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Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião | Racha na coalizão trumpista sobre imigração é reflexo de profundas tensões internas

Numerosas divergências ideológicas tornam o novo governo americano menos previsível

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Foto do author Oliver  Stuenkel

A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas no mês passado foi possível graças a uma ampla coalizão envolvendo atores com visões de mundo profundamente distintas – entre eles: bilionários libertários do Vale do Silício, nacionalistas econômicos que defendem políticas protecionistas, movimentos xenófobos de extrema-direita e conservadores tradicionais do Partido Republicano dispostos a barrar numerosas propostas do presidente eleito.

O presidente eleito Donald Trump a escolha de Trump para o planejado Departamento de Eficiência Governamental, Elon Musk, e o vice-presidente eleito JD Vance assistem ao jogo de futebol americano universitário da NCAA entre Army e Navy Foto: Stephanie Scarbrough/AP

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Senadores republicanos como Lisa Murkowski, do Alasca, Susan Collins, do Maine, e Mitch McConnell, do Kentucky, por exemplo, representam a ala tradicional e defendem a continuação da política externa americana das últimas décadas, envolvendo uma ampla presença militar e política na Europa e na Ásia, enquanto o vice-presidente J.D. Vance representa a ala mais isolacionista.

Outro grupo, que prioriza combater o “estado profundo” (uma suposta rede de burocratas, agentes de inteligência e militares que exerce influência de forma indevida), acredita que Trump foi perseguido pela justiça americana e defende reformas radicais no Departamento de Defesa, no de Justiça e nas agências de inteligência. Kash Patel, nomeado por Trump para liderar o FBI, por exemplo, diz que planeja “fechar o prédio Hoover [sede do FBI] no primeiro dia” e sugere reabri-lo no dia seguinte “como um museu do ‘estado profundo’.”

Robert F. Kennedy, por sua vez, nomeado por Trump para ser Secretário de Saúde, representa uma espécie de ala conspiratória e possui um longo histórico de compartilhar ideias esdrúxulas, como a de que vacinas contra a covid foram desenvolvidas para controlar pessoas por meio de microchips.

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A ala tecnocrata pró-mercado, por outro lado, liderada por Scott Bessent, próximo secretário do Tesouro, fará de tudo para equilibrar a visão populista do movimento MAGA (Make America Great Again) com medidas mais ortodoxas que visam evitar impactos negativos no mercado financeiro. Curiosamente, Bessent, atacado por Elon Musk como “mais do mesmo”, é um ex-diretor de investimentos de George Soros, figura demonizada pelos apoiadores mais radicais de Trump.

O grupo do “encolhimento do governo”, liderado pelos bilionários Musk e Vivek Ramaswamy, adota uma postura libertária, inspira-se nas ideias de Javier Milei na Argentina e visa propor cortes trilionários no orçamento federal. Além disso, há profundas divergências na coalizão trumpista sobre temas-chave como Ucrânia, China, regulação da tecnologia e energia renovável.

A recente fissura sobre imigração é uma amostra do que está por vir e mostra por que será tão difícil prever a estratégia do governo Trump. O debate foi desencadeado pela nomeação de Sriram Krishnan como assessor-chefe de inteligência artificial da Casa Branca de Trump. A indicação de Krishnan, um americano naturalizado de origem indiana que defende regras migratórias mais flexíveis para atrair talentos globais, foi duramente criticada – muitas vezes com um tom racista – pela ala mais radical do movimento MAGA. Em resposta às criticas, Elon Musk e Vivek Ramaswamy, aliados de Krishnan, defenderam publicamente a necessidade de atrair mais trabalhadores estrangeiros altamente qualificados. Musk, ele próprio um imigrante, argumentou que os EUA não podem competir com a China sem abrir suas portas para os melhores engenheiros e cientistas. “Se você força os melhores talentos do mundo a jogarem para o outro lado, os EUA vão perder”, declarou Musk.

Vivek Ramaswamy, filho de migrantes indianos, intensificou o debate, criticando a cultura americana por “venerar a mediocridade” e destacando como famílias imigrantes frequentemente priorizam a excelência educacional. Contudo, essa posição confronta diretamente a base nacionalista de Trump, parte da qual vê a imigração, mesmo que qualificada, como uma ameaça à identidade nacional. Nikki Haley, integrante do primeiro governo Trump e também filha de imigrantes indianos, declarou: “Não há nada de errado com os trabalhadores americanos ou com a cultura americana. Devemos investir e priorizar os americanos, não os trabalhadores estrangeiros.”

Essa dinâmica representa um desafio para países mundo afora, cujos governos estão se preparando para a volta de Trump: diante da alta quantidade de grupos divergentes no próximo governo americano – e da provável alta rotatividade em cargos-chave – será fundamental investir no diálogo com representantes de todos os grupos para tentar prever e influenciar as decisões tomadas na Casa Branca.

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Opinião por Oliver Stuenkel

Analista político e Professor de Relações Internacionais da FGV-SP

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