JERUSALÉM - Uma ampla coalizão de partidos trabalha contra o relógio para fechar nesta quarta-feira, 2, último dia do prazo, uma aliança que encerrará os 12 anos de governo do primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, em Israel. Líderes de direita, centro, esquerda e até políticos árabes intensificaram nesta terça-feira, 1°, as negociações dos últimos detalhes – principalmente cargos e o papel de cada um novo governo.
Segundo relatos de bastidores, o próximo governo deve ser comandado pelo conservador Naftali Bennett, ex-ministro da Defesa e um antigo aliado de Netanyahu, que decidiu romper com o premiê e negociar com a oposição. O grande articulador da aliança é Yair Lapid, ex-apresentador de noticiários de TV e um desafeto de longa data do primeiro-ministro.
A expectativa é que Bennett e Lapid anunciem um comando rotativo – dois anos para cada um à frente do governo. A alternância de cadeiras não é incomum na política israelense. Entre 1984 e 1988, o trabalhista Shimon Peres governou a primeira metade do mandato, e Yitzhak Shamir, do Likud, concluiu o governo.
A última vez que isso aconteceu foi em maio do ano passado, para resolver o impasse causado por três eleições inconclusivas – ninguém obteve maioria no Parlamento nas votações de abril e de setembro de 2019, e de março de 2020. Foi quando Netanyahu decidiu oferecer o rodízio ao líder da oposição, Benny Gantz, que aceitou.
A aliança, no entanto, desandou. A falta de aprovação de um orçamento para 2021 fez o Parlamento ser dissolvido, em dezembro, e uma quarta eleição em dois anos foi convocada – Gantz e outros líderes de oposições acusaram Netanyahu de usar a manobra regimental para evitar entregar o cargo.
A oposição afirma que Netanyahu está apegado ao poder por razões pessoais. Indiciado por corrupção, ele estaria buscando imunidade processual. O premiê nega. Na última eleição, em março, seu partido, o Likud, saiu das urnas outra vez como o mais votado, com cerca de um terço do eleitorado.
Nas negociações, Netanyahu manteve a aliança com partidos religiosos, mas não conseguiu maioria para formar um governo. A tarefa então passou para Lapid, o segundo mais votado, que vem articulando uma coalizão disforme, com partidos de todos os espectros políticos que têm apenas uma coisa em comum: a rejeição a Netanyahu.
Divisões ideológicas
Para selar o acordo, os partidos precisam deixar de lado divisões ideológicas e superar as pretensões ministeriais de todas as bancadas, especialmente às pastas de Defesa e Justiça. “Até a formação do governo ainda restam muitos obstáculos”, disse Lapid. “É nosso primeiro teste para ver se conseguimos encontrar compromissos inteligentes e alcançar nosso objetivo mais importante. Israel pode entrar em uma nova era.”
Lapid tem o apoio de 57 deputados de um total de 120. Para os quatro que faltam, ele busca um acordo com os partidos árabes, que deveriam dar seu respaldo sem buscar postos ministeriais. Nesta terça-feira, Mansour Abbas, líder do partido Raam, participou de uma reunião com Lapid e Bennett, e saiu garantindo que “está na coalizão”.
Tradicionalmente, os partidos árabes nunca estiveram diretamente envolvidos nos governos israelenses. Eles temem se juntar a um governo que supervisiona a ocupação israelense da Cisjordânia e suas operações militares. No entanto, depois de décadas de marginalização política, muitos cidadãos palestinos, que constituem um quinto da população de Israel, têm buscado uma integração mais plena. Abbas parece ter percebido isso e, desde o ano passado, tem mostrado alguma moderação.
A criação da coalizão representaria o fim da era Netanyahu, o premiê que mais tempo comandou Israel – ele está no poder desde 2009, mas também foi primeiro-ministro de 1996 a 1999. Em Israel, ele é conhecido como “O Mágico”, em razão de sua habilidade para costurar acordos e sobreviver no cargo mesmo diante dos cenários mais improváveis. Por isso, muitos analistas e adversários preferem não menosprezar as chances do premiê.
Nesta terça-feira, Netanyahu tentou mais uma cartada. Em carta a assessores jurídicos da presidência e do Parlamento, seu partido questionou a validade de uma aliança de oposição. Segundo Netanyahu, Lapid não foi autorizado a ceder o cargo de primeiro-ministro a Bennett. O presidente de Israel, Reuven Rivlin, no entanto, rejeitou a reclamação.
Mas tudo ainda é possível. Netanyahu ainda tenta dividir o bloco de oposição. Se Lapid fracassar em formar um governo, os israelenses estarão mais próximos de voltar às urnas pela quinta vez em pouco mais de dois anos.
Neutralizar ameaça
Ainda nesta terça-feira, Netanyahu disse que está preparado para arriscar um aumento das tensões com os EUA, se isso for necessário para neutralizar o programa nuclear do Irã. O premiê disse que a maior ameaça à segurança do país continua sendo a possibilidade de os iranianos obterem armas nucleares.
Netanyahu garantiu que Israel está preparado para evitar que isso aconteça, mesmo que os EUA e os países europeus consigam revitalizar o acordo nuclear de 2015. “Se tivermos de escolher entre o atrito com nosso grande amigo os EUA e a eliminação desta ameaça existencial, eliminaremos esta ameaça existencial”, disse o premiê, na cerimônia de posse do novo chefe do Mossad, o serviço de inteligência de Israel.
Em negociações em Viena, o governo americano tenta retomar o acordo nuclear, um das promessas de campanha do presidente, Joe Biden. Netanyahu diz que os termos do pacto não impedem que o desenvolva uma arma atômica. O premiê também exige que o acordo inclua o fim do apoio iraniano a grupos militantes islâmicos no Oriente Médio. / AP, REUTERS e NYT
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