As semanas que antecederam a posse de Donald Trump foram marcadas pela disputa pública entre dois grupos-chave do novo governo dos EUA – os “tech bros” liderados por Elon Musk, que defendem facilitar a imigração de quadros qualificados, e o movimento populista MAGA (“Make America Great Again”), liderado por Steve Bannon, que busca reduzir qualquer tipo de imigração. Vivek Ramaswamy, escolhido por Trump para co-liderar o Departamento de Eficiência, virou a primeira grande baixa do novo governo quando elogiou a tenacidade dos imigrantes e criticou a cultura americana por “venerar a mediocridade”, afirmações heréticas aos olhos da base trumpista.
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No âmbito de política externa, o racha mais relevante ocorre entre conservadores tradicionais, liderados pelo Secretário de Estado, Marco Rubio, e um grupo ascendente de diplomatas do movimento MAGA, como o embaixador Richard Grenell, que rejeitam os pilares da política externa americana das últimas décadas. A retórica de Rubio, filho de imigrantes cubanos, é parecida com aquela dos “águias” do governo Bush e, sobretudo no que diz respeito à América Latina, abraça a visão liberal tradicional dos EUA como defensor da democracia. Rubio recentemente rejeitou qualquer negociação com Maduro e disse que o “narco regime”(...) “precisa chegar ao fim.” Lamentou também que empresas americanas como a Chevron estejam despejando “bilhões de dólares nos cofres do regime [venezuelano]” ao explorarem petróleo no país sulamericano.

No dia da posse de Tump, porém, Richard Grenell, escolhido pelo presidente como enviado para “missões especiais” dos EUA, portfolio que inclui a Venezuela, rejeitou a estratégia de Rubio e anunciou nas redes sociais: “Conversei com vários oficiais na Venezuela hoje e começarei reuniões amanhã cedo. A diplomacia está de volta. Dialogar é uma tática.” Tal abordagem não surpreende: sem qualquer ambição de defender a democracia ou de articular uma política externa orientada por valores, o pensamento diplomático de Trump é guiado por pragmatismo amoral. Rejeitando alianças rígidas ou plataformas multilaterais nas quais os países buscam negociar regras e normas para gerenciar sua convivência, Trump enxerga a diplomacia como algo puramente transacional, em que as relações entre países são baseadas principalmente em trocas diretas e interesses imediatos, em vez de valores compartilhados, confiança mútua ou compromissos de longo prazo. Isso explica, em parte, por que Trump prefere lidar com autocratas, que muitas vezes se importam menos com regras internacionais e que enfrentam menos obstáculos domésticos para implementar acordos.
Seguindo esse modelo, Grenell deve buscar um acordo com Maduro para atender dois interesses concretos dos EUA: cooperação do mandatário para limitar a migração de venezuelanos aos EUA (e para receber venezuelanos deportados de volta), além de facilitar o acesso de petróleo a empresas americanas. Ciente das intenções de Grenell, Maduro afirmou que a reeleição de Trump ofereceria “um novo começo” para as relações bilaterais e já sinalizou que daria as boas-vindas a venezuelanos dispostos a voltar ao país. Ou seja, um grande acordo não é impossível: segundo John Bolton, ex-assessor de Segurança Nacional, Trump ficou impressionado com a resiliência do ditador venezuelano e chamou Juan Guaidó, ex-líder da oposição do país, de “fraco”.
A divergência entre Rubio e Grenell – que, segundo várias fontes em Washington, não mantêm boa relação pessoal, para dizer o mínimo – não se limita à Venezuela, mas o caso é um exemplo interessante das batalhas internas que definirão a política externa dos EUA. Rubio defenderá a volta da “estratégia de pressão máxima” sobre Caracas, envolvendo sanções e outras tentativas de isolar a Venezuela diplomaticamente. Diferentemente de 2019, quando a estratégia de Trump de reconhecer Juan Gaidó como presidente legítimo fracassou, defensores da abordagem de Rubio alegam que Maduro está mais fragilizado hoje. Além disso, como ex-senador da Flórida com ambições presidenciais, Rubio sabe que a queda de Maduro elevaria seu perfil junto ao eleitorado latino nos EUA, onde o presidente venezuelano é odiado. O cenário mais provável, portanto, ainda é a volta à “pressão máxima”.
O estresse entre os dois, porém, também faz parte do histórico de Trump de incentivar tensões entre os integrantes de sua própria equipe, deixando todos – tanto dentro quanto fora do governo – em uma situação de incerteza permanente. Um exemplo disso ocorreu em 2020, quando Trump pediu a Grenell para se reunir secretamente com um representante de Maduro com o objetivo de tentar negociar a saída pacífica do venezuelano do poder, mas não se alcançou nenhum acordo. Na época, nem sequer o Secretário de Estado, Mike Pompeo, soube das tentativas. Da mesma forma, é plausível que Grenell deixe Rubio por fora do teor de suas conversas com Caracas. Como Trump costuma dizer, “precisamos, como nação, ser mais imprevisíveis.” No caso da Venezuela, pode ser tão imprevisível que nem sequer o Secretário de Estado dos EUA saiba por certo qual será a estratégia do país.