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Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião | Por que o declínio da Rússia é um problema para o mundo? leia a análise

O caso do país governado por Putin mostra que um país em decadência pode ser mais perigoso do que um em ascensão

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Uma das principais fontes de instabilidade internacional são deslocamentos de poder. Um exemplo clássico disso são nações que se encontram em franca ascensão: confiantes, suas lideranças políticas muitas vezes buscam uma atuação internacional mais assertiva, investem em seu poder militar e acabam desafiando potências já estabelecidas.

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A ascensão dos EUA há cem anos e a da China ao longo das últimas décadas são exemplos clássicos de como a emergência de uma grande potência pode fragilizar o status quo.

O atual caso da Rússia, porém, mostra que o declínio de um ator relevante também pode representar um risco, criando vácuos de poder em suas fronteiras ou deixando suas lideranças políticas mais agressivas para compensar os fracassos no âmbito doméstico. O atual declínio russo independe do desfecho da invasão russa à Ucrânia ou do destino político do presidente Vladimir Putin.

Um líder sabidamente preocupado com seu legado nos livros de história, como Putin, sabe que, apesar de ter ajudado a estabilizar o país na virada do século, seu saldo desde então é, predominantemente, negativo, e difícil de ser revertido Foto: Dmitry Astakhov/Sputnik / AFP

Os problemas da nação de maior extensão do planeta são mais fundamentais e se refletem nos chocantes dados demográficos: por exemplo, um homem russo com 15 anos de idade hoje tem a mesma expectativa de vida de um homem no Haiti, país em estado de anarquia e há décadas o mais pobre das Américas. Trata-se de uma expectativa de vida mais baixa que a do Iêmen e a do Zimbábue, que figuram entre os países mais pobres do planeta. Na média, um homem russo morre 18 anos antes de um homem japonês.

À primeira vista, poderia se presumir que o dado se deve ao elevado número de fatalidades de soldados russos na invasão à Ucrânia. Porém, trata-se de dados oficiais do governo russo, coletados antes do início da guerra. Desde a invasão russa à Ucrânia, a situação demográfica piorou ainda mais: estima-se que 120 mil soldados russos morreram nas batalhas, e aproximadamente 900 mil russos emigraram, muitos deles jovens, representando em torno de 1% da força laboral do país.

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De acordo com o ministério das Comunicações do governo russo, 10% de todos os profissionais da área de TI emigraram desde o início da guerra, verdadeira catástrofe econômica considerando a importância estratégica do setor.

Uma consequência da baixa expectativa de vida dos homens, da guerra e da fuga ao exílio é o desequilíbrio de gênero. Hoje, na Rússia, há 10 milhões de mulheres a mais do que homens. Não se trata de um problema recente: entre 1993 e 2009, por exemplo, a população russa encolheu em quase seis milhões (dados oficiais mostram um aumento recente, que se deve à anexação da península ucraniana da Crimeia).

Tudo isso é ainda mais notável porque a Rússia não é um país pobre. É urbanizado, possui indústrias altamente sofisticadas — sobretudo no setor bélico —, a maior quantidade de armas nucleares do mundo, uma produção cultural admirada mundo afora e uma taxa de alfabetização de quase 100%. Além disso, goza de grandes reservas de petróleo e gás, e é o maior exportador mundial de trigo — beneficiando-se, inclusive, das mudanças climáticas, que aumentam a quantidade de terras férteis.

Vários outros países ao redor do mundo, sobretudo no Leste Asiático e na Europa, sofrem com crises demográficas. Nenhum deles, porém, sofre com uma baixa tão grande da expectativa de vida ou uma fuga de elites qualificadas tão expressiva. Diferentemente da Rússia, a Europa atrai, a cada ano, milhões de migrantes jovens e motivados.

A crise demográfica russa e a emigração de pessoas qualificadas — produto de problemas profundos no país — são elementos-chave para compreender a constante glorificação por Vladimir Putin do “russki mir” (mundo russo), a retórica nostálgica de um passado mistificado, a demonização do Ocidente e a política externa mais agressiva, envolvendo guerras contra vizinhos menores como a Georgia e, mais recentemente, a Ucrânia, que ajudam promover o nacionalismo e a sensação permanente de estar sob ameaça externa.

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Como ficou evidente no último 23 de agosto, quando o avião de Yevgeny Prigozhin, chefe do grupo Wagner, caiu perto de Moscou, um conflito militar de grandes dimensões ajuda não apenas a desviar a atenção pública de outros problemas, como também para promover expurgos e eliminar opositores com mais facilidade — presumindo que, como acreditam numerosos analistas, o governo russo tenha ligação com a morte do mercenário.

Por fim, um líder sabidamente preocupado com seu legado nos livros de história, como Putin, também sabe que, apesar de ter ajudado a estabilizar o país na virada do século, seu saldo desde então é, predominantemente, negativo, e difícil de ser revertido — a não ser que seja lembrado por ter liderado a expansão territorial da Rússia.

Não por acaso, em conversa com um oligarca russo no início da invasão à Ucrânia, o chanceler russo Lavrov — que não havia sido informado com antecedência sobre a decisão do presidente, disse: “(Putin) tem três conselheiros: Ivã IV, Pedro o Grande e Catarina II” — todos lembrados por suas conquistas territoriais.

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