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Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião | Cúpula do BRICS na Rússia representa dilema estratégico para o Brasil

Cresce no bloco a divergência entre a ala antiocidental e os países que preferem o não-alinhamento

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Atualização:

A décima-sexta cúpula do grupo BRICS na cidade russa de Kazan tem tudo para se tornar um triunfo diplomático para o presidente russo, Vladimir Putin, especialmente após a expansão do bloco em 2023, quando foram incluídos Irã, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos (a Arábia Saudita também foi convidada, mas ainda não deu resposta).

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O BRICS, que inicialmente contava com Brasil, Rússia, Índia e China, e com a África do Sul a partir de 2010, agora representa 35,6% do PIB global em paridade de poder de compra, superando os 30,3% do G7, e 45% da população mundial. Com mais de 40 países interessados em aderir ao BRICS, incluindo potências emergentes como a Indonésia, o bloco deverá seguir em expansão.

Putin provavelmente aproveitará a cúpula para destacar que, apesar das sanções ocidentais após a invasão à Ucrânia, a Rússia não está isolada. Pelo contrário, o país é agora um membro central de um grupo influente na definição do futuro da ordem global. Essa narrativa vai além das habilidades diplomáticas do Kremlin e reflete uma realidade mais ampla: com o declínio da influência global dos EUA, muitos países estão buscando alternativas para aumentar sua autonomia estratégica, e o BRICS emerge como uma plataforma atraente para essas nações.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de uma reunião dos Brics, em São Petesburgo, Rússia  Foto: Valery Sharifulin/AFP

Apesar das diferenças entre países-membros do BRICS, há uma série de convergências estratégicas mais amplas, que explicam por que, ao longo dos últimos 15 anos, o grupo não apenas se manteve como também ampliou suas atividades e hoje inclui um Banco de Desenvolvimento e quase cem encontros anuais, envolvendo temáticas que vão de defesa e meio ambiente a educação, saúde e juventude.

Um dos motivos é que o BRICS tem ajudado países do bloco a ampliar seus laços com Pequim – uma necessidade estratégica para o Brasil, dada sua crescente dependência econômica da China. Além disso, os países do BRICS enxergam a transição para o mundo multipolar como algo positivo porque ela impõe limites à política externa americana — apesar de a multipolaridade geralmente ser mais turbulenta e instável.

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Da mesma forma, o grupo protege seus integrantes contra o isolamento diplomático no Ocidente, como foi o caso do ex-presidente Bolsonaro e, atualmente, do presidente Putin. Vale lembrar que, no fim do mandato do então presidente brasileiro, o BRICS tornou-se para ele uma espécie de salva-vidas diplomático, quando líderes ocidentais o evitavam.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de cerimônia do Dia Mundial da Alimentação, realizada no dia 16 de outubro, no Palácio do Planalto em Brasília Foto: Wilton Junior/Estadão

Contudo, o BRICS enfrenta crescentes divisões internas. Países como China, Rússia e Irã buscam transformar o bloco em uma coalizão contra o Ocidente. Por outro lado, Brasil e Índia preferem usar o BRICS como uma ferramenta para reformar a atual ordem mundial sem a confrontar diretamente.

Brasília e Nova Delhi costumam optar, independentemente da orientação ideológica de seus governos, pelo multi-alinhamento, que envolve ampliar laços tanto com os EUA e a Europa quanto com a China e a Rússia. Essa diferença se manifesta não somente em conversas nos bastidores, mas também quando se compara a retórica de seus líderes: enquanto a Rússia vê o BRICS em uma relação antagônica com o G7, o presidente Lula costuma enfatizar que o BRICS é “contra ninguém”. Essa divergência interna entre o segmento antiocidental liderado por Pequim e Moscou e o segmento multi-alinhado liderado por Nova Deli e Brasília moldará o futuro do grupo e sua relevância na arena global.

A expansão recente do BRICS adicionou mais complexidade, especialmente com a entrada de países como o Irã, que reforça o campo antiocidental dentro do bloco. Da mesma forma, a decisão argentina de não aderir ao grupo foi uma má notícia para o Brasil, pois a não adesão do vizinho diminuiu o peso da América Latina no BRICS – o Brasil é o único país da região, enquanto há três integrantes africanos e três do Oriente Médio, presumindo que a Arábia Saudita aceitará o convite para fazer parte. Por outro lado, a expansão também pode paralisar o grupo, como ficou evidente recentemente, quando os chanceleres do BRICS não conseguiram aprovar uma declaração sobre a reforma do Conselho de Segurança da ONU, diante de divergências entre a África do Sul de um lado e o Egito e a Etiópia, de outro.

As tensões internas entre os apoiadores de uma agenda mais agressiva contra o Ocidente e os adeptos de uma postura mais moderada, como Brasil e Índia, representam um dilema para o governo brasileiro, que deve buscar suavizar o tom da declaração. Esse dilema estratégico, porém, não se limita à cúpula de Kazan. Ele marcará também a presidência brasileira do BRICS no próximo ano, quando os líderes do grupo se reunirão no Brasil.

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Opinião por Oliver Stuenkel

Analista político e Professor de Relações Internacionais da FGV-SP

Alexander Gabuev

Alexander Gabuev (@AlexGabuev) é diretor do Centro Carnegie para Rússia e Eurásia, em Berlim

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