Depois de uma notável série de vitórias de presidenciáveis esquerdistas na América Latina — no México, em 2018, na Argentina, em 2019, na Bolívia, em 2020, no Peru e em Honduras, em 2021, e no Chile, na Colômbia e no Brasil, em 2022 —, há fortes sinais de que o pêndulo está se movendo para a direita. Em dezembro, um impeachment encerrou o mandato conturbado do esquerdista Pedro Castillo, presidente peruano.
No domingo passado, o candidato conservador Santiago Peña, do Partido Colorado, triunfou nas eleições presidenciais do Paraguai. Nas eleições constituintes no Chile ontem, a direita se fortaleceu. Na Argentina, tudo indica que a esquerda será trucidada nas eleições presidenciais em novembro, e a pergunta agora é se o vencedor será de centro-direita ou de extrema direita.
Além disso, a maioria dos presidentes esquerdistas eleitos nos últimos anos enfrenta enorme resistência de grupos conservadores. Tanto Gustavo Petro na Colômbia quanto Gabriel Boric no Chile fracassaram, até agora, na tentativa de implementar suas principais reformas. Na Bolívia, o presidente Luis Arce se mostrou incapaz de conter o que virou a pior crise econômica do país em anos.
O presidente argentino Fernandez é tão impopular que desistiu da tentativa de reeleição. No Brasil, o presidente Lula terá de governar com um Congresso tão conservador que há pouca perspectiva de promover reformas progressistas, seja no âmbito da descriminalizção do aborto, seja ao repensar a guerra contra as drogas.
Por um lado, as dificuldades de muitas lideranças esquerdistas são simplesmente um reflexo do profundo sentimento antigovernista na região: a grande maioria dos governos é impopular devido à estagnação da economia, aos índices ainda elevadíssimos de violência e aos serviços públicos ruins. Afinal, o descontentamento também está presente na maioria dos governos de direita, como no Paraguai, no Uruguai e no Equador, onde o presidente Lasso pode cair a qualquer momento.
Série de reportagens sobre a esquerda na América Latina
Além disso, a “onda rosa” — termo que descreve a (re) ascensão de presidentes esquerdistas na América Latina — foi rasa e não produziu maiorias nos parlamentos, o que explica a fragilidade dos governos em Santiago, Bogotá e Lima. A maioria das sociedades latino-americanas estão profundamente divididas, dificultando o processo de construir consensos e de efetivamente governar.
Divisão da esquerda
Seria um erro, porém, interpretar as recentes vitórias da direita meramente como uma rejeição de quem estava no poder. Enquanto a direita latino-americana domina o debate sobre uma série de pautas — como de segurança pública e de combate ao crime —, a esquerda está dividida em outros tantos aspectos relevantes: novas lideranças esquerdistas como Gabriel Boric são social-democratas no estilo europeu e têm criticado os abusos cometidos por líderes esquerdistas autocráticos na Venezuela e na Nicarágua, produzindo uma divisão nítida na esquerda, inexistente durante a primeira “onda rosa” nos anos 2000.
Da mesma forma, as pautas identitárias hoje geram tensões entre movimentos de esquerda e dificultam a articulação de uma narrativa coesa. Presidentes como os esquerdistas Andrés Manuel López Obrador no México e Daniel Ortega na Nicarágua são conservadores nos costumes e se alinham mais com a visão de antigas lideranças esquerdistas, como Hugo Chávez, Fidel Castro, Rafael Correa e Evo Morales, que mostraram pouco interesse nas pautas identitárias ou foram até refratários a elas.
Em entrevista recente à Folha de S. Paulo, o ex-presidente equatoriano Rafael Correa foi taxativo ao afirmar que a ênfase em temas como aborto e direitos LGBT+ desviaria o foco do que deve ser a principal pauta da esquerda: o combate à desigualdade.
Afirmou que a América Latina “nem sequer resolveu os problemas do século 18, as grandes contradições, a pobreza generalizada, a desigualdade, a exploração, e nos metemos a tentar resolver e ser vanguarda do mundo de problemas de última geração”, reconhecendo que não se considera progressista, alegando inclusive que as pautas identitárias seriam um complô dos países ricos para promover o conflito interno na América Latina.
A divisão de Correa entre uma esquerda preocupada com equidade econômica e outra com pautas identitárias ignora que é impossível falar sobre desigualdade sem considerar os direitos das mulheres e das minorias. Porém, seu comentário revela que a esquerda latino-americana atualmente parece enfrentar mais dificuldade de desenvolver uma narrativa clara do que a direita, cuja mensagem sobre temas de segurança pública, conservadorismo e família tradicional deixa menos espaço para divisões entre diferentes movimentos direitistas.
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