Ocidente suspeita da diplomacia de Kim

Analistas questionam se concessões da Coreia do Norte seriam forma de ganhar tempo e minar relação entre Estados Unidos e Coreia do Sul

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Por Cláudia Trevisan, correspondente e Washington

WASHINGTON - Para alguém que costuma ser tratado como pária, o norte-coreano Kim Jong-un está surfando em ondas diplomáticas que o fazem parecer um ator proeminente no jogo de poder global. O ditador da Coreia do Norte acaba de realizar sua primeira visita à China desde sua chegada ao poder, em 2011, e se prepara para se reunir com o sul-coreano Moon Jae-in e o americano Donald Trump, líder do país mais demonizado pela propaganda de Pyongyang.

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Kim Jong-un discursa em Pyongyang, no ano-novo: especialistas questionam os limites da abertura diplomática da Coreia do Norte Foto: EFE/EPA/KCNA

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Na sexta-feira, Kim anunciou que suspenderá todos os testes de bombas nucleares e de mísseis balísticos intercontinentais. Interpretado como um gesto de boa vontade ao exterior, a decisão reitera o que já havia sido divulgado pelo ditador em seu discurso de ano-novo, no qual declarou “concluída” a tarefa de desenvolvimento do arsenal nuclear do país. O último teste de mísseis pela Coreia do Norte foi em novembro. 

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O Kim “paz e amor” de 2018 contrasta com o Kim belicoso e isolado de 2017, que marcou o ápice do desenvolvimento de seu programa nuclear, com testes da bomba mais potente já produzida na Coreia do Norte e de mísseis balísticos intercontinentais que podem chegar aos EUA. 

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O ditador também foi objeto de condenação global depois que seu meio-irmão foi assassinado com armas químicas no aeroporto de Kuala Lumpur, na Malásia, no início de 2017. Em junho, sua imagem sofreu outro baque com a morte do estudante americano Otto Wambier, libertado em coma após 17 meses em uma prisão na Coreia do Norte.

Kim dedicou os seus primeiros sete anos no poder a fortalecer seu arsenal nuclear, no qual baseou grande parte da busca de legitimidade junto à população do país, cujo comando assumiu com menos de 30 anos de idade. As demandas dos EUA vão muito além da suspensão de testes nucleares e abrangem também o desmantelamento do arsenal da Coreia do Norte. 

A dúvida é se Kim está realmente disposto a abrir mão do que construiu ou se usa a diplomacia para manipular adversários e aliados, obter concessões e provocar divisões na aliança entre os EUA e a Coreia do Sul. 

“Os norte-coreanos, historicamente, alternaram entre a provocação e o diálogo como uma maneira de ganhar tempo. A melhor forma de pensar nisso é o modo como eles chegaram a um platô no programa nuclear e estão preparados para se sentar e descansar antes de continuar a subir”, disse Scott Snyder, do Council on Foreign Relations, que estuda a Península Coreana há três décadas. 

Apesar de considerar baixa a probabilidade de que o encontro entre Trump e Kim seja um sucesso, Snyder afirmou que esse é o único caminho que ainda não foi explorado, depois de todos os demais terem acabado em becos sem saída. 

“Trump está fazendo uma aposta pessoal de que pode passar à história como o presidente que resolveu o problema nuclear da Coreia do Norte, o que nenhum outro presidente foi capaz de fazer.” Inimaginável até março, a reunião deverá ocorrer em algum momento entre maio e junho. 

Pressão

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Analistas acreditam que a mudança de rota de Kim é resultado da política de “pressão máxima” de Trump, que combinou o aumento de sanções à ameaça de ataque preventivo contra o país. No entanto, analistas ressaltam que o cerco só funcionou porque teve apoio da China, responsável por mais de 90% do comércio exterior da Coreia do Norte. Não está claro se Pequim manterá o mesmo empenho depois da reaproximação com Pyongyang e da declaração de guerra comercial contra suas exportações por Trump.

A chance de que Kim abandone sua ambição nuclear é considerada mínima por muitos analistas. “Quanto mais nós olhamos para os detalhes, menos faz sentido para a Coreia do Norte acabar com suas armas nucleares. Por que fariam isso?”, questionou In Bum-chun, general da reserva sul-coreano em evento promovido pelo Korea Economic Institute, em Washington. Para ele, Kim quer ganhar tempo e colocar uma cunha na aliança entre a Coreia do Sul e os EUA. 

“Do nascimento à morte, os norte-coreanos são ensinados que os EUA querem matá-los. Isso está nos livros de história, nos filmes, no rádio, na TV, nos pôsteres, no metrô. Para propor a paz com os EUA e o abandono de armas nucleares, Kim terá de desmontar essa estrutura ideológica que foi construída ao longo de 70 anos”, observou Jung Pak, acadêmica do Brookings Institution. Em sua opinião, o regime ditatorial da Coreia do Norte não conseguirá sobreviver sem a figura de um inimigo externo.

Mark Tokola, vice-presidente do Korean Economic Institute, avaliou que um dos riscos das cúpulas é Kim adotar a cartilha de seu avô, Kim Il-sung, o fundador da Coreia do Norte, que jogava a China contra a União Soviética na promoção de seus interesses. “Se a cúpula entre Kim e Moon for bem, mas a com Trump terminar mal, os EUA serão retratados como o problema.” Jung Pak, do Brookings, tem a mesma preocupação: “Há um governo progressista em Seul muito focado no engajamento entre as Coreias e um presidente dos EUA que alimenta suspeição em relação a alianças, especialmente com a Coreia do Sul”. 

Outra ameaça é o colapso das negociações logo no início, diz Tokola. “Nesse caso, estaremos de volta a 2017, mas em uma situação muito mais perigosa, já que não existirá a possibilidade de nova saída diplomática.”

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