ONU reúne-se em meio a divisões crescentes e demandas do Sul Global

Somente o presidente Joe Biden entre os líderes dos cinco países-membros permanentes do Conselho de Segurança — Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido — comparecerá ao encontro

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Por Farnaz Fassihi

THE NEW YORK TIMES - A Assembleia-Geral das Nações Unidas reúne-se nesta terça-feira, 19, sob a sombra do segundo ano da guerra na Ucrânia, em meio a uma série de catástrofes relacionadas ao clima e num momento de cisões crescentes no planeta que dificultarão esforços no sentido de enfrentar a sucessão de problemas que contribuem para as pressões.

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Sublinhando as tensões, somente o presidente Joe Biden entre os líderes dos cinco países-membros permanentes do Conselho de Segurança — Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido — comparecerá ao encontro. O presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, comparecerá presencialmente pela primeira vez desde que a Rússia invadiu seu país, mas a Ucrânia não dominará a agenda como no ano passado.

A reunião deste ano foi planejada para considerar as crescentes demandas das nações do “Sul Global”, um grupo informal de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. Esses Estados têm se frustrado com o foco da arena internacional sobre o conflito na Ucrânia enquanto suas crises recebem atenção e financiamento mínimos, afirmam diplomatas.

Biden participará de uma Assembleia-Geral esvaziada pelas demais potências Foto: Haiyun Jiang/The New York Times

Sul Global em pauta

Respondendo a essas demandas, a ONU colocou na agenda dos debates da Assembleia-Geral discussões sobre mudança climática, dívidas soberanas e maneiras de ajudar países em dificuldades a alcançar as metas de desenvolvimento da ONU em relação a prosperidade, saúde, desenvolvimento, educação e igualdade de gênero.

“Ainda estaremos nos reunindo num momento em que a humanidade encara enormes desafios, da piora da emergência climática à escalada de conflitos, à crise global no custo de vida, às desigualdades que aumentam e às dramáticas disrupções tecnológicas”, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, numa conferência de imprensa na semana passada. “As pessoas estão buscando em seus líderes uma maneira de sair dessa desordem.”

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Mas Guterres reconheceu que tem se tornado cada vez mais difícil unir Estados-membros da ONU dada a profundidade das cisões revelada pela ausência de líderes mundiais no fórum.

Encontro esvaziado

O presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente chinês, Xi Jinping, faltarão ao evento pelo segundo ano consecutivo. Mas as ausências mais surpreendentes são do presidente francês, Emmanuel Macron, do primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, e do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi.

“É importante que os países participem deste fórum, que acontece apenas uma vez ao ano”, afirmou a embaixadora americana na ONU, Linda Thomas-Greenfield, quando questionada, durante uma entrevista coletiva na sexta-feira, se estava desapontada com o fato de não apenas rivais mas também aliados dos EUA faltarem ao evento deste ano. Thomas-Greenfield acrescentou que o presidente Biden planeja reforçar a pauta de que “o multilateralismo voltou”.

A missão da França na ONU afirmou que Macron teve um conflito de agenda, recebendo o rei britânico, Charles III, em Paris nesta semana. O Reino Unido não deu uma justificativa clara para a ausência de Sunak à primeira Assembleia-Geral da ONU com ele na função. Ambos países serão representados por delegações de ministros de governo.

Analistas afirmam que a ausência de líderes mundiais nas Nações Unidas arrisca enfraquecer a instituição num momento em que ela já enfrenta dificuldades para permanecer relevante. As várias agências da ONU ainda estão na vanguarda de organização e envios de ajuda humanitária. Mas conforme a guerra na Ucrânia se arrasta e uma série de golpes militares derruba governos por toda África, a função da ONU como negociadora e mediadora tem sido quase absolutamente marginalizada.

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O Conselho de Segurança, projetado para funcionar como força em prol da manutenção da paz e da estabilidade, tem se ausentado notavelmente de esforços para resolução desse tipo de impasse, paralisado por divisões entre seus membros-permanentes, que detêm poder de veto nas deliberações do organismo.

“A situação da ONU hoje é desoladora”, afirmou Richard Gowan, diretor da ONU para o  International Crisis Group, uma organização que trabalha para evitar conflitos. “Nós estamos muito mais próximos à beira de um abismo na diplomacia da ONU, e grandes tensões entre potências estão surtindo efeitos cada vez mais graves na organização.”

Tensões geopolíticas

Tensões entre o mundo ocidental e o Sul Global foram um fator determinante no planejamento da Assembleia-Geral deste ano, afirmam diplomatas. Os EUA e os aliados europeus ficaram apreensivos, afirmam eles, em relação a Rússia e China atraírem países para fora da órbita do Ocidente e estão determinados a fortalecer relações com o mundo em desenvolvimento.

“Nós gastaríamos mais tempo discutindo Ucrânia se dependesse só de nossa vontade”, disse o embaixador da União Europeia na ONU, Olof Skoog. Mas ele afirmou que o foco este ano foi evitar que a cisão norte-sul se aprofunde e dar atenção “ao fato de que, para o mundo em desenvolvimento, o elemento central para esta semana é o desenvolvimento”.

A Ucrânia ainda está na agenda. O Conselho de Segurança se reunirá para discutir a guerra na quarta-feira, numa sessão que poderá apresentar momentos de teatralidade, com Zelenski possivelmente sentado à mesma mesa que o ministro russo de Relações Exteriores, Sergei Lavrov — contanto que um permaneça no recinto enquanto o outro falar. O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, também estará presente.

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Zelenski deverá tentar persuadir países indecisos a se unir em apoio ao esforço de guerra de Kiev. E também deverá refutar o crescente coro que surge entre conservadores nos EUA, assim como no sul global, pedindo negociações de paz imediatas para pôr fim à guerra.

Esses chamados foram ecoados por Guterres, que tem afirmado repetidamente que o conflito tem de acabar, mas com a Rússia respeitando a Carta da ONU e o direito internacional. Isso significaria a retirada de todas as forças russas da Ucrânia, afirmam especialistas, mas o secretário-geral tem sido cuidadoso em evitar falar isso publicamente. Como ele afirmou na conferência de imprensa da semana passada, “Política, diplomacia e liderar com eficácia são a arte das concessões mútuas”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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