A invasão russa à Ucrânia, até agora, passou por três grandes fases. A primeira iniciou-se em 2014 com o ataque russo e a anexação ilegal da península ucraniana da Crimeia e o envio de tropas russas para apoiar rebeldes pro-Kremlin nas regiões ucranianas de Luhansk e Donetsk, no leste do país.
A segunda fase começou em fevereiro de 2022 com a invasão russa a todo o território ucraniano, marcada, inicialmente, pelo avanço russo e pela expectativa de um rápido colapso do governo Zelenski, seguido da reconquista ucraniana, na segunda metade de 2022, de parte dos territórios invadidos. A terceira fase teve início em junho de 2023 com a contraofensiva ucraniana que fracassou e levou ao atual empate, com pouca movimentação da linha de frente, mas com crescentes dificuldades ucranianas de repor seu estoque de material bélico.
Leia também
Diante da perspectiva improvável de retomar territórios atualmente ocupados pela Rússia, da incerteza em relação ao apoio militar dos EUA e da retórica confiante do Kremlin, o governo Zelenski deu início a uma nova fase do conflito e cada vez mais enfatiza ataques contra a infraestrutura energética russa, estratégia possível graças aos avanços tecnológicos da indústria ucraniana de drones.
Embora ataques da Ucrânia em território russo venham ocorrendo desde 2022 em resposta à invasão do país, sua frequência e sofisticação têm aumentado: apenas neste mês, pelo menos sete refinarias russas sofreram ataques. Um dos resultados: a taxa diária de refino de petróleo da Rússia caiu para o nível mais baixo em quase um ano. Segundo o banco JP Morgan, a queda chegou a 900,000 barris diários – quase 10% da produção total de 9,5 milhões de barris.
A Ucrânia tem agora a capacidade de atingir refinarias em todo o oeste russo, o que pode impactar mais da metade das exportações russas de petróleo. Apesar das sanções ocidentais, a Rússia se mantém como segundo maior exportador de petróleo, e os ataques ucranianos têm o potencial de impactar a capacidade russa de exportação e causar volatilidade no preço global desse combustível, que já subiu de 77 para 85 dólares por barril desde o fim de janeiro. Ainda está longe do patamar do início da invasão em fevereiro de 2022 – quando temporariamente superou 120 dólares –, mas Zelenski sabe que as refinarias representam uma vulnerabilidade estratégica da Rússia, sobretudo diante da dependência russa da exportação de energia.
Portanto, não se pode descartar uma ampliação dos ataques em território russo ao longo dos próximos meses. Pelo contrário: se a semana passada servir como base, poderá haver ataques contra alvos não apenas de alto valor simbólico – como a ponte de Kerch, que conecta a Rússia à Crimeia, centro logístico da invasão russa – , mas também contra novas refinarias e portos russos, obrigando Moscou a desviar parte de sua capacidade militar para proteger sua própria infraestrutura.
Depois de Vladimir Putin, quem mais se preocupa com esse cenário é, paradoxalmente, o presidente estadunidense Joe Biden, que enfrenta uma difícil campanha pela reeleição em novembro e para quem uma elevação do preço da gasolina nos EUA seria má notícia: somente neste ano, esse preço subiu quase 15%, para cerca de 3,50 dólares por galão.
Não surpreende, portanto, que representantes do governo Biden, como revelou o Financial Times, estejam pressionando a Ucrânia a limitar os ataques contra a infraestrutura energética russa até novembro, ressaltando que um aumento muito significativo do preço de petróleo ampliaria as chances de Donald Trump retornar à Casa Branca – com possíveis consequências catastróficas para a Ucrânia.
Do ponto de vista militar, porém, as incursões ucranianas em território russo fazem sentido, inclusive para aumentar o poder de barganha em futuras negociações de um possível cessar-fogo. Da mesma forma, servem para conter a frustração da população ucraniana, que vive sob bombardeios russos há mais de dois anos.
Frequentes ataques contra refinarias russas podem, portanto, se tornar o novo normal para a economia da Rússia enquanto o país estiver engajado militarmente na Ucrânia. Reflete o dilema de uma guerra de natureza essencialmente imperialista: ao buscar controlar uma população fortemente oposta à dominação estrangeira, o governo Putin atraiu para si um problema sem solução – é praticamente impossível proteger todo o território russo, duas vezes maior que o brasileiro, com uma infraestrutura energética vulnerável a ataques de drones relativamente baratos.
Mesmo uma vitória russa nos campos de batalha levaria a uma resistência permanente, envolvendo ataques não apenas na Ucrânia, mas também em todo o território russo. Como me disse um analista político ucraniano: ao invadir a Ucrânia, a Rússia atacou um porco-espinho: não há dúvida de que Moscou tem capacidade militar superior, mas o país arcará com enormes custos – que podem, inclusive, ter forte impacto na economia global. Mesmo que seja militarmente superior ao “porco-espinho”, a Rússia sairá do conflito mais ferida do que poderia imaginar.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.