Os anos 2000 e o início dos anos 2010 foram marcados pelo crescimento econômico elevado e o otimismo entre numerosas potências emergentes, que se traduziu em uma atuação diplomática mais confiante – refletida, entre outras iniciativas, na emergência do grupo Brics, o deslocamento de poder geopolítico para a Ásia e a consolidação da China como superpotência capaz de dialogar de igual para igual com os EUA.
A década seguinte, porém, acabou sendo mais frustrante, e vários países no Sul Global tiveram taxas de crescimento inferiores às dos Estados Unidos ou mesmo estagnaram. Durante esse período, investidores na bolsa americana geralmente se deram melhor do que aqueles que apostaram nos emergentes. Volatilidade nos preços de commodities, problemas políticos e dificuldades de elevar níveis de produtividade per capita foram alguns dos motivos pelos quais o ritmo de crescimento dos anos 2000 mostrou-se, em várias economias emergentes, insustentável. A porcentagem do PIB brasileiro da economia global chegou a declinar. Até a China teve de se contentar com uma expansão econômica mais lenta – cenário que levou numerosos analistas a declararem o fim dos “anos dourados” para mercados emergentes.
Agora, há vários sinais de que os próximos anos podem ser mais animadores para economias em ascensão, e até voltarem aos níveis da década de 2000. Como prevê o economista Ruchir Sharma, por exemplo, “a proporção de economias emergentes, nas quais o PIB per capita provavelmente crescerá mais rápido do que o dos EUA, deve aumentar de 48% nos últimos cinco anos para 88% nos próximos cinco. Essa parcela corresponderia ao pico do boom do mundo emergente nos anos 2000.” Da mesma forma, um relatório recente do Fórum Econômico Mundial (WEF) destaca aumento no otimismo, sobretudo em relação à economias da Ásia, como Índia e Indonésia. Sete em cada 10 economistas-chefes entrevistados esperam um crescimento forte ou muito forte em 2024 e 2025 para economias do Sul da Ásia, região dominada pela Índia, que, segundo o FMI, deve crescer 7% neste ano.
Como principais motivos para seu otimismo, Sharma destaca que, enquanto os EUA dependem de déficits recordes para sustentar o crescimento, muitas nações emergentes têm déficits fiscais e de conta corrente menores, o que lhes dá mais capacidade de investimento e crescimento. Países que no passado eram conhecidos pela gestão financeira irresponsável, como Turquia e Argentina, agora adotam políticas econômicas mais ortodoxas.
Outro fator chave é que o crescimento dos mercados emergentes não está mais tão dependente da China. Enquanto o país asiático enfrenta desafios sérios, como população em declínio, crescimento mais baixo e sistema político cada vez mais rígido com o poder muito concentrado no presidente Xi Jinping, outras nações emergentes, como a Índia, se destacam cada vez mais. A crescente demanda por tecnologias verdes e matérias-primas como cobre e lítio, presentes em países emergentes – como Chile, Argentina e Brasil –, deve impulsionar suas exportações, acredita Sharma. Além disso, o boom da inteligência artificial já está beneficiando países fornecedores de chips e eletrônicos, como Coreia do Sul, Taiwan, Malásia e Filipinas. Vários desses países devem ser os principais beneficiados pelas crescentes tensões entre Washington e Pequim, acima de tudo pelas tentativas americanas de reduzir sua dependência do mercado chinês. Tudo isso, é claro, sempre dependerá da capacidade política dos governos locais de promover as reformas necessárias para aproveitar o cenário externo favorável.
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Para países como o Brasil, cujo desempenho econômico é bastante dependente da China, o cenário descrito acima representa uma série de desafios e salienta a importância de diversificar suas relações econômicas no Sul Global. Enquanto Pequim continuará sendo um parceiro-chave, o atual desafio brasileiro será fortalecer suas relações com outras economias emergentes, como Indonésia, Índia, Arábia Saudita e o México.
Apesar de a China ter se tornado o maior parceiro comercial do Brasil há 15 anos, ainda há, no país, enorme déficit em relação à capacidade de entender os chineses e antecipar eventos na segunda maior economia do mundo. O número de professores e alunos fluentes em mandarim nas universidades brasileiras, a porcentagem de diplomatas brasileiros servindo em Pequim ou a quantidade de correspondentes de jornais brasileiros na capital chinesa ainda estão aquém do necessário. Agora, agrega-se um desafio ainda mais complexo. Sem desviar a atenção da importância de treinar mais sinólogos, é urgente que o Brasil prepare uma nova geração de quadros capazes de analisar, de forma sofisticada, eventos em países como Índia e Indonésia, nações ainda negligenciadas pela academia ou no debate público brasileiro, mas que terão papel cada vez mais relevante para a economia e a geopolítica globais.
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