Oposição venezuelana estimula protestos em massa e rebelião militar antes da posse de Maduro

Ameaçados de prisão, María Corina Machado promete se juntar aos manifestantes e Edmungo González insiste que vai à Venezuela para assumir a presidência

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Foto do author Jéssica Petrovna

Enquanto o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, se prepara para tomar posse, os opositores buscam demonstrar força e explorar as fragilidades do regime, que aprofundou o próprio isolamento com uma eleição marcada por denúncias de fraude.

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A oposição conclama a população para tomar as ruas em protestos contra a ditadura nesta quinta-feira, 9. Em resposta, o regime convocou manifestações de apoiadores do chavismo e fechou o cerco aos críticos: pelo menos uma dezena foi detida nos últimos dias.

Desafiando ameaça de prisão, o opositor Edmundo González, prometeu que vai voltar ao país amanhã para tomar posse no lugar de Maduro. Para isso, buscou reunir apoio internacional e fez apelos diretos aos militares, insinuando inclusive que eles deveriam romper com a cúpula.

As Forças Armadas Bolivarianas, contudo, sinalizam que se mantém fiéis ao chavismo. Por isso, a transição de poder no Palácio de Miraflores é considerada improvável.

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Integrantes de milícia bolivariana passam por mural com imagens de Hugo Chávez e Simon Bolivar. Foto: Pedro Mattey/AFP

Nesse sentido, os protestos são vistos como uma tentativa de demonstrar força antes da posse. E o regime responde com o aumento da repressão. As ruas foram apinhadas de policiais e militares fortemente armados ao mesmo tempo em que as prisões de ativistas se acumulam.

“É uma demonstração de que a oposição não está derrotada, não se sente vencida. Essa é intenção de se manifestar em condições adversas, sob um regime que não hesita em usar a violência contra o próprio povo”, observa a analista política venezuelana Maria Puerta Riera. “Mas isso terá custo muito elevado, principalmente para o povo, que sofrerá com a brutal repressão”.

A líder opositora María Corina Machado está em campanha nas redes sociais para mobilizar os venezuelanos e pede que saiam de casa vestindo as cores da bandeira — amarelo, azul e vermelho. “Com orgulho venezuelano. Com coragem venezuelano. Com coração venezuelano”, dizia uma das publicações.

Escondida há meses, ela afirma que vai aparecer e participar das manifestações, desafiando as ameaças de prisão do regime. “Por nada no mundo, eu perderia este dia. É um dia histórico. É um dia do qual todos os venezuelanos queremos fazer parte”, disse em trecho de entrevista online, que compartilhou nas suas redes sociais. “Tenho o compromisso de nunca abandonar aos venezuelanos”.

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A decisão é arriscada. Maduro sabe que uma investida direta contra a líder opositora poderia inflamar ainda mais os ânimos na Venezuela, mas não seria a primeira vez que o regime agiu com violência contra os seus críticos.

Da última vez que multidões saíram em protestos contra a ditadura na Venezuela, a repressão foi brutal: 24 pessoas morreram e mais de 2 mil foram detidas, incluindo menores de idade. E nada sugere que será diferente agora.

Repressão aos protestos contra a reeleição de Nicolás Maduro deixou pelo menos 24 mortos. Foto: Matias Delacroix/Associated Press

“A repressão na Venezuela não é pontual, é permanente. Mas a situação política às vezes leva ao desespero. As pessoas que não tem condições de deixar o país e não querem viver mais seis anos sob o regime podem se lançar nos protestos”, afirma Roberto Goulart Menezes, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília e Coordenador do Núcleo de Estudos Latino-americanos.

Se a oposição conseguir colocar multidões nas ruas mesmo com toda a repressão, afirma Menezes, ficará exposta a fragilidade do regime, que está isolado no cenário internacional.

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Até aliados próximos como o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e colombiano Gustavo Petro deram sinais de afastamento depois das eleições. Nenhum dos dois vai à posse. O Brasil, no entanto, deve ser representado pela embaixadora em Caracas Glivânia Maria de Oliveira, solução vista como contraditória.

As relações se deterioram com a recusa do regime em comprovar a alegada reeleição de Nicolás Maduro. A oposição, por outro lado, reivindica Edmundo González como presidente eleito e divulgou as cópias das atas que atestam uma vitória expressiva do seu candidato, com 67% dos votos.

Acontece que o chavismo mantém o controle sobre as instituições do Estado, incluindo o Conselho Nacional Eleitoral, a Justiça e as Forças Armadas. “A oposição sabe que a situação é difícil. Convoca os protestos como um último grito”, observa Roberto Goulart Menezes.

Ainda assim, González promete voltar à Venezuela para tomar posse, e corre o risco de ser preso. Diosdado Cabello, ministro do Interior e número dois do chavismo, alertou que opositor será detido assim que colocar os pés no país. O regime oferece recompensa de US$ 100 mil por informações que levem à sua captura e espalhou cartazes de “procurado” pelas ruas.

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Ameaçado de prisão, opositor Edmundo González promete que vai a Venezuela para posse.  Foto: Juan Barreto/AFP

Nos últimos dias, González circulou em busca de apoio internacional e reuniu um grupo de ex-presidentes latino-americanos que pretendem embarcar com o opositor para Venezuela — todos foram declarados persona non grata no país.

“O que aconteceu na Venezuela é que o regime roubou uma eleição”, lembra Maria Puerta Riera. “É ingênuo pensar que agora eles (os chavistas-maduristas) vão permitir uma mudança”. Ela afirma que Edmundo González só teria chance de chegar ao Palácio de Miraflores em caso de ruptura na coalizão militar, mas não vê indícios de que isso deva acontecer.

Apelos aos militares

Nessa frente, a líder opositora María Corina disse em entrevistas recentes que está em contato com forças policiais e militares que, segundo ela, estariam ponderando a sua decisão antes da posse.

Por sua vez, Edmundo González disse que será o comandante em chefe das Forças “pela vontade soberana do povo venezuelano” a partir do dia da posse. “Nossas Forças Armadas estão chamadas a ser garantia de soberania e de respeito à vontade popular”.

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A mensagem em vídeo traz ainda um apelo direto às bases militares. “É nosso dever agir com honra, mérito e consciência, norteados pelos valores que nos unem como instituição fundamental da República. É necessário pôr fim a uma cúpula que distorceu os princípios fundamentais e morais de nossas Forças Armadas”

A declaração foi prontamente rebatida pelo comando militar. “Rechaçamos categoricamente e com absoluta veemência esse ato palhaço e bufão de política desprezível”, afirma o comunicado lido pelo ministro da Defesa, Vladimir Padrino.

A razão para lealdade é simples. “Os militares apoiam Maduro porque eles dominam toda a economia do país. Nunca estiveram em uma posição tão privilegiada”, aponta Roberto Goulart Menezes.

Aumento da repressão

À medida que a posse se aproxima, o chavismo intensifica a campanha de intimidação com as prisões de críticos e ativistas dos direitos humanos.

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Entre os detidos está o ex-diretor do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) Enrique Márquez, que disputou a presidência como candidato minoritário da oposição. O seu nome foi registrado como uma espécie de plano B, caso o regime inabilitasse Edmundo González, como havia feito com María Corina Machado e Corina Yoris, a primeira opção para substituí-la.

A repressão dos últimos dias atinge ainda dos familiares dos líderes da oposição: María Corina denunciou que a casa da sua mãe foi cercada e González afirma que o genro foi sequestrado. “O que Maduro está indicando é que utilizará todos os mecanismos de repressão e violência política que conhecemos para manter a oposição em estado de alerta”, afirma Maria Puerta Riera.

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