Cientistas, governos aliados e rivais criticam corte de verba dos EUA à OMS

Decisão de Trump de retirar financiamento à agência de saúde da ONU justamente quando ela mais precisa de ajuda é qualificada de egoísmo; especialistas alertam que medida deve afetar duramente os países pobres

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A decisão de Donald Trump de cortar o financiamento dos EUA à Organização Mundial da Saúde (OMS) recebeu nesta quarta-feira, 15, uma enxurrada de críticas da comunidade científica e de governos, tanto de aliados quando de rivais. ONU, Rússia, China, União Europeia, especialistas e até o bilionário Bill Gates, segundo homem mais rico do mundo, segundo a revista Forbes, condenaram a decisão do presidente. 

A crítica mais dura veio de Richard Horton, editor-chefe da revista médica Lancet, uma das mais prestigiosas do mundo. Ele comparou a decisão de cortar verba da OMS no meio de uma pandemia global a um “crime contra a humanidade”. “Todo cientista, todo profissional de saúde, todo cidadão deve resistir e se rebelar contra essa escandalosa falta de solidariedade global”, disse.

O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus Foto: REUTERS/Denis Balibouse/File Photo

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O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que “não era o momento” de reduzir o financiamento ou apontar erros. A União Europeia também lamentou a decisão. “Não há razão que justifique essa medida em um momento em que esforços são mais necessários do que nunca”, disse Josep Borrell, chanceler da UE. 

A China pediu aos EUA que cumpram suas obrigações com a OMS. “Esta decisão vai reduzir a capacidade da OMS e minar a cooperação internacional contra a epidemia”, afirmou Zhao Lijian, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China. O governo russo disse que a decisão dos EUA é alarmante e egoísta diante da pandemia do coronavírus. “A ação merece ser denunciada e condenada”, afirmou Serguei Ryabkov, vice-chanceler da Rússia.

Em entrevista coletiva, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse que os EUA foram um amigo de longa data da OMS e espera que essa relação se mantenha. Os americanos são os principais financiadores da instituição, seguidos pelo Reino Unido. “Lamentamos a decisão. Esse é um momento de estarmos unidos contra uma ameaça comum. Quando estamos divididos, o vírus explora essas brechas”, disse. 

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Na terça-feira, o presidente americano disse que o financiamento ficaria suspenso até seu governo analisar a resposta da entidade à pandemia. Ele acusa a OMS de favorecer a China e sonegar informações. Pressionado por não ter minimizado a pandemia no início, Trump vem tentando buscar culpados para pendurar a conta dos mais de 600 mil infectados e quase 30 mil mortos por covid-19 nos EUA. 

O orçamento total da OMS foi de US$ 5,6 bilhões para o biênio 2018-2019. Os EUA destinaram US$ 893 milhões, entre doações obrigatórias e voluntárias – as últimas, que podem ser retiradas, respondem por US$ 656 milhões. Além das contribuições dos Estados, a organização também recebe doações voluntárias do setor privado.

Na avaliação da professora Deisy Ventura, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, a decisão dos EUA pode ser considerada um crime contra a humanidade, pois enfraquece a OMS no momento de uma pandemia global é condenar à morte as populações dos países mais pobres. “Reduzir o financiamento é segregar as populações que não têm sistemas de saúde fortes e dependem da OMS para a resposta”, disse. “Também é enfraquecer todos os padrões científicos”. 

De acordo com a pesquisadora, Trump quer lançar uma cortina de fumaça para que as pessoas não percebam os erros de seu governo. “Ele faz isso para esconder a catástrofe que foi a resposta americana à pandemia. Ele é responsável pela morte de milhares de americanos porque tardou a reagir, disseminou informações falsas e admitiu muito tarde a gravidade da situação.” 

Nesta quarta-feira, o próprio diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, Robert Redfield, se mostrou incomodado com a decisão. “A OMS tem sido uma importante parceira. A decisão é mais geopolítica do que de saúde pública”, disse Redfield, em entrevista à rede de TV CBS.

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Embate

Desde que começou a receber críticas mais duras sobre a falta de ação de seu governo, Trump passou a criticar o que classifica de “omissão” da OMS quando a crise ainda estava no início, na China. Nos primeiros dias da epidemia, a organização divulgou os números chineses sem sinalizar que eles poderiam ser imprecisos. 

Além disso, a OMS, segundo Trump, teria demorado para lidar com o risco de transmissão entre humanos, a declarar uma emergência de saúde pública e a usar o termo pandemia.

O presidente dos EUA diz ainda que a entidade foi rápida demais nos elogios a Pequim. Com evidências de que a China silenciava profissionais que denunciavam a gravidade da crise, a OMS teria se esquivado de perguntas sobre problemas relacionados à resposta chinesa ao surto.

As críticas à OMS, porém, vão além da Casa Branca. Taro Aso, vice-primeiro-ministro do Japão, chamou a entidade de “Organização da Saúde da China”. E em todo mundo, quase 1 milhão de pessoas assinaram uma petição online pedindo a renúncia de do diretor-geral da organização. / COM W.Post

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