Depois de um colapso sem precedentes – uma contração de mais de 75% entre 2013 e 2021 que provocou a saída de em torno de 6 milhões de pessoas –, há indícios de que a economia da Venezuela está dando sinais de vida. As previsões variam – Credit Suisse, por exemplo, prevê um crescimento de até 20% da economia do país ao longo de 2022, enquanto a Cepal espera apenas 5% –, mas existe hoje uma possibilidade real de que o pior pode ter passado.
Três fatores políticos explicam uma possível virada do país com as maiores reservas de petróleo do mundo.
Em primeiro lugar, a guerra na Ucrânia traz uma série de possíveis vantagens econômicas e diplomáticas para Caracas. Com o Ocidente se preparando para viver sem energia russa por anos, crescem os incentivos para rever o embargo contra o petróleo venezuelano imposto por Trump em 2019. Biden, acuado pela explosão do preço da gasolina antes das eleições parlamentares em novembro, tem sinalizado disposição para uma possível reaproximação ao retirar parte das sanções contra a Venezuela.
Em off, diplomatas americanos há tempos admitem que reconhecer Juan Guaidó, o ex-presidente da Assembleia Nacional, como presidente legítimo da Venezuela em 2019, foi baseado na expectativa errada de que Nicolás Maduro cairia logo, e hoje essa posição atrapalha a estratégia americana em relação à Venezuela. Com o acirramento das tensões entre Washington e Moscou, normalizar a relação econômica com Caracas é visto, por alguns nos EUA, como opção menos custosa do que permitir que Moscou e Pequim consolidem sua influência no país sul-americano.
Eleições
Em segundo, um possível realinhamento de forças políticas na América Latina ao longo dos próximos meses pode encerrar o isolamento regional que Maduro vinha sofrendo desde que vários países latino-americanos reconheceram Guaidó como presidente legítimo. Se Gustavo Petro e Luiz Inácio Lula da Silva forem eleitos em junho e outubro deste ano na Colômbia e no Brasil, respectivamente, como as pesquisas sugerem, os dois provavelmente voltariam a reconhecer Maduro como presidente legítimo – acima de tudo, por uma questão de pragmatismo político. Com isso, Maduro poderia voltar a participar de cúpulas regionais de presidentes da região, facilitando o restabelecimento de laços econômicos entre a Venezuela e seus vizinhos.
Por fim, depois de anos de gestão caótica da economia, marcada por desvios gigantescos, interferências desastrosas do Estado na economia e hiperinflação, o governo Maduro vem tomando uma série de medidas pragmáticas que ajudaram a trazer algum grau de estabilidade. Destacam-se a decisão de permitir um papel maior da iniciativa privada, a autorização tácita de usar o dólar e, mais recentemente, o anúncio de iniciar uma privatização parcial de algumas empresas estatais. A perestroika venezuelana, é claro, não é fruto de uma conversão ideológica; trata-se de uma reação à situação cada vez mais precária do regime, o qual precisa de recursos para sustentar os grupos que o mantém no poder, como as Forças Armadas e a Polícia Nacional Bolivariana.
Investidores internacionais estão há anos monitorando a situação na Venezuela, cientes de que uma recuperação econômica do país poderia representar uma grande oportunidade. Mas três motivos explicam por que a probabilidade de a Venezuela decepcionar se mantém elevada.
Democracia
Primeiro, o governo Maduro está ensaiando uma liberalização econômica, mas o regime não está dando sinais de permitir a volta da democracia. Sem segurança jurídica, o país só é interessante para os investidores mais tolerantes ao risco político. Com serviços públicos colapsados, várias regiões venezuelanas vivem uma situação anárquica, onde o crime organizado preencheu o vácuo de poder que o Estado deixou para trás.
Segundo, é possível que a oposição republicana nos EUA – e até mesmo parte do Partido Democrata – bloqueie tentativas do governo americano de normalizar a relação com Caracas, frustrando investidores. Em terceiro, o grau de devastação da Venezuela, incluindo de sua infraestrutura petrolífera, é comparável com a de países que passaram por uma guerra civil, e levaria pelo menos cinco anos para alcançar a capacidade exportadora que o país tinha antes do chavismo – sem contar os profundos problemas políticos resultantes da repressão política.
A atual conjuntura externa é, portanto, a mais favorável à Venezuela em anos – mesmo assim, qualquer aposta financeira no país continua sendo, por enquanto, de alto risco.
É ANALISTA POLÍTICO E PROFESSOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA FGV-SP
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