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Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião | Processo de adesão ucraniana transformará a União Europeia

Abertura das negociações com a Ucrânia representa vitória histórica para Zelenski

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Foto do author Oliver  Stuenkel

A última semana, de grande relevância geopolítica para a Ucrânia, acabou com duas derrotas e uma vitória para o presidente Volodmir Zelenski. Tanto os EUA quanto a União Europeia fracassaram na tentativa de aprovar novos pacotes de ajuda para a Ucrânia, de 60 bilhões de dólares e 50 bilhões de euros, respectivamente, o que cria incerteza sobre o acesso das forças armadas ucranianas ao equipamento militar e munição necessários para continuar travando sua guerra contra os invasores russos.

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Por outro lado, a União Europeia tomou a decisão inesperada e histórica de iniciar o processo de adesão da Ucrânia. O premiê húngaro Viktor Orban havia prometido bloquear o caminho de acesso de Kiev, mas cedeu à pressão de seus colegas europeus de última hora e se limitou a vetar a aprovação do pacote financeiro aos ucranianos.

O processo de adesão à União Europeia pode ser demorado, mas dá à Ucrânia algo valioso em um momento de crescente frustração com a falta de avanços militares: um direcionamento estratégico e uma visão concreta sobre seu futuro geopolítico.

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, fala à mídia durante a cúpula da UE em Bruxelas, sexta-feira, 15 de dezembro de 2023.  Foto: Virginia Mayo / AP

O processo de se preparar para aderir à UE envolve passos mensuráveis e compreensíveis para a população, que sabe das vantagens concretas que a adesão produziria. Além disso, outorga às forças reformistas mais poder de barganha contra atores que resistem às reformas modernizantes, entre eles oligarcas que se beneficiam de estruturas pouco transparentes.

O sonho de aderir à União Europeia marcou a vida de Zelenski até mesmo antes de entrar na política: na série de TV “Servo do Povo”, exibida entre 2015-2019, na qual o então ator Zelenski vive um presidente fictício da Ucrânia, ele recebe uma ligação da chanceler alemã Ângela Merkel, dando parabéns pela entrada do país na União Europeia.

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Zelenski agradece em nome do povo ucraniano – “Nós havíamos esperado por esse momento por tanto tempo”, ao que Merkel responde que ela havia se equivocado: sua intenção era ligar para o governo de Montenegro. Desapontado, Zelenski parabeniza o povo montenegrino e, depois de desligar, xinga o presidente russo Vladimir Putin.

Esta fotografia, tirada em 15 de dezembro de 2023, mostra bandeiras da Ucrânia e da União Europeia na Praça Europeia, no centro de Kiev, em meio à invasão russa na Ucrânia. Foto: ROMAN PILIPEY / AFP

Em retrospectiva, é irônico que Putin tenha se tornado, sem querer, o principal arquiteto da surpreendente decisão de Bruxelas de iniciar o processo de adesão da Ucrânia: sem a invasão, seria impensável a União Europeia decidir, de forma tão veloz, dar início à adesão.

Enquanto Putin celebrou, na TV estatal russa, as dificuldades ocidentais de enviar ajuda adicional à Ucrânia, torna-se cada vez mais provável que o G7 utilize uma ferramenta radical para manter o fluxo de recursos aos ucranianos e envie os 300 bilhões de dólares de ativos russos congelados em contas europeias para Kiev. Até recentemente, países como a Alemanha e a França têm-se mostrado relutantes devido a possíveis contestações jurídicas que tal medida poderia provocar, já que ativos soberanos estão protegidos pelo direito internacional.

Porém, a resistência vem diminuindo. “Tempos extraordinários exigem medidas extraordinárias”, disse, recentemente, o Ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, David Cameron. Uma decisão a respeito pode ser tomada já no início de 2024, antes do segundo aniversário da invasão russa.

Da mesma forma, é importante distinguir entre os motivos que travam a aprovação de apoio nos EUA – onde o Partido Republicano é cada vez mais cético em relação ao suporte à Ucrânia – e na União Europeia, onde apenas a Hungria se opõe à aprovação de novos pacotes de ajuda. Os principais doadores europeus podem continuar apoiando a Ucrânia de forma bilateral.

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A partir da esquerda, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, e o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, caminham juntos durante uma cúpula da UE em Bruxelas, em 9 de fevereiro de 2023.  Foto: Virginia Mayo / AP

Enquanto a Europa já oferece mais ajuda financeira aos ucranianos do que os EUA, os eventos da semana passada sugerem uma tendência de “europeização” do conflito entre Rússia e Ucrânia, com países europeus assumindo um papel cada vez mais importante no conflito, enquanto Joe Biden enfrenta uma campanha eleitoral acirrada contra Donald Trump, que defende reduzir o apoio militar a Kiev.

O processo de adesão transformará não apenas a Ucrânia, mas também a própria União Europeia: obriga o bloco a se preparar para assumir a dianteira na reconstrução econômica de um grande país devastado pela guerra, no fortalecimento das instituições ucranianas e no enfrentamento de questões geopolíticas espinhosas como a ocupação russa de em torno de 20% do território ucraniano.

O resultado será, inevitavelmente, uma União Europeia mais focada em assuntos geopolíticos, com gastos militares muito mais elevados e cujo centro de poder se moverá para o leste: inicia-se, assim, um processo que não apenas dará um norte estratégico à Ucrânia, mas também ao bloco europeu, que está diante do seu maior desafio geopolítico em décadas.

Opinião por Oliver Stuenkel

Analista político e Professor de Relações Internacionais da FGV-SP

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