pedaços me cortando. Fiquei ali por um momento, atordoado, depois me levantei e disse a ele para ir embora’', escreveu Harry sobre o confronto entre os príncipes, que teria acontecido no Palácio de Kensington, nas dependências conhecidas como Nottingham Cottage.
William teria reagido o incentivando a revidar, mas depois voltou parecendo arrependido e se desculpou, pedindo que ele não contasse sobre o caso para Meghan - que, segundo Harry, só ficou sabendo do ocorrido depois, quando perguntou ao marido sobre os arranhões provocados pela briga.
Mensagem de Diana
Harry descreve, segundo o The Guardian, como sua tristeza pela morte da mãe, a princesa Diana, o levou a buscar a ajuda de uma mulher que “afirmava ter ‘poderes’” e ser capaz de transmitir uma mensagem. Diana morreu em um acidente de carro em Paris em 1997, quando Harry tinha 12 anos.
A descrição da visita à mulher – que Harry não chama de “psíquica” ou “médium” – vem no final do livro. Harry escreve sobre sua mãe e sua dor ao longo do livro, em um ponto descrevendo repetidas viagens pelo túnel em Paris em que ela morreu, em uma tentativa de entender o que aconteceu.
Seu relato do que ele diz ser uma conversa com sua mãe morta é curto. Harry não diz onde aconteceu o encontro, nem quando. E não cita o nome da mulher envolvida.
O príncipe diz que “sabe da alta chance de trapaça” nessas situações, mas foi conhecer a mulher porque amigos de confiança a recomendaram. “No minuto em que nos sentamos juntos”, escreve ele, “senti uma energia ao seu redor”.
Segundo o relato, a mulher disse a ele que sentiu uma energia ao seu redor também: “Sua mãe está com você”.
Harry respondeu: “Eu sei. Tenho sentido isso ultimamente”. A mulher, ele escreve, disse que sua mãe estava com ele “agora”. Harry diz que seu pescoço ficou quente e seus olhos lacrimejaram.
A mulher disse a Harry que sua mãe sabia que ele estava “procurando clareza”, “sentia sua confusão”, e sabia que ele tinha “tantas perguntas”, mas que as respostas viriam com o tempo.
Segundo o livro, a mulher lhe falou que Diana disse: “Você está vivendo a vida que ela não pode. Você está vivendo a vida que ela queria para você”.
Harry diz que queria acreditar na mulher, mas precisava de “provas”. Um desses sinais oferecidos pela mulher envolvia uma história sobre um enfeite e uma alegação de que sua mãe sabia disso porque “ela estava lá”. No início do livro, Harry conta como um enfeite de árvore de Natal no formato de sua avó, a Rainha Elizabeth II, foi acidentalmente quebrado por seu filho, Archie.
A mulher, ele escreve, repetiu que sua mãe estava lá quando o incidente aconteceu, dizendo: “Sua mãe disse algo sobre um enfeite de Natal? De uma mãe? Ou uma avó? Caiu? Quebrou?”
Harry disse: “Archie tentou consertar.” A mulher disse: “Sua mãe diz que ela riu um pouco disso.”
Fantasia nazista em 2005
No livro, Harry afirma que William e a mulher dele, Kate Middleton, o incentivaram a se vestir como um guarda nazista em uma festa em 2005. À época, Harry tinha 20 anos, e William e Kate, 23. A foto foi parar nos tabloides britânicos e provocou um escândalo na família real, cerca de oito anos depois da morte da princesa Diana, mãe dos dois irmãos. Os trechos do livro foram obtidos pelo site americano Page Six e republicados pela Bloomberg.
Harry conta no livro que telefonou para o irmão e a cunhada - à época namorada do herdeiro do trono - sobre se ele deveria escolher a fantasia de um piloto de avião ou de um guarda nazista para uma festa à fantasia cujo propósito era que os convidados se vestissem com roupas esdrúxulas. Segundo ele, o casal sugeriu que a fantasia de nazista era melhor.
“Liguei para William e Kate e perguntei o que eles achavam. Eles riram muito do uniforme nazista. ‘É melhor ainda que a fantasia de leão com pantufas de William, muito mais ridículo. E é esse o ponto”, diz o trecho.
Desgosto paterno
Em um outro trecho, que narra o funeral de avô de Harry, o príncipe Phillip, morto em 2021, o príncipe narra um diálogo entre ele e William, brigados desde a saída do Duque de Sussex da família real, em 2020.
“Por favor, meninos. Não façam do final da minha vida um inferno”, disse o rei Charles III, à época ainda herdeiro do trono.
O livro também menciona como o rei Charles III fazia piadas “sádicas” sobre o James Hewitt, que fio amante de Diana, e as brincadeiras de ele ser o “verdadeiro pai de Harry”, que cresceu ouvindo rumores sobre sua semelhança com Hewitt, relatou o site Page Six.
Drogas e guerra
O príncipe também admite ter usado cocaína aos 17 anos. “Na casa de alguém, durante um fim de semana de caça, eles me ofereceram uma carreira e, desde então, usei mais algumas”, relatou, segundo o canal de televisão Sky News. “Não era muito divertido (...) mas fazia eu me sentir diferente”, citou o site do canal, que também mencionou sobre como Harry perdeu a virgindade em “um episódio humilhante com uma mulher mais velha” que o tratou como um “jovem garanhão”.
O príncipe também admite, sem “medo desse número”, que matou 25 taleban quando atuou como piloto de helicóptero no Afeganistão, considerando os seus alvos como “peças de xadrez”, segundo o jornal Daily Telegraph.
O Palácio de Buckingham não comentou os trechos, seguindo a falta de resposta ao documentário da Netflix. Recentemente, o rei Charles III divulgou a notícia de que Harry seria convidado para sua coroação em maio, sugerindo que ele gostaria de superar o rancor e desempenhar um papel de conciliação na família. “Ele evitou, com razão, entrar em um jogo contra Harry e Meghan”, disse Vernon Bogdanor, professor de governo do King’s College London, que escreveu sobre o papel constitucional da monarquia.
Em trechos de uma entrevista para as emissoras ITV no Reino Unido e CBS nos Estados Unidos, transmitidas esta semana antes do lançamento do livro, Harry afirmou que quer “uma família, não uma instituição”. “Gostaria de ter meu pai de volta. Gostaria de ter meu irmão de volta”, disse Harry. /AP e NYT
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