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Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião|Apesar dos desafios internos, México pode se tornar o maior beneficiado da Nova Guerra Fria

Embora as relações entre Washington e Pequim deteriorem, o país se tornará mais atraente para ambas as superpotências

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Foto do author Oliver  Stuenkel

À primeira vista, o México não dá a impressão de ser um dos países mais bem posicionados no atual cenário político global. Comentaristas como Denise Dresser, professora do Instituto Tecnológico do México, enxergam o partido governista Morena, que triunfou nas eleições presidenciais no mês passado, como uma ameaça autoritária e lamentam o “retrocesso democrático” no país.

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Em artigo da revista Foreign Affairs, Dresser alerta que “a democracia do México [...] está sendo destruída por um presidente eleito livremente, que manipulou as instituições democráticas e procura mudar não apenas as regras do jogo eleitoral, mas também todo o sistema político, para que seu partido permaneça no poder.”

Outros descrevem o crescente poder político e econômico das Forças Armadas como o legado mais nefasto do presidente mexicano Andres Manuel Lopes Obrador, conhecido como ‘AMLO’, que deixará o comando em 1º de outubro, quando passará o bastão a sua aliada Claudia Sheinbaum.

Documentos vazados por hackers recentemente revelaram que o exército tem espionado jornalistas, defensores dos direitos humanos e lideranças políticas. Por fim, AMLO foi incapaz de combater a violência dos cartéis de drogas e reduzir a taxa elevadíssima de homicídios no país.

Outros analistas, porém, discordam da narrativa sobre o preocupante retrocesso democrático no México. Na última edição da revista Journal of Democracy, a cientista política Viridiana Rios insiste que, apesar das tentativas de AMLO de centralizar o poder e enfraquecer freios e contrapesos, as instituições do país estão sólidas. Rios reconhece as ambições autoritárias do presidente, mas afirma que “a democracia mexicana provou ser mais resiliente do que muitos céticos esperavam”.

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Olhando para os próximos anos, é otimista a aponta que a falta de carisma de Sheinbaum, divisões no partido governista e uma oposição revigorada tornam um enfraquecimento da democracia mexicana pouco provável.

Claudia Sheinbaum será a nova presidente do México e deve dar continuidade às políticas de López Obrador Foto: Marco Ugarte/AP

Enquanto o cenário político preocupa alguns, porém, há um consenso em relação aos vastos benefícios que o cenário geopolítico global pode criar para a economia mexicana: preocupados com as tensões crescentes entre os Estados Unidos e a China, um número crescente de empresas norte-americanas busca reduzir sua dependência do país asiático e diversifica suas cadeias produtivas, escolhendo países mais próximos dos EUA – em um processo conhecido como “nearshoring” –, e aqueles com os quais Washington mantém relação política mais estável, fenômeno conhecido como “friendshoring”. T

udo isso faz parte do chamado “de-risking” (reduzir vulnerabilidades a riscos geopolíticos) das multinacionais e explica por que o México se tornou recentemente o maior parceiro comercial dos EUA, superando a China. Um recente estudo de Deloitte sugere que o nearshoring pode acrescentar mais 3% ao PIB do país nos próximos cinco anos, além de mais de 1 milhão de empregos.

Como tudo indica que a relação entre Washington e Pequim se tornará cada vez mais turbulenta e marcada pela desconfiança mútua – independentemente de quem vencer as eleições nos EUA em novembro –, essas tendências devem se intensificar, gerando vastas oportunidades para a economia mexicana, uma das mais dinâmicas da América Latina. Afinal, não só empresas norte-americanas, mas também europeias e asiáticas, veem no México uma oportunidade para reduzir sua exposição às crescentes tensões geopolíticas.

Tanto o comércio mexicano com os EUA quanto com a China registrou um forte aumento ao longo dos últimos anos, e Pequim espera usar o México para contornar as tensões comerciais com Washington. Refletindo o potencial mexicano de se dar bem em meio à Nova Guerra Fria e à emergência de uma Cortina de Ferro Digital, tanto a Tesla quanto a BYD, sua rival chinesa, sinalizaram que vão apostar no Mexico, que pode ser tornar um hub global de produção de carros elétricos.

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Tudo isso é ainda mais notável considerando que a economia mexicana ainda enfrenta desafios complexos, como déficits na infraestrutura, o crime organizado e um governo cujas políticas econômicas são frequentemente criticadas por investidores.

Nenhum desses problemas, porém, altera a percepção dominante de que a combinação de mão de obra ainda relativamente barata, a proximidade e acesso ao mercado norte-americano, o acesso ao Pacífico e ao Atlântico e relativa neutralidade geopolítica torna o país um destino ideal para investidores em um mundo cada vez mais imprevisível. A não ser que o próximo governo cometa muitos erros, o México tem tudo para se destacar globalmente ao longo dos próximos anos.

Opinião por Oliver Stuenkel

Analista político e Professor de Relações Internacionais da FGV-SP

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