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O que significa para o mundo a aliança entre Kim Jong-un e Putin? Leia análise

Kim Jong-un tem estoques de munição que a Rússia deseja enquanto continua sua guerra na Ucrânia, e a Coreia do Norte pode receber em troca tecnologia avançada e a ajuda alimentar que tanto precisa

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Por Paul Sonne e Valeriya Safronova

THE NEW YORK TIMES — Quando o líder norte-coreano, Kim Jong-un, visitou o presidente russo, Vladimir Putin, quatro anos atrás, sua viagem foi principalmente uma mostra de diplomacia. Mas nesta semana Kim visitará Putin pela segunda vez com a capacidade de fornecer algo que o Kremlin precisa desesperadamente: munições que podem ajudar as forças da Rússia na Ucrânia.

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A reunião, anunciada na segunda-feira por ambos os governos, ocorre num momento em que Putin busca apoio para seu impasse contra os Estados Unidos e a Otan cortejando líderes de outros países que se opõem ao domínio do Ocidente. Alguns deles, como o Irã, forneceram ajuda militar direta para a Rússia em sua guerra na Ucrânia, enquanto outros, como a Índia, recusaram-se resolutamente a condenar a agressão russa.

Em um breve comunicado, o Kremlin afirmou que Kim faria “uma visita oficial à Federação Russa nos próximos dias” a convite de Putin. A agência oficial de notícias da Coreia do Norte confirmou que Kim visitaria proximamente a Rússia para reunir-se com Putin, mas não deu maiores detalhes.

O presidente russo, Vladimir Putin, no centro à direita, e o líder da Coreia do Norte, Kim Jong Un, apertam as mãos durante sua reunião em Vladivostok, Rússia, na quinta-feira, 25 de abril de 2019. Foto: Yuri Kadobnov / AP

Nenhum dos lados disse quando a reunião ocorreria, mas a expectativa é que os líderes se encontrem na cidade portuária de Vladivostok, no leste russo, onde Putin participará de um fórum econômico esta semana.

Da última vez que Kim visitou a Rússia, ele viajou para Vladivostok a bordo de um vagaroso trem blindado, o meio preferido do norte-coreano se locomover em suas raras viagens ao exterior. Um trem parecido ao usado na viagem anterior foi avistado rumando para o norte nesta segunda-feira, em direção a Vladivostok, que fica a cerca de 1.130 quilômetros da capital norte-coreana, Pyongyang.

Kim e Putin deverão discutir cooperação militar entre seus países, incluindo a possibilidade da Coreia do Norte fornecer à Rússia mais armas para a guerra na Ucrânia, disseram ao The New York Times autoridades americanas e de países aliados na semana passada. Desde 2022, autoridades americanas afirmam repetidamente que a Coreia do Norte tem enviado projéteis e foguetes para a Rússia.

A Coreia do Norte é um dos países mais fortemente militarizados no planeta e, segundo analistas, mantém um grande excedente de munições porque não trava nenhuma guerra desde 1953.

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Em troca, afirmaram as autoridades, Kim gostaria que a Rússia fornecesse tecnologia avançada para satélites e submarinos nucleares, além de ajuda alimentar. Se algum tipo de acordo mutuamente benéfico for alcançado, isso poderia transformar uma relação que há muito se limita a mostras públicas de cooperação e montantes comerciais relativamente baixos em algo mais substantivo — e, alerta o Ocidente, constituir mais uma ameaça à estabilidade global.

Um trem verde com enfeites amarelos, semelhante a um usado pelo líder norte-coreano Kim Jong-un em suas viagens anteriores, é visto passando por um slogan que diz "Rumo a uma nova vitória" na fronteira da Coreia do Norte com a Rússia, em 11 de setembro de 2023.  Foto: Ng Han Guan / AP

“Se nós virmos alguma barganha por lá, isso representará o verdadeiro fim de uma era nas relações que se iniciou em 1990″, afirmou o proeminente pesquisador Fyodor Tertitskiy, da Universidade Kookmin, em Seul.

Desde então, a relação tem sido de muita “conversa e nenhum comércio real”, afirmou Tertitskiy, notando que um acordo segundo o qual a Rússia forneceria à Coreia do Norte algo de valor em troca de munições marcaria uma reviravolta.

A Coreia do Norte, hostil há muito tempo aos EUA, é uma aliada natural de Putin neste impasse com a Otan e na luta contra o que ele retrata como a hegemonia do Ocidente.

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O líder russo também fortaleceu os laços com o Irã fazendo uma rara viagem internacional ao país para encontrar-se com o líder supremo iraniano, o aiatolá Ali Khamenei, em meio ao isolamento internacional da Rússia em razão da invasão.

Nos meses que se seguiram, o Irã tornou-se um fornecedor crítico de drones para Moscou, que as forças russas têm usado contra a Ucrânia tanto nos campos de batalha quanto em ataques contra infraestrutura civil.

Putin também apareceu ao lado do presidente de Belarus, Aleksander Lukashenko, que deu à Rússia acesso ao território belarusso para lançar sua invasão à Ucrânia, em fevereiro do ano passado.

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O Pentágono afirmou este mês que a Rússia pediu especificamente munição para a Coreia do Norte, notando que o pedido foi motivado por problemas que Moscou tem enfrentado em repor armamentos que precisa nos campos de batalha.

O presidente russo, Vladimir Putin, e seu colega bielorrusso, Alexander Lukashenko, visitam o Mosteiro de Valaam na República da Carélia, Rússia, em 24 de julho de 2023. Foto: Alexander Demyanchuk / Reuters

O ministro russo da Defesa, Sergei Shoigu, visitou a Coreia do Norte em julho, numa viagem que autoridades americanas afirmaram ser destinada a acertar os termos de um acordo de armas.

A Coreia do Norte mantém um dos maiores exércitos do mundo, apesar de sua população de apenas 26 milhões. O país funciona continuamente em pé de guerra, e artilharia seria um elemento crítico em qualquer nova guerra contra a Coreia do Sul. O resultado é uma força militar norte-coreana com estoques significativos de projéteis de artilharia e capacidade de produção das munições.

O colunista pró-guerra Petr Akopov, da agência de notícias estatal russa RIA Novosti, sugeriu num artigo recente que Moscou poderia transferir tecnologia militar “não oficialmente” para Pyongyang e dar acesso a construtoras norte-coreanas a áreas ocupadas na Ucrânia em troca de munições e certos tipos de mísseis.

“Tudo isso é dificultado de um modo ou de outro pelas sanções do Conselho de Segurança da ONU, mas sempre há uma opção para contorná-las”, escreveu Akopov. “O mundo está mudando, e esses países que desafiam a ordem mundial ocidental não serão capazes de mudá-lo jogando segundo suas regras.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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