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Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião | Militarização do Estado Indonésio Representa um Retrocesso Democrático

Militares na politica e quartéis politizados representam uma das maiores ameaças à democracias

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Foto do author Oliver  Stuenkel

A terceira maior democracia do mundo sofreu um revés no último 20 de março quando o parlamento indonésio aprovou emenda que expande o número de cargos civis que militares da ativa podem ocupar sem precisar deixar as Forças Armadas. Anteriormente, essa participação era restrita a áreas de segurança e defesa.

A chamada Lei das Forças Armadas, que acaba de ser modificada, tinha sido aprovada em 2004, como parte fundamental das reformas democráticas pós-Suharto, que governou o país com apoio militar durante 32 anos. Depois da queda do ditador em 1998, a Indonésia embarcou em um processo de transição democrática. Uma das principais demandas da sociedade civil e dos reformistas políticos na época era limitar o papel dos militares na política e nos assuntos civis, encerrando a chamada “função dupla” (dwifungsi) das Forças Armadas. Essa doutrina política tinha sido adotada para justificar o aumento permanente da influência das Forças Armadas da Indonésia no governo, incluindo assentos reservados exclusivamente para militares no Parlamento e cargos de alto escalão no serviço público do país.

A nova emenda que reverte, em parte, o marco institucional democrático, foi aprovada pelo Legislativo, amplamente dominado por legendas aliadas ao atual presidente Prabowo Subianto Foto: Yasuyoshi Chiba/YASUYOSHI CHIBA

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Sancionada durante o governo de Susilo Bambang Yudhoyono, a lei formalizou a separação entre os poderes civil e militar, permitindo que militares da ativa atuassem apenas em instituições relacionadas a defesa, segurança e inteligência, como o Ministério da Defesa e a Agência Nacional de Inteligência.

A nova emenda que reverte, em parte, esse marco institucional democrático, foi aprovada pelo Legislativo, amplamente dominado por legendas aliadas ao atual presidente Prabowo Subianto, ex-genro de Suharto e ex-general acusado de graves violações de direitos humanos. Vinte e sete anos depois do fim da ditadura sangrenta de Suharto, a medida ameaça ser um passo rumo à restauração da antiga “função dupla” dos militares. Uma nova cláusula também concede a Subianto autoridade para nomear militares da ativa para outros ministérios, conforme a necessidade, de acordo com o texto do projeto. Após a aprovação da emenda, milhares de estudantes foram às ruas da capital em protesto contra a mudança aprovada e exigindo que os parlamentares revertessem a decisão. “Como oficiais da ativa lotados na Procuradoria-Geral podem agir com imparcialidade se ainda estão subordinados à hierarquia militar?”, questionou Virdika Rizky Utama, pesquisador do think tank PARA Syndicate, com sede em Jacarta.

A história oferece exemplos claros dos riscos associados à militarização da política e à politização das Forças Armadas. Em países como Venezuela, Mianmar, Egito e Paquistão, a ampla influência dos militares na esfera civil resultou em abusos de poder, repressão de opositores e enfraquecimento das instituições democráticas. Forças Armadas com poder político tendem a atuar com impunidade, sufocar a oposição e reduzir o espaço democrático.

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No caso da Indonésia, a chegada de Subianto ao poder reflete uma tendência preocupante: ele comandava a unidade de forças especiais acusada de sequestrar e matar ativistas entre 1997 e 1998. Nas eleições de 2019, Subianto, após ser derrotado, instigou seus seguidores a contestarem os resultados, levando a confrontos violentos.

A vitória de Prabowo Subianto em 2024 foi impulsionada por uma campanha populista ancorada em promessas de segurança e crescimento econômico. Um elemento-chave na sua campanha foi conquistar o voto dos jovens por meio do uso das redes sociais, o que lhe rendeu o apelido de “general do TikTok”. Para parte da população jovem, que não viveu os anos de repressão sob Suharto, o passado autoritário parece distante — e, para alguns, até desejável diante das incertezas atuais. O argumento do governo — de que mudanças geopolíticas exigem mais presença militar no aparato estatal — soa familiar para quem acompanha retrocessos semelhantes em outras regiões do mundo.

O caso indonésio não é isolado. Segundo o Índice de Democracia da Economist Intelligence Unit (EIU), o mundo vive hoje uma das maiores retrações democráticas das últimas décadas, envolvendo uma preocupante erosão da democracia em todas as regiões do mundo.

Vale lembrar que não há problema algum em militares se candidatarem a cargos políticos. De fato, numerosos ex-militares entraram na política e se transformaram em líderes democrátcos de destaque, como George Washington e Dwight Eisenhower nos EUA e Charles de Gaulle na França. Porém, para proteger a democracia, é essencial que deixem as Forças Armadas antes de entrar na vida pública. Afinal, a militarização da política, assim como a politização dos quartéis, costuma minar os pilares institucionais e prejudica a independência das instituições.

Opinião por Oliver Stuenkel

Analista político e Professor de Relações Internacionais da FGV-SP

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