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Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião | Eleições em Botsuana são lembrete de que a democracia é superior a qualquer alternativa

Presidente Masisi não fez um bom governo, mas seu discurso de reconhecimento da derrota fez toda a diferença

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Foto do author Oliver  Stuenkel

No mês passado, o presidente botsuanense, Mokgweetsi Masis, proferiu o melhor e mais importante discurso de sua carreira política. Logo depois de ficar sabendo do resultado das eleições, disse, em uma coletiva de imprensa: “Reconheço o resultado da eleição. Tenho orgulho do nosso processo democrático. Embora eu desejasse um segundo mandato, respeitosamente deixarei o cargo e participarei de um processo de transição tranquilo. Estou ansioso para comparecer à cerimônia de posse e torcer por meu sucessor. Ele contará com meu apoio”.

Ao tentar explicar o resultado, não questionou o sistema eleitoral, não culpou a mídia e não inventou nenhuma teoria conspiratória. Não responsabilizou a CIA, nem George Soros, nem quaisquer outros atores externos. Simplesmente assumiu, de forma inequívoca, a responsabilidade pela derrota: “Estávamos realmente convencidos da nossa mensagem, [mas] erramos feio aos olhos do povo”. Masisi anunciou que já tinha falado com o líder do partido oposicionista Umbrella for Democratic Change (UDC), o advogado de direitos humanos formado em Harvard, Duma Boko, para combinar a transição.

Mokgweetsi Masis, que está deixando a presidência de Botsuana, durante entrevista coletiva Foto: Greg Beadle/World Economic Forum

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De fato, depois de um mandato conturbado, Masisi não merecia ser reeleito. Foi acusado de usar recursos do governo de forma inadequada e enfrentou acusações de corrupção sistemática. Além disso, demonstrou falta de postura presidencial ao utilizar uma linguagem ofensiva e desrespeitosa para atacar adversários, incluindo líderes comunitários, um comportamento amplamente criticado em uma sociedade que preza o princípio botsuanense de botho (civilidade e respeito).

Mesmo assim, quando enfrentou seu maior desafio, esteve à altura do momento. Afinal, o discurso de reconhecimento da derrota de quem está no poder e a promessa de facilitar a transição de poder para a oposição representam o ato mais sagrado da democracia, pois simbolizam a grande diferença entre regimes democráticos e autoritários. Em democracias, partidos governistas deixam o poder sem desestabilizar o sistema, pois aceitam a legitimidade da oposição e confiam que ela respeitará as regras do jogo – e que o partido derrotado poderá retornar ao poder no próximo ciclo eleitoral. Em regimes autoritários, por outro lado, partidos governistas geralmente só deixam o poder quando perdem o controle sobre as Forças Armadas – e sua saída muitas vezes se dá, por falta de institucionalização, de forma violenta e desestabilizadora.

A postura de Masisi é particularmente impressionante considerando que sua agremiação, o Partido Democrático de Botsuana (BDP), dominou a política nacional por mais de cinco décadas e, portanto, estava acostumado com o controle da máquina pública. Mesmo assim, diferentemente de tantos outros partidos no poder por muito tempo, o BDP não sufocou a oposição. Isso é um dos motivos pelos quais, apesar de nunca ter vivido uma alternância de poder desde sua independência em 1966, Botsuana costuma aparecer, em rankings globais de democracia, à frente de países europeus como Bélgica, Itália e Polônia. Na América Latina, apenas três países — Uruguai, Costa Rica e Chile — apresentam pontuação mais elevada do que o país africano. Tudo isso apesar de ter iniciado sua trajetória como um dos países mais pobres do mundo e sem acesso ao mar, fator que costuma dificultar o desenvolvimento econômico. Hoje, porém, possui um PIB per capita semelhante ao da Colômbia e ao do Equador.

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Botsuana realizou essa façanha porque, diferentemente de muitos países da região, que não souberam administrar seus recursos naturais, gerencia sua riqueza em diamantes de forma relativamente eficiente e transparente, o que permitiu investimentos em educação, infraestrutura e saúde. Por exemplo, em 1999, enfrentando uma taxa de prevalência de HIV de até 30%, Botsuana decidiu priorizar o combate à doença e tornou-se um pioneiro no enfrentamento da transmissão – e hoje mais de 90% dos infectados sabem de seu status virológico, e mais de 90% deles estão em tratamento antirretroviral. O progresso foi tão significativo que atualmente mais da metade de todas as novas transmissões ocorre fora da África Subsaariana.

Ainda assim, seria equivocado afirmar que a democracia só é preferível às autocracias quando ela produz boa governança e progresso econômico – apesar de os regimes democráticos geralmente entregarem resultados econômicos superiores. Mais importante do que isso, a democracia é superior a qualquer alternativa porque ela permite aos cidadãos optar por uma correção de curso quando o partido no poder não cumpre as expectativas, como tem sido o caso recentemente em Botsuana.

Opinião por Oliver Stuenkel

Analista político e Professor de Relações Internacionais da FGV-SP

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