A tentativa de assassinato nesta semana do ex-primeiro-ministro paquistanês Imran Khan ocorreu poucos dias depois que um intruso invadiu a casa da presidente da Câmara dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, em São Francisco, no que os promotores dizem ter sido uma tentativa fracassada de atingi-la ou sequestrá-la. Semanas antes disso, um homem se aproximou da ex-presidente argentina Cristina Fernández de Kirchner em Buenos Aires e tentou atirar nela à queima-roupa.
Esse ataque ocorreu após o assassinato, em julho, do ex-primeiro-ministro japonês Shinzo Abe por um homem empunhando uma arma caseira na cidade de Nara. E Abe foi morto quase exatamente um ano depois que homens armados mataram o presidente haitiano Jovenel Moïse em um ataque à sua casa em Porto Príncipe.
Juntos, esses atos de violência de alto nível potencialmente apontam para uma nova e volátil era na política global, dizem especialistas. Depois de anos em que atentados terroristas dominaram as manchetes, essa nova onda de ataques é uma reminiscência dos anos 60 e 70, quando grandes figuras dos EUA, como o presidente John F. Kennedy e o líder dos direitos civis Martin Luther King Jr., foram mortos em momentos cruciais.
“Nunca haverá um fim para indivíduos que querem assassinar indivíduos públicos”, disse Colin P. Clarke, diretor de pesquisa e política do Soufan Group, uma consultoria de inteligência e segurança. Mas Clarke também disse que existem vários fatores que podem levar a um aumento nos assassinatos, incluindo o “declínio, pelo menos em algumas partes do mundo, de organizações jihadistas” que favorecem diferentes táticas.
Em seu lugar, “tem a ascensão de extremistas da direita radical que são muito mais descentralizados”, disse ele. “E então tem o que as pessoas chamam de ‘terrorismo self service’, que é quando eles escolhem diferentes aspectos do que os motiva a se envolverem nesses tipos de atos.”
Dados do Global Terrorism Database (GTD) da Universidade de Maryland, que inclui números até 2020, mostram um aumento acentuado nas tentativas de assassinato de figuras de governo em todo o mundo a partir de 2014. O número de assassinatos permaneceu consistentemente alto desde então - mesmo quando o número de ataques terroristas caiu.
É uma tendência que pode ter sido negligenciada nos últimos anos. Erin Miller, gerente de programa da GTD, observou que a maioria dos ataques teve como alvo funcionários de baixo e médio escalão – e não líderes políticos proeminentes como Khan ou Pelosi. As estatísticas mais recentes, disse ela, foram dominadas por ataques liderados por insurgentes no Afeganistão antes da tomada do Taleban em 2021.
Os dados do GTD sugerem que o fim da década de 80 foi outro período em que os assassinatos aumentaram. Miller disse que ataques terroristas, como atentados suicidas que muitas vezes matam indiscriminadamente, foram usados muito menos na época.
“Atingir a liderança política foi uma tática usada para chamar a atenção para uma causa com menos risco de alienar a população civil”, disse Miller. “Nos anos mais recentes, os agressores adotam tanto assassinatos direcionados quanto estratégias de baixas em massa.”
Parte da mudança pode ser estrutural. À medida que grupos como o Estado Islâmico perderam seu território, disse Clarke, houve um aumento na violência cometida por pessoas trabalhando sozinhas, algumas das quais foram radicalizadas online para odiar ou atingir indivíduos específicos.
Até certo ponto, também pode haver uma lógica tática para a mudança. As tentativas de assassinato de indivíduos muitas vezes podem provocar mudanças políticas significativas.
Impacto
Alguns ataques mudaram o curso da história, embora nem sempre exatamente da maneira que seus perpetradores pretendiam: o assassinato do arquiduque Franz Ferdinand na Áustria-Hungria em 1914, por exemplo, é considerado o gatilho da 1ª Guerra.
Visões de assassinatos também podem mudar ao longo do tempo. Na Índia, o assassino que matou o amado líder da independência Mohandas K. Gandhi foi retroativamente rotulado de “patriota” por alguns apoiadores do Partido Bharatiya Janata, que governa o país.
Alguns historiadores consideram o assassinato do primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin por um extremista da direita radical em 1995 um momento desastroso para o processo de paz no Oriente Médio. Mas quase três décadas depois, a extrema direita emergiu como a grande vitoriosa nas eleições mais recentes do país.
Mesmo no Japão, o chocante assassinato de Abe em julho provocou uma reviravolta surpreendente: o país levou a sério os motivos do suposto assassino.
O suposto assassino, Tetsuya Yamagami, disse à polícia que queria realizar o assassinato porque sua mãe havia feito grandes doações para a Igreja da Unificação, um grupo religioso com o qual Abe aparentemente tinha laços estreitos. Após o assassinato, o ex-partido de Abe prometeu encerrar seu relacionamento com a igreja, embora mais tarde tenha retrocedido.
O Japão, embora geralmente não violento, tem um histórico significativo de assassinatos políticos. Mas alguns países que há muito evitavam ataques a altos funcionários viram assassinatos nos últimos anos: dois legisladores britânicos foram mortos em ataques separados por motivos políticos desde 2016.
No Brasil, onde há muito tempo há violência política em períodos eleitorais, o número de incidentes violentos envolvendo representantes e apoiadores de partidos políticos no período que antecedeu a votação de 2022 “eclipsou” o da eleição de quatro anos antes, de acordo com dados do Armed Conflict Location & Event Data Project.
Pelo menos parte do aparente aumento de assassinatos pode ser devido a mudanças tecnológicas. Abe foi baleado com uma arma “artesanal” criada com materiais prontamente disponíveis. Projetos para armas semelhantes, que podem ser comprados sem vestígios de antecedentes e às vezes produzidos de uma maneira que evita detectores de metal, podem ser encontrados facilmente online.
Houve relatos de tentativas de assassinato por drone nos últimos anos, como o ataque de 2018 ao presidente venezuelano Nicolás Maduro durante um evento em Caracas. Maduro sobreviveu à suposta tentativa, um eco de baixa tecnologia de ataques de drones dos EUA, como o que matou o líder militar iraniano Qasem Soleimani em 2020.
“A tecnologia bruta reduz as barreiras à entrada de atacantes, permitindo que mesmo extremistas destreinados ou despreparados... para tentar cometer sérios atentados”, escreveram Bruce Hoffman e Jacob Ware, dois especialistas em contraterrorismo do Conselho de Relações Exteriores, para o site War on the Rocks.
Polarização
Especialistas também notaram um aumento nos assassinatos cometidos com o apoio do Estado, incluindo o assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi, o assassinato de Kim Jong-nam por agentes norte-coreanos e inúmeras mortes ligadas ao Estado russo.
Mas a crescente polarização política em todo o mundo, auxiliada por câmaras de eco online que podem radicalizar potenciais perpetradores e demonizar potenciais vítimas, só aumentou o risco de assassinato – como no ataque à casa de Pelosi que deixou seu marido, Paul, gravemente ferido.
Clarke observou que figuras da esquerda e da direita nos Estados Unidos foram alvo de ataques com motivação política. De certa forma, essa onda de tentativas de assassinato está sendo pior do que a anterior.
“Já estivemos nesse estágio antes. Nós sobrevivemos”, disse Clarke sobre a violência política dos EUA. “Mas há pessoas com quem falo que dizem que isso parece fundamentalmente diferente. Parece que não há limites, pelo menos em termos de retórica.”
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