Era uma questão de tempo até que Donald Trump se tornasse o primeiro ex-presidente condenado em processo criminal na história dos EUA. Afinal, sua recente condenação por falsificar registros financeiros para ocultar pagamento secreto a ex-atriz pornô Stormy Daniels durante a campanha presidencial de 2016 apenas encerra uma das ações judiciais menos relevantes. Várias outras – entre elas, uma que envolve tentativa de pressionar oficiais eleitorais em Georgia para alterar o resultado das eleições presidenciais em 2020, além da que compreende seu papel na invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021– têm probabilidade significativa de levar a condenações adicionais do ex-presidente.
Vale lembrar que vários atores-chave no entorno direto de Trump – como seu ex-chefe de campanha, Paul Manafort, e seu ex-assessor de Segurança Nacional, Mike Flynn, além de outros ex-assessores, como Michael Cohen – já foram judicialmente condenados. Muitos ex-aliados, inclusive os que mais conhecem o candidato do Partido Republicano, como o ex-vice-presidente Mike Pence, recusam-se a apoiá-lo. Mais um ex-assessor de Segurança Nacional, John Bolton, chega a advertir abertamente contra votar em Trump. Até mesmo hoje em dia, vários criminosos integram o entorno do ex-presidente. Durante o julgamento, a comitiva de Trump incluía Boris Epshteyn, Bernard B. Kerik e Chuck Zito, todos eles ou indiciados ou ex-egressos da prisão. Em 2022, um júri considerou duas empresas da Trump Organization culpadas de várias acusações de fraude fiscal e falsificação de registros comerciais.
No entanto, quem torce contra Donald Trump não deve se iludir. Apesar de, nos EUA, uma fração desses escândalos poder encerrar a carreira de qualquer outro político, a recente condenação do ex-presidente pode não ter necessariamente impacto decisivo sobre suas chances eleitorais. Afinal, ele mantém hoje ligeira vantagem na maioria das pesquisas de opinião, cinco meses antes do pleito presidencial.
Paradoxalmente, a trajetória escandalosa do Republicano — envolvendo acusações de assédio, estrupro e fraude, casos de infidelidade conjugal, múltiplas falências de suas empresas e o hábito de mentir (ou, para usar um termo cunhado por sua ex-conselheira Kellyanne Conway, criar “fatos alternativos”), além dos processos criminais em andamento – sugere que seus apoiadores dificilmente mudarão de ideia depois de uma condenação por falsificação de registros financeiros.
A polarização extrema faz com que uma parte crescente da esquerda e da direita nos EUA habitem em universos paralelos. Era de se esperar que os apoiadores mais ferrenhos de Trump acreditassem no discurso de que o julgamento foi uma fraude. O problema, entretanto, parece bem mais grave. Os dois lados não concordam nem sequer em relação a dados econômicos básicos. Segundo uma pesquisa recente, quase três em cinco norte-americanos acreditam que a economia dos EUA está em recessão, o que não é verdade. Quase metade dos entrevistados acredita erroneamente que a taxa de desemprego no país está no nível mais alto dos últimos 50 anos quando, na realidade, está muito baixo: apenas 3.9%. Cerca de 49% dos americanos acreditam que o índice de mercado de ações SP 500 — algo facilmente verificável na internet em questão de segundos — caiu neste ano, embora esse índice tenha subido 24% em 2023 e mais de 12% em 2024. É possível que a inflação elevada possa explicar parte dessa percepção distorcida. Tudo indica, porém, que ela resulta, principalmente, do tribalismo político.
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Enquanto o eleitor de uma democracia não tão polarizada considera o revezamento de poder algo positivo para que o próprio partido perdedor tenha a oportunidade de se renovar, o eleitor de um ambiente extremamente polarizado entrega um apoio político inabalável e irrefletido. Além disso, enxerga tudo – mídia, poder judiciário, dados econômicos e burocracia do Estado – através do filtro “nós contra eles”. Isso explica por que Trump não deverá ter dificuldade para fazer boa parte de seus apoiadores acreditarem que seu julgamento foi fraudulento. Chega a ser provável que sua derrota na Justiça contribua para o agravamento da polarização.
Ao mesmo tempo, seria um erro descartar a possibilidade de a condenação ter algum impacto sobre os eleitores independentes e indecisos, que nem odeiam nem amam Trump – sobretudo nos Estados-pêndulo, que definirão as eleições em novembro, como Arizona, Carolina do Norte, Nevada, Geórgia, Michigan, Pensilvânia e Wisconsin. É possível que parte deles chegue à conclusão de que a presença na Casa Branca de um condenado pela Justiça terá dificuldades para governar, até porque deverá dedicar parte de seu tempo à defesa contra outros processos judiciais, ainda por cima com poder para interferir nas investigações contra si mesmo. Além disso, elegê-lo abriria um precedente preocupante para futuros presidentes dos EUA. Certeza sobre o que decidirão, porém, ninguém pode ter.
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