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Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião|Escolha de J.D. Vance como vice de chapa traz riscos para Trump

Conservadorismo fervoroso de Vance mobiliza trumpistas convictos, mas pode afastar indecisos

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Foto do author Oliver  Stuenkel

As primeiras duas semanas de Vance como vice da chapa de Trump dificilmente poderiam ter sido piores. A tarefa principal de qualquer político que se apresenta no palco nacional pela primeira vez, como Vance o fez durante a Convenção Nacional do Partido Republicano, é construir uma imagem clara e uma narrativa convincente que fortaleça as chances da chapa. No caso de Vance, porém, os Democratas reagiram de forma mais ágil à indicação e inundaram as redes com vídeos de Vance compartilhando ideias vistas como controversas por eleitores indecisos.

Um deles é um clipe de 2021, no qual Vance alertou que os Estados Unidos estavam sendo governados por “um bando de mulheres sem filhos, infelizes com suas próprias vidas”. Citou, então, como exemplo, a vice-presidente Kamala Harris, que tem dois enteados. Embora atacar mulheres por não terem tido filhos possa consolidar o apoio junto a eleitores ultraconservadores que já iam votar em Trump de qualquer jeito, Vance pode atrapalhar as tentativas de Trump de atrair eleitores centristas, fundamentais para vencer a eleição.

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Apesar de Vance ser descrito muitas vezes como “mais trumpista que Trump”, ele difere de seu mentor em um aspecto chave: o conservadorismo nos costumes. Graças a uma trajetória pessoal nada conservadora – que inclui traições, sexo com uma atriz pornô e divórcios –, Trump consegue atrair eleitores que apreciam sua retórica anti-imigrante, mas se opõem a uma agenda ultraconservadora que prevê intereferências diretas do Estado na vida íntima dos cidadãos. Ciente da necessidade de não assustar eleitores moderados, Trump explicitamente se afastou do “Project 2025″, publicado pelo think tank Heritage Foundation e elaborado por vários oficiais de seu governo mais recente.

O documento prevê, entre outras coisas, a criação de uma “vigilância do aborto” por parte de governos estaduais, a proibição da pílula abortiva utilizada na maioria das interrupções voluntárias da gravidez e a limitação do uso da pílula do dia seguinte. É como se os escândalos sexuais de Trump ajudassem a amenizar a retórica conservadora e moralista do próprio trumpismo. Vance, por outro lado, tem defendido que o Estado possa processar mulheres que foram a outro Estado interromper a gravidez de forma legal, e seu estilo é bem menos capaz de amenizar preocupações de eleitores moderados. As pesquisas de opinião não deixam nenhuma dúvida de que a maioria da população se opõe a restrições amplas ao aborto que Vance defendeu no passado, inclusive em caso de estupro ou incesto.

Outro ponto é que a desistência de Biden, apenas uma semana depois da Convenção Republicana, alterou a dinâmica da corrida eleitoral de uma forma que levou doadores republicanos a questionarem a escolha de Vance. Enquanto o senador de Ohio se destaca por sua lealdade inquestionável a Trump, sua escolha pode ser lida como sinal de uma sensação de “já ganhou” da campanha Republicana. Enquanto tal sensação possa ter sido compreensível enquanto Biden era candidato, parece evidente que Kamala Harris energizou a campanha.

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Candidato à vice-presidência republicano J.D. Vance é parceiro de chapa de Donald Trump, para concorrer contra a possível candidata democrata Kamala Harris. Foto: AP Photo/Alex Brandon

Como o estrategista democrata Ferdinand Amandi comentou recentemente, com a confirmação de Harris como candidata, o cenário mudou “de uma eleição perdida para uma eleição que agora parece poder ser ganha [pelos Democratas].” Em retrospectiva, parece que uma escolha de um candidato conservador mais tradicional e experiente – como Trump fez em sua campanha vitoriosa em 2016, quando escolheu o governador Mike Pence – teria sido menos arriscada. Isso sobretudo porque, se for vitorioso em novembro, Trump seria o presidente-eleito mais velho da história dos EUA – ainda mais velho do que Biden quando venceu o pleito em 2020.

Nada disso sugere que Harris seja a favorita contra Donald Trump em novembro. Será preciso aguardar para verificar se a candidata do Partido Democrata conseguirá manter a energia otimista que a desistência de Biden gerou; se ela conseguirá evitar os erros de sua breve campanha a presidente em 2020, quando desistiu antes das primeiras primárias democratas; e finalmente se ela conseguirá encontrar um vice de chapa que lhe seja complementar, reduzindo as vulnerabilidades de sua campanha aos olhos dos eleitores centristas nos Estados-pêndulo. Considerando o tempo reduzido que Harris terá para preparar a campanha e suas taxas de aprovação ao longo dos últimos anos, Trump – que tentará descrever sua oponente como uma esquerdista radical – ainda tem, por enquanto, mais chances de ser eleito daqui a menos de 100 dias. Mesmo assim, tudo indica que será um pleito bem mais apertado do que quando o candidato democrata era o atual presidente Joe Biden. Nesse caso, é possível que Trump chegue a se arrepender de ter escolhido Vance como vice de chapa.

Opinião por Oliver Stuenkel

Analista político e Professor de Relações Internacionais da FGV-SP

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