O que Trump realmente quer no Panamá? Conter a China ou anexá-lo? Entenda

De competição com a China até taxas de trânsito pelo canal, quatro teorias principais surgiram a respeito do verdadeiro objetivo final do presidente americano

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Por Brian Winter (Americas Quarterly)
Atualização:

CIDADE DO PANAMÁ — Desde que o presidente Donald Trump manifestou suas queixas a respeito do Canal do Panamá em dezembro, o establishment aqui no Panamá e em toda a América tem se dedicado ao mesmo jogo de adivinhação: “O que ele realmente quer?”

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A princípio, a pergunta foi recebida com uma certa piscadela cínica: é isso que Trump faz, abrindo uma negociação batendo na mesa. Mas, depois que o presidente dos Estados Unidos disse explicitamente em seu discurso de posse em 20 de janeiro que quer o canal de volta, abrindo a porta para uma nova era de expansionismo americano que também inclui a Groenlândia, a calma no Panamá foi substituída por uma mistura de urgência, humor ácido e total descrença.

Depois de passar vários dias na Cidade do Panamá (uma visita planejada há muito tempo, embora ninguém tenha acreditado em mim) e me reunir com lideranças empresariais e políticas locais, quatro teorias principais surgiram a respeito do verdadeiro objetivo final de Trump.

A influência chinesa

A primeira tese, e a mais amplamente citada, gira em torno da China — e aqui, muitos no Panamá dizem que Trump tem argumentos válidos.

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Manifestantes participam de um protesto contra a visita do Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, na Cidade do Panamá, em 30 de janeiro Foto: MARTIN BERNETTI/AFP

Não, não há tropas chinesas no Canal do Panamá, como Trump alegou, nem qualquer presença chinesa dentro do próprio canal. Mas a China de fato controla os maiores portos em cada extremidade do canal por meio de uma subsidiária da CK Hutchinson Holdings, sediada em Hong Kong. A equipe da Hutchinson administra os portos sem incidentes desde 1997, mas a equação geopolítica mudou depois que Hong Kong perdeu todas as pretensões de autonomia nos anos mais recentes. A general Laura Richardson, até recentemente chefe do Comando Sul dos EUA, alertou repetidamente que a China poderia redirecionar os portos para uso militar ou usá-los para interromper o tráfego do canal em caso de conflito.

Alguns panamenhos minimizam esse risco. Outros observadores podem descartá-lo como mais um delírio americano enraizado na Doutrina Monroe, de 202 anos atrás. Mas o Canal do Panamá recebe cerca de 40% do tráfego marítimo de contêineres dos EUA e 5% do comércio global em geral; qualquer interrupção também prejudicaria a capacidade da Marinha dos EUA de movimentar recursos ao redor do mundo.

A ideia de que o canal é excepcionalmente sensível à segurança nacional dos EUA, consistindo em uma categoria própria de interesse na América Latina, tem sido um princípio fundamental em Washington desde os dias de Theodore Roosevelt. Visões do que é considerado tolerável em termos da presença da China evoluíram nos círculos políticos republicanos e democratas, especialmente porque Pequim se posicionou perto de outros “gargalos” globais. Trump e sua equipe agora parecem estar usando qualquer influência que tenham para mudar essa linha vermelha enquanto se preparam para um conflito mais amplo com Pequim, tanto comercial quanto possivelmente de outra natureza nos próximos anos.

As táticas de Trump alienam as pessoas e podem muito bem corroer as alianças dos EUA e, portanto, os interesses americanos, ao longo do tempo. No entanto, o governo panamenho agora parece estar diminuindo uma ampla expansão de laços com Pequim que remonta a 2017, quando o então presidente Juan Carlos Varela mudou o status do reconhecimento diplomático de Taiwan a pedido da China. Os anos seguintes viram o Panamá se juntar à iniciativa de infraestrutura do Cinturão e Rota da China; receber uma visita de Xi Jinping; adquirir tecnologia chinesa de “cidade segura”; e até mesmo autorizar a construção de uma nova embaixada chinesa perto da entrada do canal, antes de cancelar o plano sob pressão doméstica e dos EUA.

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Desde a eleição de Trump, o governo do presidente José Raúl Mulino anunciou uma auditoria da concessão do porto da Hutchinson, que alguns moradores locais dizem ter sido prorrogada em circunstâncias pouco transparentes em 2021. Mulino também contratou a AECOM, uma empresa dos EUA, para supervisionar um trem intermunicipal planejado de US$ 4 bilhões que anteriormente atraiu o interesse chinês. “Vocês são uma empresa reconhecida globalmente, uma empresa 100% americana”, disse Mulino em uma cerimônia na segunda feira, acrescentando com um sorriso: “Espero que nenhum chinês apareça aí”.

Várias liderança empresariais com quem conversei disseram que, em retrospecto, um abraço tão forte de Pequim estava fadado a causar problemas. “Estamos pagando o preço por 25 anos de falta de pensamento estratégico”, disse-me Alonso Illueca, um advogado panamenho que escreveu extensivamente sobre os laços chineses. “Talvez isso esteja mudando agora.”

A selva de Darién e a imigração

A segunda explicação para as ameaças de Trump gira em torno da imigração, e aqui, a perspectiva é mista. Mulino fez da interrupção da imigração através do Tampão de Darién uma peça central de sua campanha de 2024, mesmo antes de Trump ser eleito. Ele se referiu ao Panamá como a “outra fronteira” dos EUA e parece ansioso para trabalhar com Washington para endurecer ainda mais o policiamento.

Mas se Trump quiser que o Panamá receba imigrantes de países terceiros como a Venezuela, como algumas autoridades dos EUA sugeriram, ele enfrentará resistência. Más lembranças permanecem de um acordo semelhante na década de 1990, quando o Panamá abrigou temporariamente milhares de refugiados cubanos, e tumultos eclodiram. O país já absorveu um grande número de imigrantes nos anos mais recentes. “É politicamente impossível”, para Mulino, disse um observador. “É algo que pode derrubar o governo.”

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Os custos do canal

A terceira teoria se concentra nas taxas de trânsito pelo canal. Autoridades locais contestam a alegação de Trump de que a Marinha dos EUA e outros navios estão pagando taxas mais altas do que qualquer outra parte. Eles dizem que um aumento nas taxas em 2024 resultou de uma seca histórica que forçou o canal a reduzir o tráfego, encarecendo as reservas. O Panamá é impedido por tratado de dar taxas preferenciais a países específicos. No entanto, alguns acreditam que as autoridades poderiam renunciar às taxas para embarcações da Marinha dos EUA por motivos de segurança como um gesto para Trump.

A anexação do canal

A explicação final e mais problemática possível é que Trump realmente quer o canal de volta.

Todos no Panamá notaram que Trump usou seu discurso inaugural, em vez de apenas outra aparição na Fox and Friends, para declarar suas intenções para o canal. Enquanto alguns viam isso como uma tática clássica de Trump, uma posição maximalista para abrir uma negociação, outros observam que ele precedeu seus comentários a respeito do Panamá exaltando o ex-presidente dos EUA William McKinley, que supervisionou o último período de grande expansão territorial americana na década de 1890. Trump pode acreditar que Tornar os EUA Grandes Novamente implica um retorno a essas ambições, assim como envolve chegar a Marte com a ajuda de Elon Musk. Trump também pode ver isso como o melhor caminho para um legado superlativo, e talvez para ter uma montanha com seu nome, como McKinley (mais uma vez) tem.

Mulino rejeitou firmemente os avanços de Trump, repetindo na quarta feira que o canal “é e sempre será panamenho”. Nesse ponto, ele tem um apoio doméstico esmagador: Omar Torrijos, que assinou o tratado de transferência de 1977, chamou o canal de “a religião que une todos os panamenhos”. Mas os moradores ainda se preocupam que Washington possa colocar uma pressão enorme no Panamá sem enviar um único soldado americano. O Panamá é uma economia dolarizada e um grande centro financeiro, o que o torna especialmente vulnerável a tarifas e sanções do Departamento do Tesouro, como as que Trump ameaçou contra o governo da Colômbia esta semana. “Ele acabou de nos mostrar seu arsenal”, observou um executivo panamenho.

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Avião cargueiro de Portugal MSC Brittany passa pelo Canal do Panamá. Foto: MARTIN BERNETTI/AFP

Os moradores também se perguntam sombriamente se há um elemento pessoal nas ações de Trump. O Panamá foi o local de um dos empreendimentos mais malfadados de sua empresa, um hotel que a polícia local invadiu e confiscou em 2018 após uma disputa com outro investidor. Suas reclamações envolvendo a entrega do canal remontam a pelo menos uma década. “Trump conhece bem o Panamá”, disse-me Rodrigo Noriega, um analista político. “Ele sabe como as coisas funcionam aqui. Ele sabe onde estão os pontos de pressão para as elites locais.”

Quer Trump seja motivado por um ou dois desses motivos ou uma combinação de todos os quatro, o Panamá enfrenta uma estrada incerta e perigosa. Antes de uma visita do Secretário de Estado Marco Rubio, agendada para este fim de semana, autoridades locais agiram para corrigir o registro factual, contrataram lobistas em Washington, registraram uma reclamação nas Nações Unidas e pediram a aliados em Washington e ao redor do mundo que ajudassem a apoiar sua causa. Em última análise, a visão predominante dentro do Panamá ainda é que, se eles puderem abordar suficientemente as preocupações 1, 2 e 3, serão capazes de evitar a 4.

Considerando a disposição demonstrada do Panamá em agir, pessoalmente acho difícil imaginar que Trump, mesmo no ápice de seu poder, seria capaz de ir longe demais no caminho do confisco forçado sem enfrentar resistência de outras partes do Partido Republicano, e talvez entre alguns de seus conselheiros de gabinete e militares. Pode-se imaginar Trump eventualmente declarando que ele “retomou o canal” — da China — da mesma forma que ele alegou que o México acabou pagando pelo muro da fronteira.

Mas em um mundo que está mudando a cada hora, e onde o presidente dos Estados Unidos não pensa em termos de aliados ou normas, mas em termos de força e fraqueza, o que acontecerá a seguir é realmente uma incógnita. Que é provavelmente o que Donald Trump quer./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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