Enviado Especial/Caracas - Duas preocupações principais pairam sobre as eleições parlamentares marcadas para 6 de dezembro, que devem definir os 167 deputados da Assembleia Nacional da Venezuela, a sede unicameral do Legislativo do país: a falta de observação internacional oficial e o redesenho dos distritos eleitorais que o governo chavista vem empreendendo nos últimos meses.
Pressionado por uma profunda crise econômica, na qual a inflação anual ameaça romper a barreira dos 300%, o grave desabastecimento de bens e produtos essenciais nas prateleiras dos supermercados e um dos mais altos índices de criminalidade do mundo, o regime de Nicolás Maduro – herdeiro político de Hugo Chávez – amarga uma rejeição crescente, de acordo com a maior parte das pesquisas feitas na Venezuela.
Caso esses levantamentos se confirmem nos resultados das urnas, o chavismo perderá o controle do Legislativo pela primeira vez desde a promulgação da Constituição de 1999. A maioria confortável conquistada nas últimas três eleições permitiram que Chávez e Maduro obtivessem, por exemplo, autorizações para governar por decretos, sob o instrumento constitucional das Leis Habilitantes.
Em geral, as empresas de pesquisas – cuja confiabilidade o governo põe em dúvida – indicam que entre 60% e 65% dos eleitores estão inclinados a votar nos candidatos da oposicionista Mesa da Unidade Democrática (MUD).
Na última eleição do país, em abril de 2013, logo depois da morte de Chávez, o candidato presidencial da MUD, Henrique Capriles, esteve a menos de 1 ponto porcentual da vitória. Mesmo em meio à comoção causada pelo desaparecimento do líder bolivariano, 40 dias antes, Maduro se elegeu com escassos 50,61% dos votos.
A eleição parlamentar, no entanto, é disputada em distritos. Assim, obter o maior número de votos em termos nacionais não assegura a vitória.
“O Conselho Nacional Eleitoral (CNE, principal órgão eleitoral do país, que constitui um Poder à parte na estrutura da República) continua mantendo uma face institucional e segue com seu cronograma, mas a arbitrariedade e o voluntarismo é o mesmo das outras eleições”, declarou ao Estado a ex-presidente do Tribunal Supremo de Justiça (1996-2000) Cecilia Sosa.
“O CNE disse não à obervação eleitoral independente de maneira contundente e o Registro Eleitoral tem movimentos não habituais para alcançar, segundo dados, 1,2 milhão de pessoas, 6,1% do total de votantes, realocados em Estados, municípios e distritos eleitorais no interior de redutos governistas.”
Suspeitas. Na prática, o mapa eleitoral ganha contornos que permitem, por exemplo, dividir distritos onde governistas têm mais votos e unificar aqueles onde a oposição é favorita. O governo se defende da acusação dos opositores com o argumento de que a Constituição prevê ajuste da geografia eleitoral de acordo com recenseamentos recentes.
“É preciso lembrar que eleições distritais como são as parlamentares sofrem grande influência da representatividade das forças políticas. O novo desenho criou 1.012 centros eleitorais, dos quais 673 estão localizados em comunas, edificações não concluídas da Misión Vivienda (o programa habitacional do governo chavista) e terrenos invadidos sob o controle do governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV)”, prosseguiu a jurista. “Outro fato nessas eleições é que a mutilação do registro tem como consequência que seis Estados que representam 52% dos eleitores elegem 64 deputados, enquanto 18 Estados, que abrangem os restantes 48%, elegerão mais de 100 parlamentares.”
As eleições de dezembro não terão qualquer observação independente. “À Venezuela, ninguém monitora”, declarou Maduro há três semanas ao rejeitar a oferta da União Europeia e da Organização dos Estados Americanos (OEA) para a observação do processo eleitoral.
Em declarações posteriores, o presidente deu a entender que aceitaria a observação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), que, no entanto, desperta a desconfiança da oposição. Principal observador de eleições anteriores, o Centro Carter anunciou no começo do mês que se retiraria da Venezuela para dedicar suas atividades “em nações onde o trabalho da entidade será mais útil”.
“Seria importante para todos os venezuelanos que uma organização como a OEA garantisse de maneira fidedigna o resultado eleitoral de modo a evitar qualquer conflito posterior”, declarou o secretário-geral da entidade regional, o ex-chanceler uruguaio Luis Almagro em entrevista à revista colombiana Semana. “Queremos que a próxima eleição na Venezuela não tenha as características das duas últimas, quando venezuelanos de ambos os lados morreram no período pós-eleitoral.”
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