A Europa se encontra diante de um momento de definição histórica. A decisão de Donald Trump de suspender a ajuda militar à Ucrânia, interromper o compartilhamento de inteligência com Kiev e buscar um acordo direto com Vladimir Putin, sem consultar seus aliados europeus, deixou claro que os Estados Unidos já não são um parceiro confiável para a segurança do continente. A pergunta que se impõe agora é se a Europa será capaz de assumir o protagonismo e se tornar um ator geopolítico autônomo – ou se continuará presa à inércia, dividida internamente e dependente de um aliado cada vez mais imprevisível.
Há muitas razões para acreditar que o continente pode falhar. A economia europeia está estagnada e tecnologicamente atrasada, sobretudo nas duas áreas decisivas: chips e inteligência artificial. A dificuldade de coordenação política na União Europeia, as dificuldades em harmonizar políticas de defesa entre mais de 25 países, os anos de subfinanciamento das Forças Armadas e a burocracia lenta de Bruxelas são obstáculos significativos.
Além disso, a dependência da proteção americana criou uma cultura de complacência, na qual os investimentos em defesa foram sistematicamente adiados em favor de outras prioridades. Para mudar esse cenário, a Europa precisará não apenas gastar mais em defesa, como também integrar seus sistemas militares, ampliar sua capacidade industrial e melhorar a interoperabilidade entre suas forças armadas.

O surgimento de partidos nacionalistas de extrema direita, alguns abertamente pró-Putin e pró-Trump, também pode dificultar a construção de uma Europa mais autônoma. A eventual eleição de Marine Le Pen na França, em 2027, representaria uma ameaça significativa a esse processo. Não há, portanto, garantia de que os europeus conseguirão romper com esse padrão, mesmo diante da ameaça real que se apresenta.
No entanto, paradoxalmente, essa profunda crise pode ser o catalisador para um novo ciclo de afirmação europeia. A história mostra que momentos de grande tensão externa muitas vezes forçaram os europeus a fortalecer sua coesão. Desde o século XX, desafios existenciais – como as duas guerras mundiais e a Guerra Fria – levaram o continente a construir uma resposta unificada, resultando em um período de paz, liberdade e prosperidade sem precedentes. Agora, com Trump dando sinais de que os Estados Unidos podem abandonar a defesa da Europa e negociar diretamente com Putin, surge uma nova oportunidade para que o continente se reorganize e invista de forma decisiva em sua segurança.
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Os primeiros sinais já estão aparecendo. A Alemanha, historicamente relutante em investir em defesa, anunciou uma mudança drástica em sua política militar, com a promessa de aumentar o orçamento e buscar novas parcerias estratégicas. O debate na Alemanha sobre a criação de um escudo nuclear europeu em cooperação com França e Reino Unido representa um avanço significativo.
A União Europeia está discutindo a criação de um fundo especial para fortalecer a indústria de defesa e fornecer assistência militar à Ucrânia sem depender de Washington. Isso sugere que os europeus começam a perceber que sua sobrevivência depende de sua capacidade de agir de forma independente.
O desafio, no entanto, não será apenas militar, mas também político. A coordenação entre países com diferentes prioridades – dos Estados bálticos, sob ameaça direta da Rússia, a potências econômicas como Alemanha e França – exigirá um grau de pragmatismo e realismo raramente visto na política europeia.
O que muitas vezes se esquece no debate sobre a segurança europeia é o imenso potencial que o continente poderia ter caso agisse de maneira unificada. A população da União Europeia ultrapassa os 450 milhões de habitantes, muito superior à da Rússia. A soma das economias dos países europeus é cerca de dez vezes maior que a da Rússia, e seus gastos combinados com defesa já ultrapassam os investimentos militares de Moscou. Não há razão para que a Europa não seja capaz de desenvolver uma capacidade militar superior à da Rússia, garantindo sua segurança de forma independente dos Estados Unidos.

A história ensina que “nunca se deve desperdiçar uma boa crise”. A ruptura da aliança transatlântica, que até recentemente parecia impensável, pode ser justamente o evento que levará a Europa a construir uma arquitetura de segurança mais sólida, resiliente e autônoma. Se conseguir fazer isso, poderá emergir mais forte, unida e menos dependente dos Estados Unidos.
E se, em dez anos, a Europa for mais poderosa e independente, talvez seja hora de erguer estátuas para Putin e Trump, com a inscrição: “Em homenagem aos que ajudaram a unir os países europeus”.