Há um ano, Nayib Bukele, presidente de El Salvador, deu início a uma estratégia de terra arrasada contra o crime organizado: anunciou o estado de exceção e suspendeu em seguida uma série de direitos básicos. Isso permitiu que a polícia detivesse dezenas de milhares de pessoas, muitas vezes sem apresentar evidências. Hoje, aproximadamente 2% da população adulta está na prisão, transformando El Salvador no país que mais prende no mundo. Seria como se a população carcerária brasileira – de menos de 1 milhão – aumentasse para mais de 3 milhões, muitas vezes sem o direito de ter um advogado ou se comunicar com familiares. O governo Bukele acaba de inaugurar o que pode vir a ser a maior prisão do mundo para mais de 40 mil presos – chamada, para efeito midiático, de “Centro de Confinamento do Terrorismo”.
A taxa de homicídios de El Salvador, até recentemente uma das mais altas do mundo, caiu vertiginosamente e hoje está entre as mais baixas da América Latina. As principais gangues, como os notórios Mara Salvatrucha e Barrio-18, que atormentaram a população por anos, parecem recuar. El Salvador recebeu mais de 2.5 milhões de turistas no ano passado. A taxa de aprovação de Bukele subiu para 90% – a mais alta na América Latina. Não surpreende que outros líderes e candidatos da região estejam começando a se inspirar no presidente que, com 41 anos, é um dos mais jovens do mundo.
O governo esquerdista de Honduras sinalizou que se inspira em Bukele e anunciou recentemente o estado de exceção em várias províncias – reflexo do chamado “Efeito Bukele”. A admiração inicialmente limitava-se à América Central, mas agora um número cada vez mais elevado de políticos elogiam Bukele e tentam copiar sua abordagem em países como Argentina, Peru e Chile. É questão de tempo até que presidenciáveis prometam seguir os passos do governo de El Salvador: de acordo com recente pesquisa de opinião realizada no Equador, país que vive uma escalada de violência, Bukele é mais popular que qualquer político equatoriano.
A fama repentina de Bukele na América Latina se explica pelos graves problemas de segurança pública que os governos na região enfrentam. No entanto, nem a população salvadorenha nem o crescente número de admiradores de Bukele no exterior parecem ter consciência do altíssimo custo de suas políticas, que demandam violação permanente de direitos básicos de milhares de cidadãos. O próprio Bukele, ciente de que os efeitos positivos de suas medidas dificilmente serão sustentáveis, aproveitou o momento de alta popularidade para aparelhar o Judiciário e o Legislativo, e o Ministério Público já não tem autonomia para investigar o número crescente de acusações de corrupção contra o presidente. Hoje, o governo prende aqueles que ousam criticá-lo, e Bukele já sinalizou que se candidatará novamente em 2024, ignorando a Constituição que proíbe a reeleição.
Tudo indica que Bukele manterá uma em cada 50 pessoas presas de forma permanente, o que representaria uma violação de Direitos Humanos em escala gigantesca. Mesmo assim, é pouco provável que a aposta do presidente leve à vitória na batalha contra o crime organizado. Afinal, enquanto a estratégia de prender milhares pode reduzir a violência no curto prazo, é importante lembrar que o crime organizado só avança quando o Estado é fraco e abre um vácuo de poder — como o que as gangues de El Salvador preencheram. Em países onde o Estado está fragilizado, grandes populações carcerárias acabam sendo, muitas vezes, uma boa notícia para o crime organizado, porque ele consegue desempenhar com mais facilidade sua atividade de recrutamento.
A não ser que o governo de El Salvador consiga oferecer soluções sustentáveis – por exemplo: acesso à Justiça independente, saúde, educação e oportunidades de emprego –, outro grupo criminoso tomará o lugar daqueles que estão na prisão. Até agora, porém, não parece que Bukele conseguirá enfrentar os profundos problemas estruturais do país. Pelo contrário: El Salvador parece estar caminhando para uma profunda crise fiscal e se encontra cada vez mais isolado no âmbito diplomático. Número crescente de integrantes do governo Bukele é alvo de sanções dos EUA. Quem provavelmente tomará o lugar dos cartéis em algum momento serão criminosos ligados ao governo. Quando a população de El Salvador se cansar de Bukele, perceberá que já não há caminho fácil para tirá-lo do poder.
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