Quem acompanha o cenário político da Nigéria, que foi às urnas no sábado passado para eleger seu próximo presidente, depara com uma lista surpreendentemente longa de semelhanças entre aquele país e o Brasil.
A Nigéria tem 213 milhões de habitantes – um pouco mais que os 208 milhões do Brasil –, enfrenta uma desigualdade profunda entre a região sul mais rica e a norte mais pobre, e vem a ser a maior democracia de sua região há algumas décadas após um longo histórico de intervenções militares na política.
É um país que sofre com frequentes casos de corrupção de seus políticos, maioria de homens com mais de 60 anos, além de estar profundamente polarizado. Ademais, enfrenta graves problemas com o crime organizado, é uma das nações mais afetadas por delitos cibernéticos, tem debatido recentemente a independência do Banco Central e padece com um crescimento econômico medíocre há anos, o que levou muitos jovens a emigrar em busca de oportunidades em outros lugares.
Diferentemente das recentes eleições no Brasil, porém, o pleito no país mais populoso do continente africano, cujo primeiro turno se deu em 25 de fevereiro (seguido por um possível segundo turno daqui a três semanas), tem recebido pouca atenção internacional, reflexo da falta de apreciação externa sobre a relevância do fato. Porém, muito mais depende do próximo mandatário nigeriano do que pode parecer à primeira vista. Quatro questões de destacam.
Em primeiro lugar, o novo governo da Nigéria, a tomar posse no fim de maio, terá que preparar sua economia e sociedade para uma verdadeira explosão demográfica: até 2050, a população deve dobrar para mais de 400 milhões, convertendo o país africano no terceiro mais populoso do mundo depois de Índia e China.
Com uma taxa de fertilidade de mais de 5 filhos por mulher e uma idade média da população de apenas 18 anos, o fortalecimento da educação e a geração de emprego para jovens se tornam a tarefa mais urgente para garantir estabilidade política.
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A não ser que as condições melhorem, a já intensa fuga de cérebros alcançará dimensões ainda maiores. A taxa de desemprego na Nigéria está acima de 30%, e 73% das pessoas dizem que emigrariam se tivessem oportunidade. A taxa de inflação de mais de 20% agrava a sensação de que o país está à deriva.
Em segundo lugar, o sucessor do octogenário Muhammadu Buhari – cuja gestão foi tão caótica que sua esposa veio ao público para pedir perdão – terá de lidar com a pior crise de insegurança em uma das nações mais diversas da terra, onde vivem cerca de 370 grupos étnicos, são faladas mais de 520 línguas e há vários movimentos separatistas. No Sudeste, cresce o temor de um novo conflito de dissidência, o que traz lembranças da terrível guerra civil responsável pela morte de mais de um milhão de pessoas no fim da década de 1960.
No Norte, uma insurgência extremista já deslocou mais de dois milhões de pessoas, e observa-se o crescimento da atuação da rede terrorista regional Boko Haram, com potencial de desestabilizar toda a África Ocidental e o Sahel. A desertificação da região, consequência das mudanças climáticas, intensifica os conflitos sobre pastos.
Em terceiro lugar, é comum ouvir a percepção entre cidadãos de que, na verdade, a elite política nigeriana está preocupada, acima de tudo, com seu próprio bem-estar, noção reforçada pelos frequentes casos de corrupção e abusos cometidos por militares e policiais.
Bola Tinubu, candidato do partido governista APC e favorito no pleito presidencial, não tentou nem sequer disfarçar sua ambição a ponto de escolher “Agora chegou a minha vez” como slogan de campanha. Menos de 5% dos assentos do parlamento nigeriano estão ocupados por mulheres, as mais afetadas pela crise de insegurança.
A não ser que o vencedor das eleições possa superar a desconexão entre os governantes e os governados, a democracia nigeriana se tornará cada vez mais suscetível a outsiders com propostas autoritárias. O colapso da ordem democrática no país seria um péssimo indicativo para a saúde da democracia em nível global.
Por fim, o próximo ocupante da Villa Aso, residência presidencial na capital Abuja, terá que encontrar tempo para preencher um preocupante vácuo de liderança diplomática continental. Com a África do Sul, único integrante africano do BRICS e do G20, enfrentando problemas internos cada vez mais sérios, há uma preocupante ausência da África nos principais palcos internacionais, situação insustentável diante da grande importância do continente na hora de discutir os principais desafios globais, como mudanças climáticas, segurança alimentar, migração e refúgio. Uma estabilidade interna mínima permitiria ao próximo presidente nigeriano assumir um papel mais relevante nas conversações regional e global.
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