As últimas semanas registraram uma elevação da tensão diplomática entre o Brasil e tradicionais aliados do governo de Luiz Inácio Lula da Silva na América Latina. A escalada do autoritarismo de parceiros ideológicos históricos na Venezuela e na Nicarágua levou o governo brasileiro a adotar finalmente uma postura mais séria e distante.
Com o aumento do radicalismo dos regimes de Nicolás Maduro e Daniel Ortega, a diplomacia de Lula tem uma oportunidade para se mostrar equilibrada e independente em defesa da democracia, afastando o país de alinhamentos problemáticos e aumentando o seu prestígio global.
Desde que retornou ao poder em 2023, Lula enfrenta o desafio de reafirmar o Brasil como uma liderança democrática na América Latina, parte do processo de projetar internacionalmente o país como uma potência emergente importante.
Esta ambição sofre pressão por conta da dificuldade de assumir este papel de líder e também por conta de laços históricos do Partido dos Trabalhadores e do próprio Lula com regimes de esquerda autoritários na região.
Venezuela e a Nicarágua por muito tempo se encaixavam como aliadas no projeto de uma América Latina soberana e com tendência de esquerda, mas com o tempo passaram a ser um espinho para a diplomacia brasileira.
O crescente autoritarismo, a repressão interna e o isolamento internacional dessas nações se tornaram obstáculos para a construção de uma política externa brasileira que promovesse a democracia e os direitos humanos a fim de assegurar um protagonismo regional do país.
Lula historicamente apoiou Maduro e Ortega, o que sempre gerou pressão sobre seu governo. Desde as eleições de 2022, o brasileiro foi repetidamente questionado sobre os dois países e chegou a defender a existência de democracia neles. Isso criou um estresse desnecessário com outros governos vizinhos e gerou fortes críticas domésticas sobre o comportamento internacional do Brasil.
As crises recentes parecem mudar este contexto e dar uma saída para Lula, que pode mostrar que a diplomacia brasileira e os interesses nacionais estão acima dessas amizades históricas. A tensão criada por Maduro e por Ortega devem ser vistas como um presente para o governo, uma forma de romper sem precisar dizer que mudou de ideia em relação ao passado.
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As suspeitas de fraude para reeleger Maduro forçaram o Brasil a rejeitar a pressão do regime para reconhecer os dados divulgados oficialmente (mas sem que as atas eleitorais fossem publicadas). Desde antes das eleições, o presidente brasileiro falou publicamente contra declarações do venezuelano sobre o risco de “banho de sangue” após o pleito, e foi ridicularizado por Maduro, que recomendou chá de camomila. Este afastamento foi sem precedentes desde a volta de Lula ao poder.
Na Nicarágua, a recusa de Ortega em aceitar qualquer forma de diálogo ou concessão política também levaram a um afastamento do governo Lula. Pouco depois da crise com a Venezuela, Brasil e Nicarágua expulsaram mutuamente seus embaixadores, marcando uma escalada na tensão diplomática entre os dois governos.
Os dois movimentos representam uma oportunidade rara de reconfigurar a política externa do terceiro mandato de Lula. Em vez de se manter alinhado incondicionalmente a regimes que violam direitos humanos e enfrentam sanções internacionais, o governo pode utilizar essa conjuntura para fortalecer sua imagem tanto dentro quanto fora do país, colocando a defesa da democracia em primeiro lugar.
Trata-se de uma chance de posicionar o Brasil firmemente em defesa dos valores democráticos e dos direitos humanos, alinhando o país com as nações que condenam as práticas autoritárias na América Latina.
Além disso, uma postura mais crítica em relação a esses regimes pode ajudar Lula a neutralizar as críticas internas. Ao se afastar desses líderes, o governo pode dar fim a acusações de radicalismo ou de postura antidemocrática por parte do presidente.
O contexto também traz alguns riscos para a diplomacia brasileira, é verdade. Não aproveitar a oportunidade para estabelecer o Brasil como um país que defende a democracia e ceder aos laços de amizade pode enfraquecer as credenciais de independência da política externa lulista.
Por outro lado, uma ruptura com esses países pode fazer com que o Brasil tenha uma menor influência sobre os rumos deles, e acabe afastado de processos de negociação, pacificação e democratização. Participar de movimentos contrários aos interesses desses regimes poderia fortalecer o pleito brasileiro por um papel global mais importante.
A política externa brasileira sempre se beneficiou de uma abordagem pragmática, que busca o diálogo e a cooperação, mesmo com regimes com os quais o Brasil não compartilha totalmente os mesmos valores.
Para que o governo Lula possa capitalizar as oportunidades oferecidas pelo radicalismo de Maduro e Ortega, será necessário um equilíbrio cuidadoso entre a firmeza na defesa dos valores democráticos e a manutenção da capacidade de diálogo.
Essa abordagem permitiria ao Brasil continuar a exercer um papel de liderança na América Latina, sem abandonar sua tradição de diálogo e mediação. Ao mesmo tempo, Lula pode reforçar sua imagem se colocando como um líder comprometido com a democracia e os direitos humanos, tanto no cenário internacional quanto perante o eleitorado brasileiro.
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